Empresas costumam enfrentar dificuldades no descarte de materiais como equipamentos de proteção individual (EPIs), uniformes e banners. São itens sem valor comercial e sem a rigidez da destinação de resíduos perigosos, além de serem sensíveis, devido à presença de logotipo. Assim, acabam ficando em um limbo. Graças à Rede de Economia Circular da Ciclo Reverso é possível transformar esses resíduos em novos produtos e gerar impacto social positivo.
O Ciclo Reverso é um negócio de impacto socioambiental que trabalha há 15 anos com a logística reversa de resíduos de empresas. Além de contribuir para a economia circular e reduzir o impacto ambiental do descarte de resíduos, a iniciativa da empresa apoia a capacitação e inclusão produtiva de mulheres em situação de vulnerabilidade – e ajuda a solucionar o problema das empresas.
Algumas companhias doam uniformes para grupos de mulheres, para que removam o logotipo e utilizem os materiais, explica Liliane Linhares, fundadora da Ciclo Reverso. A ação, porém, acaba terceirizando o problema para as mulheres – que ficam com uma roupa com buraco ou que não conseguem utilizar –, sem gerar renda para elas, nem uma solução que cumpra a legislação.
— A Ciclo Reverso entrou exatamente nesse gap, recolhendo os uniformes das empresas, dando para elas todas as garantias que precisam, tanto em termos de documentação ambiental como em termos de segurança para as logomarcas, e fazendo com que os uniformes saiam do problema e entrem na solução, como metas de sustentabilidade. As empresas poderiam aterrar, seria uma solução legal, mas não é uma solução bacana — explica Liliane.
A iniciativa tem ainda um impacto social, com a geração de renda para mulheres sem acesso ao mercado de trabalho devido à falta de formação, ao fato de viverem na periferia, distante, ou à impossibilidade de sair da comunidade porque cuidam de familiares doentes ou com deficiência. São elas que transformam os materiais em novos produtos, por meio de um trabalho digno.
O Ciclo Reverso forma ou trabalha com grupos já existentes nas comunidades, levando o trabalho até elas. A iniciativa capacita os grupos em parceria com as empresas, que fornecem os recursos, e entidades.
Atualmente, o projeto conta com 72 mulheres capacitadas em grupos em Porto Alegre, Passo Fundo, Canoas e Esteio. No Morro da Cruz, na Capital, cinco mulheres do grupo Cruzando Ideias dão nova forma aos materiais.
O trabalho permite que a costureira e artesã Maria Regina de Moura, 54 anos, fique próximo à filha especial. As artesãs definem seu horário de trabalho – Maria Regina pode almoçar em casa e acompanhar a filha em consultas médicas. Com a renda, consegue comprar os medicamentos da filha e garantir o sustento.
A manufatura de diferentes produtos é um desafio e permite novos aprendizados, segundo a costureira. Ela avalia que a iniciativa gera um impacto importante na comunidade:
— A gente prega muito a questão de trabalhar na própria comunidade. O que eu gasto, gasto aqui dentro também. A gente tem um pensamento de gerar as coisas aqui dentro. Porque a comunidade é muito grande, tu tem tudo aqui. As coisas estão acontecendo aqui, e eu prezo muito por isso.
A colega artesã Sílvia Freitas, 47, trabalha em casa para evitar a perda de tempo com deslocamentos e para manter paralelamente seu negócio de bordados. Com o pai doente no hospital, a flexibilidade permite que ela cuide dele e tenha a própria renda. Silvia gosta de atuar com o grupo e considera “incrível” trabalhar com produtos sustentáveis, já que é preciso cuidar do meio ambiente.
— Trabalhando aqui com elas, eu consegui comprar uma máquina industrial novinha. Isso é uma coisa que eu fico emocionada de falar, porque essas máquinas são muito caras. Me possibilitou esse sonho. E eu estou aí trabalhando com elas para comprar outras coisas mais ainda — conta.
Variedade de produtos
As empresas interessadas encaminham os resíduos para transformação e compram os produtos resultantes de volta. Com a parceria da empresa Maxitex, os tecidos dos resíduos são transformados em fibras e, depois, em fios. Com esses fios, são produzidos barbantes e tecidos reciclados. Quando há uniformes sem logotipo e em boas condições de uso, a Ciclo Reverso doa o material para organizações não governamentais.
Os produtos manufaturados pela rede incluem almofada, travesseiro, bola, nécessaires, ecobags, mochilas, estojos, entre outros. Também são desenvolvidos produtos que as empresas demandam – outro impacto da economia circular, a substituição da compra de produtos novos. Os grupos foram convidados, neste ano, para produzir enfeites para árvores de Natal de Gramado e de empresas.
O diferencial, para Liliane, é criar produtos com uma história. Mais de 120 toneladas de tecido já foram transformadas desde 2021 (economizando 4 milhões de litros de água), bem como mais de 200 toneladas de resíduos no total em 15 anos.
— É uma forma bem legal de as empresas poderem mostrar aos seus colaboradores e trabalhar a questão da consciência ambiental. Olha, esse brinde que tu estás recebendo foi feito com os uniformes usados. Então, quando terminar de usar o teu uniforme, tu deves entregar no RH, porque isso vai gerar essa economia circular — aponta.
Solução sustentável
A Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) é uma das empresas que encontrou na iniciativa uma solução sustentável para lidar com os uniformes utilizados. Inicialmente, o envio de resíduos era feito de forma pontual, porém, com a formalização da Rede de Economia Circular neste ano, a universidade decidiu intensificar o apoio ao projeto.
A PUCRS envia, em média, 160 kg de EPIs por mês, que já foram transformados em nécessaires e mochilas. Os produtos voltam para dentro da cadeia, chegando aos colaboradores e alunos.
— A gente buscou trabalhar com empreendedores locais da região para poder desenvolver o entorno da PUCRS e, assim, gerar impacto positivo — ressalta Flávia Paesi, analista de sustentabilidade da PUCRS.