Após um ano de investigações, que levaram a quebra de sigilos telefônicos, de redes sociais, de cumprimento de 15 mandados judiciais e depoimentos de 26 testemunhas, a Polícia Civil de Cachoeirinha indiciou três pessoas pela morte de Nicolle Brito Castilho da Silva, desaparecida aos 20 anos, na noite de 2 de junho de 2017. Os três indiciados são uma jovem, o mandante do crime e um homem suspeito de ocultar o cadáver de Nicolle, que teria sido torturada e assassinada por ter supostamente provocado discórdia entre quadrilhas rivais. O delegado Leonel Baldasso irá pedir a prisão preventiva dos dois homens — os nomes dos três indiciados não foram divulgados pela Polícia Civil.
Em quase mil páginas de inquérito, escutas telefônicas obtidas com autorização da Justiça levaram a polícia a atar os nós de um crime sem corpo, mostrando a ação de facções criminosas com pessoas que entregam seus integrantes para rivais.
— Apreendemos celulares em presídios, interrogamos pessoas, colhemos informações vindas de forma anônima e fomos eliminando suspeitos até chegar nos criminosos — revela Baldasso.
A suspeita da participação indireta de Nicolle na morte da amiga Paola dos Santos, 21 anos e de Ricardo Sobrinho, 26, executados em Gravataí, foi revelada em escutas obtidas com autorização judicial. É o caso de um áudio, no qual a indiciada revela preocupação com a possibilidade de a modelo revelar a um rival "fatos que não deveria".
— Bah, guria, tô apavorada com o que tu disse, que pode ser coisa da Nicolle. Fico apavorada, sabe... Porque imagina se essa guria trama alguma coisa contra mim — fala a ex-estagiária, então com 24 anos, que atuava no Fórum de outra cidade.
Os mesmos áudios mostraram a participação de um ex-presidiário, de 20 anos, próximo de Ricardo e namorado da ex-estagiária.
— Tentamos apreender o celular dele para verificação, mas em um dos aparelhos não havia nada comprometedor e o outro ele quebrou no momento em que foi descoberto — afirma Baldasso.
Outra série de escutas telefônicas com autorização judicial revela a participação de uma terceira pessoa no crime. Conforme o delegado, o homem, agora detido no Presídio Central por roubo de veículos, será indiciado por homicídio qualificado e ocultação de cadáver.
— Em uma conversa, ele fala que a Nicolle foi "picada", mas infelizmente não fala sobre a localização do corpo, que seria importante para a família — diz.
Suspeito confessou ter falado sobre a modelo
Em depoimento, o terceiro indiciado admitiu a conversa, mas negou qualquer participação no crime. Segundo Baldasso, a escuta telefônica interceptada pela polícia é elemento suficiente para comprovar a participação direta dele no crime.
Ela já era, ela foi cortada, foi botada dentro dos pneus e foi 'tacado' fogo. Depois foi 'tacada' dentro do Guaíba.
UM DOS INDICIADOS DISSE EM CONVERSA GRAVADA COM AUTORIZAÇÃO DA JUSTIÇA
De acordo com o delegado, a prisão preventiva da mulher não será solicitada, pois ela tem residência fixa e não tem antecedentes criminais. Já os dois homens têm passagens policiais por outros crimes, como tráfico de drogas, roubo, porte ilegal de arma de fogo, passando inclusive pelo sistema prisional.
A Polícia Civil deixa claro que acredita não ter identificado todos os participantes do crime. O delegado acredita que com a finalização da investigação e a prisão dos suspeitos novos nomes podem surgir durante o processo judicial.
Durante os 12 meses de investigações, houve tentativas de encontrar Nicolle por meio do sinal de celular, já desativado, das 210 páginas de conversas no Facebook e com uma tentativa frustrada de obtenção de conversas via WhatsApp, impossibilitadas devido à criptografia. O perfil da jovem no Facebook foi excluído a pedido da Polícia Civil, após várias mensagens falsas e possível invasão de sua página.
Outras duas pessoas também foram indiciadas no inquérito que investigou a morte de Nicolle, mas não pelo homicídio. São duas pessoas identificadas por outros crimes associados aos três suspeitos de matar a jovem. Um homem foi indiciado por lavagem de dinheiro e organização criminosa da mesma facção do tráfico de drogas suspeita de executar Nicolle. Uma mulher foi indiciada por entregar aparelhos telefônicos para pessoas dentro do sistema prisional.
Outro homem que chega a ser citado no inquérito, Douglas Pauli da Silva, que seria responsável por um perfil fake que confessava o crime contra Nicole, foi morto a tiros no dia 1º de maio em Gravataí, na Região Metropolitana. A Polícia Civil havia chegado até ele na investigação cerca de um mês antes. Ele vinha sendo importante peça no inquérito policial. A motivação do crime é desconhecida.
Relembre o caso
- No dia 2 de junho de 2017, Nicolle Brito Castilho da Silva, então com 20 anos, desapareceu da própria casa, enquanto seu pai, Sidnei Castilho da Silva, com 47 anos buscava um lanche nas proximidades;
- Entre o fim de julho e início de agosto do mesmo ano, registros de atividades no Facebook da jovem levaram a polícia a crer que ela pudesse ainda estar viva;
- Em 23 de julho, o corpo carbonizado de uma mulher foi encontrado no bairro Cascata, em Porto Alegre. Exames de DNA mostraram incompatibilidade com o perfil genético do pai da jovem;
- Em agosto, a polícia não descartava a possibilidade do desaparecimento da modelo estar ligada a um caso de sequestro e estupro, descartado depois com as investigações;
- Durante o primeiro semestre de investigações, a delegacia analisou escutas telefônicas que colocavam um presidiário de 20 anos e a namorada dele de 24 no cenário do crime. A ex-estagiária de um fórum é demitida, após ser conduzida coercitivamente para prestar depoimento;
- Em 1º de maio de 2018, um homem investigado pela polícia no Caso Nicolle é executado em Gravataí.
- Em 1º de junho de 2018, a Polícia Civil finaliza a investigação do crime indiciando três pessoas pelo homicídio e outras duas por crimes relacionados.