Analfabetos, pessoas que não trabalham nem estudam e profissionais que optam por abandonar os estudos impactam no mercado de trabalho e atrasam o desenvolvimento do Estado e do país. A constatação é de especialistas a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio Contínua (Pnad), divulgada nesta sexta-feira (22), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O levantamento indicou que 44% dos jovens entre 15 e 29 anos trabalhavam e não estudavam no Estado em 2023, quando os dados foram coletados. Ou seja, quatro em cada 10 pessoas dessa parcela da população decidiram não se qualificar enquanto tinham empregos.
Lucas Baldisserotto, CEO do Centro de Integração Empresa Escola do Rio Grande do Sul (CIEE-RS), define o resultado como preocupante e acrescenta que a combinação é uma tendência no país nos últimos anos.
— É um perfil de jovem que recebe uma carga de informação mais rápida e em maior quantidade do que víamos anos atrás. Notamos que a educação formal não consegue reter a atenção dessas pessoas, o que demonstra que o modelo educacional não é satisfatório. Se você não adequar o ensino à realidade atual do mundo, com conteúdos e metodologias interessantes, fica difícil ser atrativo a esse grupo — pontua.
Baldisserotto comenta que a busca por continuidade nos estudos também depende da situação socioeconômica do jovem, que, por necessidade, pode ser “obrigado” a se qualificar para ocupar uma vaga de trabalho. O pior cenário – de escassez de profissionais –, força empresas à mudança de comportamento na contratação:
— Por vezes, mesmo profissionais não qualificados têm oportunidades em vagas mais simples, com remunerações menores. É uma situação na qual o próprio mercado de trabalho se adapta à realidade da falta de pessoas preparadas — diz o especialista.
O CEO do CIEE-RS afirma que o estágio é uma estratégia eficiente de modificar essa situação:
— É uma forma de remuneração, de prática profissional, mas, para que ocorra, o jovem tem que estar estudando. É uma maneira de fazer com que ele permaneça se capacitando, seja no Ensino Médio, Técnico ou Superior.
O levantamento do IBGE indica que 12,6% da população gaúcha na faixa dos 15 aos 29 anos não estudava nem trabalhava em 2023, o que fez do RS o segundo Estado com o menor percentual do país, atrás apenas de Santa Catarina (11,3%). No cenário nacional, a proporção foi de 19,8%.
Estudo contra a pobreza
Daniela Mendes, coordenadora de políticas educacionais da ONG Todos pela Educação, afirma que o distanciamento do estudo – seja na Educação Básica ou no Ensino Superior – atrapalha o desenvolvimento do país.
Um jovem pobre que para de estudar tem grande chance de perpetuar situações de pobreza na família.
DANIELA MENDES
Coordenadora de políticas educacionais da ONG Todos pela Educação
— Os jovens são um potencial produtivo para a inovação. Por isso, é importante que eles sejam ouvidos sobre quais são seus interesses, em que áreas gostariam de atuar. A escola vem fracassando em um dos seus objetivos, que é oferecer educação para a cidadania: os jovens, em muitos casos, não conseguem desenvolver um projeto de vida, não veem importância nisso. É uma contribuição que também deve ser feita pela escola — pontua.
Daniela diz que pessoas menos qualificadas, as que fazem parte do grupo “nem-nem” e analfabetas tendem a participar de um sistema ao qual ela define como “ciclo intergeracional de pobreza”.
— Um jovem pobre que para de estudar tem grande chance de perpetuar situações de pobreza na família. A educação precisa ser vista pela sociedade como uma forma de alcançar a mobilidade social. Sair da escola para trabalhar em um mercado informal, de baixa qualificação, faz com que a pessoa fique estagnada por muito tempo, provavelmente durante toda a vida. A ideia é fazer com que a escola consiga, já no Ensino Fundamental, mostrar as perspectivas dos ganhos educacionais — comenta a estudiosa.
Não saber ler e escrever é consequência
A taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais passou de 2,5% em 2022 para 2,7% em 2023, o que representa aumento de pelo menos 24 mil analfabetos no Rio Grande do Sul. No total, foram contabilizadas 256 mil pessoas nessa faixa etária que não sabiam ler e escrever no Estado no ano passado.
Entre as pessoas com 60 anos ou mais, a taxa de analfabetismo saltou de 6,8% para 7,4% entre 2022 e 2023. Em relação ao nível de analfabetismo por grupo étnico-racial no Estado, em todas as faixas etárias, a taxa de analfabetismo é maior entre a população negra. No caso das pessoas de 15 anos ou mais, por exemplo, os brancos apresentaram taxa de 2,2%, enquanto as pessoas pretas e pardas somaram 4,5%. Já em relação aos acima dos 60 anos, a taxa de analfabetismo é de 5,8% para os brancos, e de 15,3% para os negros.
Esse grupo (analfabetos) não é prejudicado exclusivamente por não saber ler e escrever: isso é uma consequência de um histórico de violação de direitos.
ALINE CUNHA
Doutora em Educação e professora da UFRGS
— Esses dados demonstram a necessidade de ações organizadas que precisam envolver diversos setores, não apenas a escola. Temos um número expressivo de pretos e pardos, sobretudo com idades acima dos 60 anos, que compõem o público de analfabetos. Precisamos de uma proposta educacional que vise a redução de índices tão altos. Não posso deixar de ver esses números com um sentimento de indignação — diz Aline Cunha, doutora em Educação e professora da área de Ensino de Jovens e Adultos (EJA) na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Conforme o levantamento, a taxa de analfabetismo no Brasil em 2023 era de 5,4% quando considerada a população acima dos 15 anos, o que representava 9,3 milhões de pessoas. O maior número de indivíduos que não sabiam ler e escrever em 2023 estava concentrado no Nordeste, com analfabetismo de 11,2% no ano passado. Pessoas com 60 anos ou mais concentraram o maior número analfabetos no país: 15,4%.
— Esse grupo (analfabetos) não é prejudicado exclusivamente por não saber ler e escrever: isso é uma consequência de um histórico de violação de direitos. São pessoas que não tiveram apenas impedimento do acesso à educação, mas que também não puderam acessar saúde, segurança, bem-estar, lazer e trabalho — acrescenta a professora da UFRGS.