O julgamento de Marcelo de Oliveira Bueno, 43 anos, acusado de ter assassinado a companheira Débora Forcolén, 18, com um tiro no rosto, pode ser adiado. A sessão está prevista para terça-feira (8), às 9h30min, em Porto Alegre. No entanto, a Justiça ainda deve decidir se mantém ou não a data do júri.
O crime aconteceu em maio de 2018, no bairro Farrapos, na zona norte da Capital. O réu é acusado de ter matado a jovem por não aceitar o fim do relacionamento. O Ministério Público denunciou Bueno pelo feminicídio, crime pelo qual ele deve ser julgado. A defesa alega que o empresário disparou a arma de forma acidental.
Às vésperas do julgamento, novas movimentações no processo deixam dúvida sobre a data. Na quinta-feira (3), o Judiciário determinou que seja retirado do processo um documento anexado pela acusação, intitulado “reprodução simulada dos fatos”.
Segundo a juíza Cristiane Busatto Zardo, da 4ª Vara do Júri, tanto a defesa quanto o Ministério Público “tiveram mais de seis anos para requerer qualquer tipo de prova pericial oficial, ou trazer aos autos, em tempo hábil, laudos realizados por assistentes técnicos devidamente habilitados” e isso não foi feito. Em fevereiro deste ano, havia sido negado pedido da defesa para que fosse realizada a reconstituição pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP).
Conforme a juíza, o Ministério Público foi intimado e não manifestou que “também tinha interesse na prova”. Nesse contexto, de acordo com a juíza, após ser designado “o plenário do júri, faltando uma semana para sua realização”, a acusação juntou ao processo essa peça denominada "reprodução simulada dos fatos". Esse é um exame pericial que busca esclarecer a dinâmica do crime, quando há divergência entre as versões sobre o caso.
Na decisão, a magistrada ressalta que esse tipo de perícia “deve ser feita pela autoridade policial” e tem como finalidade o confronto de versões colidentes. Afirma ainda que “uma ‘reprodução’ que espelhe uma hipótese baseada apenas em vestígios do local do fato, sem qualquer participação da outra parte, feita por assistente técnico que sequer habilitado aos autos foi”, em seu entendimento, “não tem qualquer validade”.
Após a decisão da juíza, o MP entrou com recurso, tentando manter o uso da perícia. Em razão disso, a juíza tomou nova decisão no fim da tarde de quinta-feira. A magistrada afirma no despacho mais recente que irá aguardar até o início da tarde desta segunda-feira (7) e que, caso o pedido do MP seja atendido pelo Tribunal de Justiça para apresentação da reprodução simulada, ela irá "transferir o plenário", ou seja, adiar a data do júri, e determinar que a reprodução de fatos seja feita pelo IGP.
Na decisão, a juíza afirma entender que utilizar em plenário essa perícia apresentada somente por uma das partes, sendo que havia interesse da defesa na realização, "fere o equilíbrio do processo e burla a decisão judicial que indeferiu a perícia". "Ressalto que não se trata de qualquer insurgência quanto ao direito da parte em pleitear o que entende de direito, mas, sim, de garantir o equilíbrio processual e que a prova, agora — seis anos depois — tão desejada pelas partes, se for produzida, que o seja nos termos e na forma legal", conclui.
Diferentes versões
O julgamento está previsto para ocorrer seis anos depois da morte de Débora, após se encerrarem todos os recursos por parte da defesa do réu. O empresário chegou a ser preso logo após o crime, mas foi colocado em liberdade na manhã seguinte. Em julho de 2018, ele voltou a ser preso, enquanto estava internado em uma clínica de reabilitação no município de Palmitos, no oeste de Santa Catarina.
Em outubro de 2019, ele foi solto novamente pela Justiça, e assim permanece até então. Além do companheiro da vítima, também foi denunciado outro acusado, na época apontado como responsável por emprestar a arma do crime. Mais tarde, esse segundo réu – que negava ter emprestado a arma – conseguiu reverter no Tribunal de Justiça a decisão de enviá-lo a júri.
A defesa de Bueno alega que o empresário teria pego a arma emprestada por ter sofrido alguns dias antes um furto numa área que mantinha na Região das Ilhas. Na época, o empresário alegou que estava limpando a arma e que retirou o carregador da pistola calibre 380 próximo da vítima e pressionou a arma, sem saber que ainda havia uma bala na câmara. Com isso, o tiro atingiu a mulher e a matou.
A acusação discorda da versão apresentada pelo empresário de que disparou a arma de forma acidental, e argumenta que o crime foi num contexto de violência doméstica. Segundo a família de Débora, a jovem vivia uma relação conturbada e já havia apresentado sinais de agressões físicas. Uma semana antes da morte, ela esteve na casa da mãe e, de acordo com familiares, estava com um olho roxo.
Testemunhas
Nesta semana, a Justiça aceitou o pedido da acusação para a substituição de algumas testemunhas que devem ser ouvidas durante o julgamento — uma delas por problemas de saúde — e permitiu que uma seja ouvida de forma virtual, já que reside em Santa Catarina.
Uma das testemunhas que será ouvida é a delegada Roberta Bertoldo, que investigou o caso na época. A banca que representa o réu foi contrária à substituição das testemunhas, por entender que isso pode comprometer a defesa, mas teve o pedido negado pelo Judiciário.
O que diz o Ministério Público
O Ministério Público enviou nota sobre o caso. Confira:
"O Ministério Público havia pedido uma reprodução simulada para o Centro de Apoio ao Júri da instituição. Baseado em laudos periciais e com uso de inteligência artificial, a reprodução do caso – mostrando a dinâmica dos fatos - foi realizada e inserida ao processo. No entanto, a defesa do réu solicitou a retirada e a Justiça autorizou. O MP recorreu e aguarda decisão do Tribunal de Justiça".
O que diz a defesa
Os advogados Rodrigo Grecellé Vares e Ezequiel Vetoretti, que representam Marcelo de Oliveira Bueno no processo, enviaram nota sobre o caso. Confira:
"A defesa está preparada para o júri e confiante no acolhimento da tese pessoal do réu. Estamos, apenas, aguardando o Tribunal de Justiça decidir uma ação proposta pelo Ministério Público contra a decisão da Juíza que determinou a retirada de uma prova acusatória".
Quem era a vítima
Débora Cassiane Martins Duarte cresceu em uma casa no bairro Harmonia, em Canoas, na Região Metropolitana, no início dos anos 2000. Enquanto a mãe trabalhava, a menina era cuidada pelas tias e pela avó. Com o tempo, passou a chamar uma tia de "irmã" e a outra de "mãe". Adotou também o sobrenome delas. Tornou-se, por opção e afeto, Débora Forcolén.
Quando engravidou de um namorado, aos 16 anos, a jovem deixou a casa da avó para viver com o pai do filho, em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos. Em agosto de 2016, tornou-se mãe de um menino. No mês seguinte, completou 17 anos.
Débora conheceu o empresário por um aplicativo de relacionamentos. Poucas semanas depois, Débora se mudou para a casa de Bueno, no bairro Farrapos, na zona norte de Porto Alegre. Algum tempo após, passou a trabalhar como balconista na farmácia da qual ele era sócio.
O filho de Débora continuou morando com a avó e o pai, em Novo Hamburgo. A jovem costumava buscá-lo em fins de semana e feriados. Ela sonhava ainda em conseguir um dia alcançar a carreira de modelo e de atriz. Arriscava-se em concursos de beleza. Em fevereiro de 2018, chegou a concorrer ao Miss Canoas.
Como será o júri
- Inicialmente, serão sorteados os nomes dos sete jurados que vão integrar o Conselho de Sentença.
- Na sequência, serão ouvidas as testemunhas: são cinco pela acusação. A defesa não indicou nenhuma testemunha para ser ouvida.
- Após, será interrogado o réu, que pode optar por permanecer em silêncio.
- Encerrada a etapa dos depoimentos, acusação e defesa dão início aos debates. Cada parte terá uma hora e meia para apresentar os argumentos.
- Logo depois, caso o Ministério Público decida ir para a réplica, terá mais uma hora disponível. Da mesma forma, a defesa terá uma hora para apresentar os últimos argumentos.
- Depois disso, os jurados, numa sala secreta, votam os quesitos sobre o caso. São eles que definem se o réu é culpado ou não pelo crime.
- Por fim, cabe à magistrada produzir a sentença. Em caso de condenação, é ela quem faz a dosimetria (definição e cálculo) da pena a ser aplicada.