Santiago, na Região Central, encontrou maneiras de lidar com a poluição dos fios em desuso nos postes municipais. Uma lei determina que as empresas retirem materiais sem utilidade e estabelece multa em caso de descumprimento. A legislação motivou um projeto social que usa a fiação recolhida como matéria-prima para confecção de objetos, que possibilita uma atividade ocupacional e renda extra aos participantes.
O acúmulo de fios é um problema de escala nacional, com roteiro similar em municípios de todos os portes: concessionárias são responsáveis pelos postes de energia elétrica e alugam a infraestrutura para empresas de telecomunicações. Para especialistas, o poder público deve reforçar a fiscalização do compartilhamento, melhorar a legislação e investir em redes subterrâneas no longo prazo.
Lei deu início à busca por soluções
Com 48,9 mil habitantes (Censo Demográfico 2022), Santiago segue uma tendência vista em todo o país: a expansão da rede de telecomunicação - como internet, telefonia e TV - lotou os postes nos últimos anos. O problema entrou na pauta do poder público santiaguense em 2021, devido a um projeto de lei do vereador Fernando Oliveira.
— Me deixava frustrado ver aquele emaranhado de fios que causa poluição visual na cidade. Também recebi muitas cobranças pela situação. Tínhamos de encontrar uma maneira de fazer com que as empresas responsáveis pela instalação dos fios fossem também obrigadas a removê-los. O maior avanço foi convencê-las a retirar os cabos antigos que não são delas — comenta.
A proposta foi sancionada no mesmo ano. A aprovação foi somada a conversas com a RGE, a concessionária responsável pelos postes, e empresas que prestam serviços de internet e telefonia. No início do trabalho, as atividades eram concentradas em pontos considerados críticos, onde havia cabos no chão ou fora da altura correta, que atrapalhavam a circulação ou podiam causar acidentes. O diálogo entre o poder público e privado foi ampliado e surtiu efeito: mutirões regulares (ao menos um a cada 15 dias) aceleraram o trabalho.
— Os provedores se reúnem para a limpeza dos cabos obsoletos, arrebentados, inutilizados. Tem sido importante para a cidade e uma surpresa também: não imaginávamos que um cabo que destinamos para o lixo, que nos era sem utilidade, viraria um projeto importante para muitas pessoas — diz Erico Verissimo Brasil, coordenador técnico da Ávato, uma das empresas que instala internet no município.
Nos mutirões não há a execução de outros serviços, apenas a retirada de fios em desuso e a organização daqueles dos ativos. Também há o compromisso por parte das empresas de retirar os materiais antigos quando de uma nova instalação. Desde a aprovação da lei, 33 toneladas de fios foram retiradas dos postes de Santiago, segundo a estimativa do município. Nenhuma empresa foi autuada até o momento pelo não cumprimento da norma municipal.
Os mutirões também ocorrem em pontos onde moradores reportam problemas. A iniciativa conseguiu limpar as principais ruas do município, como Tito Beccon, Oswaldo Aranha e Bento Gonçalves. A solução, porém, não é definitiva, acrescenta Fernando Oliveira:
— Mesmo com a limpeza, os fios acabam se rompendo ou se desalinhando. Enquanto não tivermos outra forma de envio de sinal de internet e trabalharmos com fios, o trabalho deverá ser permanente.
Uma opção de renda extra
Os fios recolhidos dos postes de Santiago foram destinados para descarte nos meses de aplicação da lei. Em março, os materiais começaram a ser utilizados em uma oficina de reciclagem no Centro de Convivência para Idosos, também sugerida pelo vereador. Uma voluntária experiente na confecção de artesanato com fios náuticos e filetes de jornal foi contatada pela prefeitura para auxiliar nos primeiros trabalhos.
— Associamos a questão ocupacional da atividade à sustentabilidade do reaproveitamento de fios. Também é importante porque é uma forma de gerar renda para as pessoas que participam — acrescenta Denise Cardoso, secretaria de Desenvolvimento Social.
Depois de pronta, o usuário é o responsável pela peça: ele pode fazer seu preço, vender ou doar para alguém. É um projeto que foi muito bem recebido na comunidade e queremos levá-lo para mais pessoas.
ROSANE MACHADO PINTO
Coordenadora do Centro de Convivência para Idosos e responsável pela organização da oficina com fios
O trabalho começou com sete pessoas, mas o número participantes aumentou nas reuniões seguintes. Quando GZH esteve no local, na tarde de quarta-feira (24), mais de 20 integravam as atividades. Os fios retirados dos postes são levados pela Secretaria de Obras ao Centro de Convivência para Idosos, onde ocorre a higienização do material antes do manuseio.
Por fim é feita a confecção: cestos, cachepô (para “esconder” vasos de plantas), luminárias, cadeiras, porta-térmicas são alguns dos utensílios feitos na oficina, organizada uma vez por semana, à tarde.
— Depois de pronta, o usuário é o responsável pela peça: ele pode fazer seu preço, vender ou doar para alguém. É um projeto que foi muito bem recebido na comunidade e queremos levá-lo para mais pessoas — relata Rosane Machado Pinto, coordenadora do centro e responsável pela organização da oficina.
Não há, portanto, um valor fixo por peça, mas cadeiras costumam ser vendidas por R$ 25. Os cestos de roupa custam por volta de R$ 50 e as cestas saem por R$ 15. A dona de casa Margarida Soares, 53 anos, é uma das que participa da oficina no Centro de Convivência para Idosos. Ela relata que já tinha feito outras atividades de artesanato promovidas pela prefeitura e que se adaptou melhor na construção de cestos.
— No começo é difícil, mas depois a gente pega o embalo e vai. É complicado encaixar todos os fios, por isso é bom ter uma pessoa ajudando. Sozinha fica mais demorado. Também gosto de ver que são fios que estão sobrando, que não têm valor, e podem ser aproveitados como uma fonte de renda — pontua.
Fiscalização e investimento de longo prazo
Reduzir a poluição dos postes requer mudanças no modo de uso da infraestrutura, na avaliação de Odilon Duarte, coordenador do curso de Engenharia de Energias Renováveis da PUCRS.
— O poder público tem de chamar as concessionárias, exigir uma organização e dar tempo para retirar todos os fios inoperantes. É o contrário do que vemos hoje. Para a empresa, retirar o cabo gera custo e ela vai deixando, também porque há pouca fiscalização. O resultado é que vemos aquela maçaroca nos postes e fios largados na rua, que são horríveis visualmente e oferecem perigo à população — resume o professor.
O que é jornalismo de soluções, presente nessa reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
O compartilhamento dos postes deverá ter uma nova legislação nos próximos meses. Em setembro de 2023, o governo federal assinou uma portaria que instituiu a Política Nacional de Compartilhamento de Postes - Poste Legal. Falta a regulamentação, que será feita pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), mas ainda não há um prazo para isso.
Para Rene Emmel, engenheiro eletricista especializado em redes subterrâneas, a portaria pode auxiliar na organização dos postes: é complexo saber na maioria dos casos quais ligações há nas estruturas e quem é o responsável pela poluição, quando as instalações estão desorganizadas e fora de normativas técnicas.
— Precisamos, primeiro, impedir a instalação desordenada de mais redes de comunicações que não são devidamente cadastradas e organizadas. Se passamos por um poste na rua, temos dificuldade em saber se ali existe uma ligação clandestina ou se foi permitida pela concessionária. As redes devem estar identificadas. Existem normas e procedimentos técnicos que devem ser seguidos — argumenta.
Os dois especialistas concordam que ter uma rede subterrânea pode ser uma opção de longo prazo para o problema. Não há indicativo de que a sociedade reduzirá o uso de cabos para transferir dados e energia nos próximos anos. A solução, porém, envolve altos custos e exige planejamento que transcende a parte financeira.
— Uma distribuição subterrânea custa cinco vezes mais do que um sistema de rede aérea. Porém, pode ser oito ou nove vezes mais cara se já houver uma estrutura de rede aérea estabelecida e for colocada a subterrânea. É uma instalação que precisa abrir buracos na rua, ter cuidado com esgoto, água, gás, entrada de energia subterrânea e telecomunicações. É algo complexo — diz Odilon Duarte.
Segundo o especialista, a estrutura subterrânea tende a apresentar menos problemas com a interrupção de abastecimento, mas é mais também cara para manutenção.
— A sociedade precisa avaliar, pois é ela quem pagaria (uma rede subterrânea) com o aumento da conta de luz, que já é cara — resume Duarte.
Rene Emmel conclui que ter ligações debaixo da terra não é a única saída para reduzir o problema.
— Uma rede aérea de telecomunicação com energia é perfeitamente viável, mas deve ser segregada de maneira organizada, respeitando limites de quantidade, distância e altura, que é o que não vemos hoje.
Como está a situação em Porto Alegre
Os fios em desuso são motivo de embate há anos na Capital, que tem, desde 2015, uma norma similar à de Santiago. Neste ano, a prefeitura entrou na Justiça contra a contra a CEEE Equatorial e empresas que usam os postes para obrigar a remoção de cabos.
Uma distribuição subterrânea custa cinco vezes mais do que um sistema de rede aérea. Porém, pode ser oito ou nove vezes mais cara se já houver uma estrutura de rede aérea estabelecida e for colocada a subterrânea. É uma instalação que precisa abrir buracos na rua, ter cuidado com esgoto, água, gás, entrada de energia subterrânea e telecomunicações. É algo complexo.
ODILON DUARTE
Coordenador do curso de Engenharia de Energias Renováveis da PUCRS
O Executivo iniciou uma força-tarefa para limpar postes em 12 de janeiro, que resultou na retirada de sete toneladas de fiação em 22 vias. O trabalho ocorre três vezes por semana, em parceria entre as empresas e a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSurb). Há um edital aberto para empresas interessadas na prestação de serviços de remoção e o correto descarte e destinação de fios.
Em março, a prefeitura entregou o primeiro lote de fios em desuso retirados de vias da Capital: duas toneladas do material foram compradas por uma empresa de Cachoeirinha por meio de um edital. Porto Alegre tem uma lei municipal que quer estimular a fiação subterrânea, mas o secretário municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), Germano Bremm, disse, em dezembro, que a pasta os aprova, as construtoras estão dispostas a pagar pelo serviço, mas a CEEE Equatorial se recusa a aprová-los, o que é necessário para a ligação elétrica.
Questionada sobre o problema em Porto Alegre, a CEEE Equatorial enviou a seguinte nota:
A CEEE Equatorial esclarece que não é a responsável pela manutenção e regularização de fios e cabos das operadoras de telecomunicações. As ações de manutenção devem ser feitas pelas empresas detentoras dos fios avariados.
Cabe informar que a CEEE Equatorial notifica as empresas de telecomunicações para que as situações de cabos de telefonia desnivelados sejam corrigidos. A distribuidora também recebe denúncias em relação a irregularidades técnicas e de risco por meio do número 0800 721 2333.
Por fim a CEEE Equatorial informa que obedece aos critérios técnicos e à legislação vigente sobre o compartilhamento de infraestrutura/postes da rede de energia elétrica conforme a Resolução Conjunta nº4/2014, Aneel e Anatel.
A CEEE Equatorial esclarece que, conforme já reiterado diversas vezes à Secretaria Municipal de Meio Ambiente, não procede a informação sobre a recusa em aprovar os projetos de rede elétrica subterrânea.
Cabe informar que a concessionária dispõe de uma norma técnica disponível em seu site lara todo o publico interessado, que prevê a instalação de circuitos subterrâneos e que todos os projetos que são apresentados junto à companhia são analisados e devidamente aprovados se estiverem em conformidade com a norma vigente.
Como exemplo a CEEE ressalta que a cidade de Porto Alegre possui mais de 500 km de rede subterrânea instalada e em operação.