Aos 18 anos, Débora Forcolén foi morta com um disparo de arma de fogo no rosto, dentro da casa onde vivia com o companheiro na zona norte de Porto Alegre, na tarde de 31 de maio de 2018. Marcelo de Oliveira Bueno, atualmente com 43 anos, admitiu ter atirado na jovem, mas alegou que o disparo aconteceu de forma acidental – ele é acusado pelo Ministério Público de ter matado a vítima por não aceitar o fim do relacionamento. A Justiça definiu que ele deve ser submetido ao júri em 8 de outubro deste ano, às 9h30min.
Ao longo dos últimos anos, a defesa de Bueno recorreu até o Supremo Tribunal Federal, na tentativa de evitar que ele fosse a júri. No entanto, com o fim dos recursos a juíza Cristiane Busatto Zardo, da 4ª Vara do Júri de Porto Alegre, definiu uma data para o julgamento.
Bueno chegou a ser detido no dia do crime, mas foi colocado em liberdade na manhã seguinte. Em julho de 2018, ele voltou a ser preso, enquanto estava internado em uma clínica de reabilitação no município de Palmitos, no oeste catarinense. O Ministério Público denunciou o empresário pelo feminicídio. Em outubro de 2019, ele foi solto novamente pela Justiça.
Além do companheiro da vítima, também foi denunciado outro acusado, na época apontado como responsável por emprestar a arma do crime. Mais tarde, esse segundo réu – que negava ter emprestado a arma – conseguiu reverter no Tribunal de Justiça a decisão de enviá-lo a júri. A acusação discorda da versão apresentada pelo empresário.
— Trata-se de crime gravíssimo, com o modo de execução clássico, tiro no rosto, e tese também clássica do disparo acidental por estar limpando a arma. Após duas lamentáveis solturas do acusado, finalmente o Tribunal do Povo vai fazer justiça para essa menina e seus familiares — afirma o promotor Eugênio Amorim, responsável pela acusação.
Familiares relatam agressões
Durante o júri devem ser ouvidas cinco testemunhas de acusação – não há nenhuma por parte da defesa. Entre as pessoas a serem ouvidas, estão familiares de Débora, que discordam da versão apresentada por Bueno, de disparo acidental. Segundo a família, a jovem vivia uma relação conturbada e já havia apresentado sinais de agressões físicas. Uma semana antes da morte, ela esteve na casa da mãe e, segundo familiares, estava com um olho roxo. Débora teria dito ao pai que havido batido em um armário.
— Ela não podia desgrudar daquele telefone dela. Ele tinha muito ciúme. Ele ameaçava matá-la. Ela não acreditava. Nunca imaginei que pudesse chegar ao extremo. Talvez não tivesse força para sair de lá sozinha — relatou a mãe de Débora, Maria de Fátima Martins Duarte, em entrevista a Zero Hora, em junho de 2018.
A última vez que Maria de Fátima falou com a filha foi às 10h do mesmo dia do crime. A mãe queria saber se a filha iria visitá-la. A jovem prometeu ir no dia seguinte. Seis horas depois, foi atingida por um disparo no rosto dentro da casa onde vivia com Bueno.
Defesa deve apresentar vídeo de minutos antes do crime
Uma das provas que deve ser apresentada pela defesa de Bueno é um vídeo que mostra o casal subindo as escadas que levavam da farmácia onde trabalhavam juntos até a residência. A alegação dos advogados é de que não há nenhum indicativo de briga entre os dois.
— Eles sobem juntos, cerca de 15 a 20 minutos antes do fato. Em nenhum momento, mostra qualquer tipo de discussão, inconformidade. E depois a gente vê os filhos dele descendo a escadaria, pedindo ajuda. Tudo corrobora que efetivamente foi uma tragédia, um disparo acidental, de um rapaz que não sabia manusear uma arma. E esse foi o grande erro dele: pegar uma arma. O que vamos apresentar no júri é essa linha, que ele prestou desde o início do fato, de que ele não tinha intenção, não tinha motivo, que foi um disparo acidental. A gente espera que o júri possa fazer uma análise criteriosa do processo — afirma o advogado Rodrigo Grecellé Vares.
Sobre a pistola, a defesa alega que o empresário teria pego a arma emprestada por ter sofrido alguns dias antes um furto numa área que mantinha na região das Ilhas. Na época, Bueno alegou que estava limpando a arma, e que retirou o carregador da pistola calibre 380 próximo da vítima e pressionou a arma, sem saber que ainda havia uma bala na câmara. Com isso, o tiro atingiu a mulher e a matou.
— Ele pegou essa arma para ir até o local, para se precaver da eventual presença de invasores. Essa arma não era dele. Foi o erro dele. Não tinha motivo. Foi um disparo acidental, infelizmente. Quem presenciou foram os dois filhos dele, pequenos. São únicos testemunhos que temos, o resto é especulação, e insatisfação dos familiares da menina que morreu, o que é compreensível. A gente compreende a dor. Mas são pessoas que não viram, não participavam do dia a dia do casal — diz o criminalista.
Quem era a vítima
Débora Cassiane Martins Duarte cresceu em uma casa no bairro Harmonia, em Canoas, na Região Metropolitana, no início dos anos 2000. Enquanto a mãe trabalhava, a menina era cuidada pelas tias e pela avó. Com o tempo, passou a chamar uma tia de "irmã" e a outra de "mãe". Adotou também o sobrenome delas. Tornou-se, por opção e afeto, Débora Forcolén.
Quando engravidou de um namorado, aos 16 anos, a jovem deixou a casa da avó para viver com o pai do filho, em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos. Em agosto de 2016, tornou-se mãe de um menino. No mês seguinte, completou 17 anos.
Débora conheceu o empresário por um aplicativo de relacionamentos. Poucas semanas depois, Débora se mudou para a casa de Bueno, no bairro Farrapos, na zona norte de Porto Alegre. Algum tempo após, passou a trabalhar como balconista na farmácia da qual ele era sócio.
O filho de Débora continuou morando com a avó e o pai, em Novo Hamburgo. A jovem costumava buscá-lo em fins de semana e feriados. A jovem sonhava em ainda conseguir um dia alcançar a carreira de modelo e de atriz. Arriscava-se em concursos de beleza. Em fevereiro de 2018, chegou a concorrer ao Miss Canoas.
O caso na Justiça
Após investigação, a Polícia Civil indiciou Bueno por homicídio com dolo eventual e não configurou o crime como um feminicídio. O Ministério Público contrariou o entendimento e disse que o empresário teve intenção de matar e que o fez no contexto de violência doméstica. Bueno passou a responder pelo feminicídio.
Durante a fase da instrução do processo, foram ouvidas 23 testemunhas – 13 de acusação e 10 de defesa. Os réus também foram interrogados.
Em 16 de outubro de 2019, foi concedida liberdade provisória a Bueno, sendo aplicadas medidas cautelares, como apresentação mensal em juízo para informar e justificar suas atividades, manter endereço atualizado, proibição de se ausentar de Porto Alegre por prazo superior a cinco dias e obrigação de permanecer em casa à noite.
O Ministério Público recorreu da decisão que revogou a prisão preventiva. A Terceira Câmara do Tribunal de Justiça negou o recurso, mantendo a revogação da prisão.
Em outubro de 2021, a Justiça decidiu que Bueno e o outro réu deveriam ir a júri. Ambos recorreram dessa decisão e o caso foi encaminhado ao Tribunal de Justiça.
Em 27 de julho de 2022, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça decidiu, por maioria, manter a decisão de levar Bueno a julgamento e atender ao recurso do outro réu – acusado de ter emprestado a arma a Bueno. Em razão disso, somente Bueno será julgado pelo Tribunal do Júri.
Desta decisão, a defesa de Marcelo interpôs embargos infringentes (recurso cabível quando não for unânime o julgamento). Em 14 de abril de 2023, o 1º Grupo Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul decidiu, por unanimidade, não acolher o recurso.
A defesa do réu ingressou então com recursos especial e extraordinário, que foram negados em 26 de junho de 2023.
A defesa interpôs ainda um último recurso no Supremo Tribunal Federal (agravo de instrumento), que teve o seguimento negado em 27 de outubro de 2023.
Em fevereiro deste ano, com o fim dos recursos, a juíza Cristiane Busatto Zardo, da 4ª Vara do Júri de Porto Alegre, definiu a data do julgamento.
Prevenção ao feminicídio
- Se estiver sofrendo violência psicológica, moral ou mesmo física, busque ajuda imediatamente. Não espere a violência evoluir. Converse com familiares, procure unidades de saúde, centros de referência da mulher ou a polícia. É possível acessar a Delegacia Online da Mulher
- Caso saiba que alguma mulher está sofrendo violência doméstica, avise a polícia. No caso da lesão corporal, independe da vontade da vítima registrar contra o agressor, dado a gravidade desse tipo de crime
- Se estiver em risco, procure um local seguro. Em Porto Alegre, por exemplo, há três casas aptas a receberem mulheres vítimas de violência doméstica
- Siga todas as orientações repassadas pela polícia ou pelo órgão onde buscar ajuda (Ministério Público, Defensoria Pública, Judiciário)
- No caso da lesão corporal, o exame pericial para comprovar as agressões é essencial para dar seguimento ao processo criminal contra o agressor. Procure realizar o procedimento o mais rápido possível
- Caso passe por atendimento em alguma unidade de saúde, é possível solicitar um atestado médico que descreva as lesões provocadas
- Reúna todas as provas que tiver contra o agressor, como prints de conversas no telefone. No caso das mensagens, é importante que apareça a data do recebimento
- Se tiver medida protetiva, mantenha consigo os contatos principais para pedir ajuda. A Brigada Militar mantém em pelo menos 114 municípios unidades da Patrulha Maria da Penha que fiscalizam o cumprimento da medida
- Se tiver medida protetiva e o agressor descumprir, comunique a polícia. É possível acionar a Brigada Militar, pelo 190, ou mesmo registrar o descumprimento por meio da Delegacia Online. Descumprimento de medida pode levar o agressor à prisão
Fonte: Polícia Civil e Poder Judiciário do RS
Onde pedir ajuda
Brigada Militar
- Telefone — 190
- Horário — 24 horas
- Serviço — atende emergências envolvendo violência doméstica em todos os municípios. Para as vítimas que já possuem medida protetiva, há a Patrulha Maria da Penha da BM, que fiscaliza o cumprimento. Patrulheiros fazem visitas periódicas à mulher e mantêm contato por telefone
Polícia Civil
- Endereço — Delegacia da Mulher de Porto Alegre (Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia), bairro Azenha. As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há 23 DPs especializadas no Estado
- Telefone — (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências)
- Horário — 24 horas
- Serviço — registra ocorrências envolvendo violência contra mulheres, investiga os casos, pode solicitar a prisão do agressor, solicita medida protetiva para a vítima e encaminha para a rede de atendimento (abrigamentos, centros de referência, perícias, Defensoria Pública, entre outros serviços)