No fim da tarde de 23 de setembro deste ano, criminosos armados com pistolas desembarcaram de um Sandero preto, na Estrada dos Barcellos, no bairro Cascata, na zona sul de Porto Alegre, e abriram fogo na direção de um homem, de 41 anos, na calçada. Foram efetuados mais de 15 disparos contra o alvo, que era irmão de um líder de um grupo criminoso daquela região. O assassinato aconteceu em frente ao terminal da linha de ônibus Primeiro de Maio. Os disparos fizeram pessoas no entorno correrem, assustadas.
Essa execução foi planejada de dentro do sistema prisional, segundo demonstrou a investigação do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). O responsável por dar a ordem para que os quatro executores fossem às ruas teria sido Rafael Telles da Silva, 36 anos, o Sapo. Apontado como uma das lideranças de uma facção, com berço no bairro Bom Jesus, na zona leste de Porto Alegre, envolveu-se recentemente em outro crime.
Dessa vez, foi identificado como um dos autores do assassinato de Jackson Peixoto Rodrigues, 41 anos, o Nego Jackson. A morte aconteceu dentro da Penitenciária Estadual de Canoas (Pecan) 3, no último fim de semana. O apenado foi executado a tiros de pistola – a suspeita é de que a arma tenha ingressado no local com uso de drone. Além de Sapo, está preso também pelo crime Luis Felipe de Jesus Brum, 21 anos. Quando interrogados pela polícia, optaram por permanecer em silêncio.
Sapo foi transferido nesta semana para uma penitenciária federal - segundo o governo do Estado, a medida já estava prevista para ocorrer. Ainda em 07 de outubro foi deferida a inclusão do preso no sistema penitenciário federal. No último dia 21, a Secretaria Nacional de Políticas Penais confirmou e agendou a remoção. Em razão disso, o preso estava sendo mantido até então na Pecan, onde aconteceu a morte de Nego Jackson.
Nesta sexta-feira (29) o grupo liderado por Sapo foi alvo de ação da Polícia Civil. A ofensiva, chamada de Operação Queda Livre, cumpriu 13 mandados de prisão preventiva, além de 19 ordens de busca e apreensão. Até o fim da manhã, 11 tinham sido presos. Os investigados, segundo a polícia, foram identificados como envolvidos direta ou indiretamente na execução no bairro Cascata. Há ainda uma tentativa de homicídio, no bairro Farrapos, em outubro, que também é atribuída ao mesmo grupo.
— Esta operação de hoje é a primeira operação especial que estamos realizando contra essa facção criminosa envolvida nessa morte na Pecan. Essa liderança já está presa, mas não basta prender somente os executores. Dentro da nossa estratégia, buscamos responsabilizar os líderes, como o que está sendo alvo hoje. Ele pode já estar preso, mas é afetado financeiramente e também quando prendemos os demais integrantes da facção. Por isso, a operação é voltada a toda a facção — diz o diretor do DHPP, delegado Mario Souza.
Casa alugada
Durante a investigação, a polícia descobriu que os bandidos tinham alugado uma casa, na Zona Sul, com intuito de usar como base para dali partir para as empreitadas criminosas. A facção teria tentado dar ao lugar uma aparência de imóvel residencial, como se fosse habitada por uma família e não levantar suspeitas.
Os registros das câmeras de segurança do imóvel permitiram que a polícia entendesse a dinâmica de como ocorreu o ataque a tiros. No mesmo dia do crime, a polícia apreendeu o Sandero preto usado na execução. A investigação descobriu que, por meio de uma videochamada, eles receberam o comando, de dentro da prisão, para a execução. Essa ordem teria sido dada, segundo a polícia, por Sapo, que estava naquele período na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) — posteriormente ele foi levado para a Pecan 3, onde se envolveu na morte de Nego Jackson.
Ainda na casa, o grupo teria se preparado para cometer o crime. Foram usadas no assassinato quatro pistolas, que mais tarde seriam apreendidas pela polícia. No fim da tarde, o grupo chegou ao bairro Cascata, onde dois deles desceram e executaram o alvo. Depois disso, retornaram para a mesma casa, usada como base. Lá, chegaram a comemorar que tinham concluído o crime.
— Essa facção tem uma característica: para os homicídios eles saem em bonde, alugam uma base, um QG, um grupo é responsável por levar armamento, coletes, deixar o veículo. O outro grupo, que são os executores vão para esse local, pegam a arma, o veículos, tudo que foi deixado pelo outro grupo, e vão executar a missão deles. Após, eles retornam ao local, deixam novamente as armas e veículos, e seguem para o seu destino. E o grupo que fez o operacional pega essas armas e deixa o local. Hoje atingimos os executores e também a logística e o planejamento — detalha o delegado Thiago Lacerda, do DHPP.
A operação
As ordens judiciais foram executadas em Porto Alegre, em áreas como o bairro Lomba do Pinheiro, em Canoas e em Gramado Xavier, no Vale do Rio Pardo. A ofensiva foi realizada pela Polícia Civil, com apoio da Brigada Militar e da Polícia Penal.
— Não vamos tolerar crimes graves como esse. Vamos empregar todos os recursos estatais para conter quem ainda praticar homicídios, alcançando e responsabilizando criminalmente não apenas os executores e partícipes, mas, principalmente, os líderes das organizações criminosas que determinam as execuções — diz o delegado Gabriel Borges, titular da 1ª Delegacia de Homicídios da Capital.
Durante a operação desta sexta-feira, foram apreendidos controles de drones e também caixas do equipamento.
— Não é coincidência que esses materiais tenham sido encontrados. São utilizados pelo grupo criminoso para algumas atividades como levar ilícitos até as casas prisionais. Localizamos as caixas de equipamentos que, muito possivelmente, já estavam sendo usados — diz o diretor do DHPP.
Disputa entre facções
A morte de Nego Jackson expôs a disputa entre duas facções criminosas. De um lado, o grupo do qual Sapo seria uma das lideranças, com berço no bairro Bom Jesus. E de outro uma coalização de grupos criminosos contrário ao da Zona Leste.
Nego Jackson, mais recentemente, segundo a polícia, havia sido um dos líderes na criação de uma nova facção. O homem morto em setembro era irmão de um dos líderes de um grupo com atuação no bairro Cascata.
Desde que ocorreu a morte dentro da Pecan 3, o policiamento foi reforçado nas ruas, com 520 policiais militares. Nos três primeiros dias da operação, foram apreendidas 13 armas de fogo e realizadas 206 prisões na Capital e Região Metropolitana. O intuito é tentar evitar que a disputa gere novos reflexos nas ruas.
— Reforçamos então nosso compromisso de manutenção das ações de saturação de área, das ações de repressão qualificada, naqueles locais onde há informação de atuação dessa facção. Bem como visando tranquilizar a população e desmentir os áudios fakes que foram encaminhados no fim de semana e início de semana, com relação a uma possibilidade de retaliação desses grupos — afirma o tenente-coronel Fabrício Rocha da Silveira, comandante do 19º Batalhão de Polícia Militar.
Quem era Nego Jackson
Jackson chegou a ser considerado o foragido mais procurado do Rio Grande do Sul em 2017, até ser capturado no Paraguai, pela polícia da cidade de Pedro Juan Caballero, e posteriormente transferido de volta para Brasil. Ele esteve em presídios federais brasileiros até ser transferido para o Rio Grande do Sul em 2020.
O criminoso tinha uma extensa ficha criminal: tráfico de entorpecentes, homicídio doloso, lavagem de dinheiro e organização criminosa. De acordo com o Comando de Policiamento Metropolitano, Jackson tem ligação com 29 homicídios. São assassinatos em que ele teria participação como mandante ou executor.
Nego Jackson era um dos principais líderes de uma facção de Porto Alegre. Ele teria arregimentado facções menores para montar um dos maiores grupos criminosos da capital gaúcha.