No verão de 2017, vizinhos do Presídio Central — atualmente Cadeia Pública de Porto Alegre — na zona leste da Capital, sentiram tremores vindo debaixo da terra e um som de obra incessante. O movimento se dava numa das casas, que havia sido vendida recentemente, na Rua Jorge Luís Domingues. Intrigava os moradores que não avançava reforma alguma pelo lado de fora. A obra seguia, mas nenhuma mudança era vista na casa. Em 22 de fevereiro daquele ano, uma ação do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) desvendou a empreitada criminosa por trás daquilo.
Quando os policiais ingressaram no imóvel, descobriram dentro dele a abertura para um túnel debaixo da terra. A escavação já havia avançado por 47 metros, em direção ao presídio. Restavam ainda, segundo a estimativa feita na época, cerca de 60 metros para que se chegasse ao objetivo. O buraco seguia em linha reta até a cadeia superlotada, cruzando por baixo das casas no caminho — curiosamente, a primeira era habitada por um policial militar.
No epicentro do plano que pretendia permitir a fuga de 200 até mil detentos, no Carnaval, estava uma facção criminosa. Tiago Benhur Flores Pereira, o Benhur, um dos líderes do grupo, foi apontado pela polícia como o principal mentor do esquema — na época, ele era "prefeito" da facção dentro do Pavilhão B do Presídio Central. A obra teria custado cerca de R$ 1 milhão ao grupo.
Em razão deste crime, Benhur chegou a ser transferido para penitenciária federal com outros 26 líderes de facção em operação de 2017. Em fevereiro de 2024, sete anos após a descoberta do plano de fuga, ele foi, inclusive, condenado a 37 anos e oito meses de prisão pelo plano do túnel.
Benefício para fazer cirurgia
Benhur volta nesta quinta-feira (5) a ser alvo de uma operação do Denarc. Mas a situação do líder da facção é diversa: desde julho deste ano, ele é considerado foragido.
O apenado, que já foi condenado a 175 anos por diversos crimes, recebeu o direito à prisão domiciliar humanitária, para realizar uma cirurgia — até então, Benhur estava recolhido na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). Dois dias após a concessão da tornozeleira, foi emitido alerta de rompimento do dispositivo. Desde então, ele não foi mais encontrado. Dois mandados de prisão foram expedidos pela Vara de Execuções Criminais
Apontado como líder do grupo criminoso alvo da Operação Tríade nesta quinta-feira, Benhur teve novo mandado de prisão preventiva expedido nesta investigação. Além dele, há, pelo menos, outros dois alvos da Polícia Civil nesta operação que também se encontravam em prisão domiciliar.
Até o momento, Benhur não foi recapturado. Outros dois alvos — já no sistema prisional — também são identificados como líderes do grupo. Considerados o alto escalão da facção, os três seriam responsáveis pela distribuição de drogas e conexões internacionais.
Pedágio pela fuga no Central
Na época, a investigação da Polícia Civil apontou que a facção criminosa passou a cobrar os presos pelo direito de usar o túnel para a fuga. A apuração desvendou ainda como se daria a ordem de fuga. Isso já havia sido definida pela facção que encomendou a obra.
Primeiro, sairiam da casa prisional os líderes da organização criminosa, seguidos pelo seus subordinados.
Depois, a quadrilha permitiria evasões de outros detentos, mediante pagamento. Cada fuga custaria cerca de R$ 5 mil.
Central não existe mais
O antigo Presídio Central — que chegou a ser considerado a pior cadeia do Brasil — não existe mais. Da prisão, hoje chamada de Cadeia Pública de Porto Alegre, restam memórias e algumas paredes.
Desocupada, a prisão, que já abrigou 5 mil encarcerados em seu período crítico, teve os históricos pavilhões demolidos, e nove módulos construídos no lugar.
A expectativa é de que a cadeia volte a ser ocupada no primeiro semestre de 2025.
A facção
Mais antiga entre as organizações criadas no Rio Grande do Sul, a facção alvo da Operação Tríade tem origem no Vale do Sinos.
O grupo já foi liderado por presos como Dilonei Francisco Melara, morto em 2005, e Paulo Márcio Duarte da Silva, o Maradona.
Ao longo do tempo, a organização passou a ser coordenada por uma espécie de colegiado. Um grupo de líderes é responsável por decidir possíveis punições, ações a serem executadas, investimentos e a contabilidade.
A facção nasceu no interior das prisões gaúchas e passou por momentos em que eram frequentes as execuções, em meio às disputas com outros grupos.
A partir da consolidação da facção, inclusive por meio da execução de rivais, mudou a forma de agir, passando a adotar uma postura “quase empresarial”, focada no lucro dos negócios ilegais, como o tráfico de drogas.
Operações realizadas pelas polícias e Ministério Público ao longo dos últimos anos demonstram que essa facção possui movimentações milionárias.