— Vou deixar ela vir.
Foi o que Maria de Fátima Martins Duarte disse ao marido quando percebeu que não haveria tempo de chegar ao Hospital Fêmina, em Porto Alegre. Naquela madrugada de 10 de setembro de 1999, o bebê nasceu ali mesmo, dentro do carro. A mãe aninhou nos braços sua pequena de cabelos escuros e olhos verdes. Era uma menina de 49,5 centímetros e 3,490 quilos. Tudo como havia sonhado. A madrugada permanece viva na memória. Mas agora as lembranças se unem à dor de quem sabe que a filha nunca mais virá. Há uma semana, Débora Cassiane Martins Duarte foi morta, aos 18 anos, na zona norte da Capital. O companheiro alega disparo acidental.
— Ele não tinha o direito de tirar a vida dela. Ela queria viver. Queria ser feliz. Foi criada com muito amor e carinho. A gente perdeu a razão de viver — diz a mãe.
Bem antes da confirmação da gravidez, Maria de Fátima já sabia que daria à filha o nome de Débora. Ela e o marido, Eliseu Duarte, sonhavam em ter uma menina. Na segunda gravidez, uma ecografia confirmou o que esperavam. Em trabalho de parto, no trajeto para o hospital, a mãe soube que não poderia aguentar mais.
— Ela veio. Segurei no colo. Era nosso sonho. Nossa bonequinha — lembra Maria de Fátima.
Quando chegou ao hospital, todos queriam ver a menina que havia nascido no carro. O casal exibia o bebê com orgulho. Débora foi criada em Canoas. Enquanto os pais trabalhavam, era cuidada pela avó e pelas tias. Acabou adotando o sobrenome delas. Passou a apresentar-se como Débora Forcolén.
— Era muito vaidosa. Sempre foi muito cuidadosa, muito organizada — diz a mãe.
Maria de Fátima lembra com orgulho do cuidado que a filha tinha com o material escolar e de nunca ter perdido um ano na escola. Débora só interrompeu os estudos após engravidar, aos 16 anos. A jovem permaneceu morando com os pais até o nascimento do filho. Depois, foi morar com o pai do bebê.
Ele não tinha o direito de tirar a vida dela. Ela queria viver. Queria ser feliz.
MARIA DE FÁTIMA DUARTE
Mãe de Débora
— Foi muito cedo. Mas hoje a gente sabe que foi o pedacinho dela que ficou.
Alguns meses depois de o filho nascer, Débora conheceu Marcelo de Oliveira Bueno, 37 anos. Os dois passaram a morar juntos em uma casa na zona norte de Porto Alegre. Ela começou a trabalhar na farmácia dele. A família diz que a relação era conturbada. Uma semana antes da morte, Débora esteve na casa da mãe. Estava com um olho roxo. A jovem disse ao pai que tinha batido em um armário. A mãe diz que chegou a aconselhar Débora sobre os excessos do empresário sobre a vida dela.
— Ela não podia desgrudar daquele telefone dela. Ele tinha muito ciúme. Ele ameaçava matá-la. Ela não acreditava. Nunca imaginei que pudesse chegar ao extremo. Talvez não tivesse força para sair de lá sozinha.
O empresário chegou a ser preso por homicídio culposo (quando não há intenção de matar), mas teve a liberdade concedida menos de um dia depois. O caso segue sendo investigado pela 2ª DHPP da Capital.
Os sonhos da jovem
Débora havia retomado o Ensino Médio, pretendia concluir os estudos e se tornar comissária de bordo. Também sonhava com a vida de modelo. Em fevereiro, concorreu ao Miss Canoas.
— Foi a semana mais feliz da vida dela — recorda a mãe.
A última vez que Maria de Fátima falou com a filha foi às 10h de quinta-feira (31), mesmo dia do crime. A mãe queria saber se a filha iria visitá-la. A jovem prometeu ir no dia seguinte.
— Vou sim — disse Débora.
Seis horas depois, foi atingida por um disparo no rosto dentro da casa onde vivia com Bueno. O empresário alega que estava limpando a pistola e que o disparo foi acidental. A família de Débora não acredita na versão.
— A gente só quer Justiça. Ela nunca mais vai voltar. Fica a dor, a saudade de nunca mais ter ela perto da gente. O bebê nem sonha que não tem mais a mãe. É muito difícil saber que nunca mais o telefone vai tocar e ela vai dizer "mãe, tô indo pra aí". Nunca mais.
Contraponto
Segundo o advogado Flávio José Cenatti, o empresário descreveu o relacionamento com a vítima como "muito bom". Ele alega que não houve premeditação.
— Não houve dolo e nem intenção. O relacionamento era muito bom entre os dois e ocorreu uma fatalidade — afirmou.