O desfecho de um crime que encerrou de forma precoce a vida de uma jovem na zona norte de Porto Alegre ainda segue sem previsão para acontecer. Quase quatro anos após a morte da Débora Forcolén, 18 anos, com um tiro no rosto, o companheiro dela continua em liberdade e recorre na Justiça. Marcelo de Oliveira Bueno, 40, é acusado de ter cometido o crime por não aceitar o fim ao relacionamento. O assassinato aconteceu em 31 de maio de 2018, no apartamento onde o casal vivia no bairro Farrapos.
O empresário responde por homicídio qualificado e também porte ilegal de arma de fogo. Em outubro do ano passado, a juíza Cristiane Busatto Zardo decidiu que o Tribunal do Júri deve julgar se o réu. No entendimento da acusação, o homicídio foi cometido por motivo torpe, pelo fato de o empresário não aceitar a vontade de Débora de terminar a relação, com recurso que dificultou a defesa, pois o autor estava armado e atingiu a mulher dentro de casa, de surpresa, e também feminicídio. É dessas qualificadoras que a defesa de Bueno recorre no Tribunal de Justiça, para onde o processo foi encaminhado em janeiro deste ano.
– A defesa não está pedindo que ele não vá a júri. O que sustentamos é que na forma como o Ministério Público (MP) acusa o Marcelo (Bueno) pelas duas circunstâncias, por motivo torpe, por entender que ele tinha sentimento de posse e não aceitaria o término, isso seria a mesma coisa que uma circunstância de crime em razão do sexo, do gênero. Pedimos que seja excluído o motivo torpe e que ele seja julgado pela qualificadora mais específica, que é o feminicídio – afirma o advogado Rodrigo Grecellé Vares.
Outro pedido da defesa de Bueno é para que ele não responda pela qualificadora de recurso que dificultou a defesa da vítima. Desde 16 de fevereiro, esse recurso se encontra concluso para julgamento pelos desembargadores – como se trata de processo com réu solto, esse tipo de decisão costuma ser mais morosa. Somente após a finalização dos recursos, a Justiça poderá agendar a data do julgamento.
– Caso não seja deferido nosso pedido na integralidade do que estamos requerendo, podemos recorrer e, ainda que seja, o Ministério Público também deve recorrer. A probabilidade desse processo parar nos tribunais superiores é elevadíssima. Não vislumbro um júri para daqui a menos de três ou quatro anos – avalia o criminalista.
Bueno chegou a ser preso, mas teve liberdade provisória concedida no dia seguinte ao crime. Posteriormente, em 12 de julho de 2018 foi decretada a prisão preventiva do empresário, e ele foi preso no Paraná. Em 16 de outubro de 2019, a Justiça concedeu liberdade provisória ao réu e o MP recorreu da decisão. No entanto, o Tribunal de Justiça manteve a decisão de revogação da prisão e é nessa situação que se encontra no momento.
Quando Bueno foi solto em 2019, tinham sido determinadas medidas cautelares como apresentação mensal em juízo para informar e justificar suas atividades, manter endereço atualizado, proibição de se ausentar de Porto Alegre por prazo superior a cinco dias e obrigação de permanecer em casa no período noturno. No entanto, após a pronúncia, a Justiça acatou novo pedido da defesa, para revogar as medidas. A única que permaneceu é a de manter atualizado o endereço na Justiça.
Dolo
Um dos pontos centrais do julgamento, quando vier a ocorrer, deve ser justamente se o empresário teve ou não intenção de assassinar a jovem. Após o fato, durante a investigação, Bueno alegou ter tirado o carregador da arma e, como brincadeira, apontado para a vítima e ao colocar o dedo no gatilho teria acontecido o disparo, sem saber que ainda havia uma bala na câmara. Com isso, o tiro atingiu a mulher e a matou. É esta mesma versão que, segundo a defesa, o réu deve manter durante o júri, quando vir a acontecer.
Desde o início, houve divergência de entendimento sobre o caso. Inicialmente, a Polícia Civil indiciou Bueno por homicídio com dolo eventual — quando o autor assume o risco dos seus atos, mas não necessariamente tem o objetivo do resultado causado por ele. Mas quando o caso foi para o MP, o entendimento se deu de forma diversa. Para a acusação, houve homicídio doloso qualificado, motivado pelo fato de o réu não aceitar o desejo de Débora de terminar a relação.
Relatos de agressões
Familiares da vítima contestaram desde o início a versão de disparo acidental, relatando histórico de agressões e ameaças. Depoimentos ouvidos na Justiça reafirmaram a relação violenta. Um deles foi de uma vizinha do casal, que contou ter escutado uma discussão entre um homem e uma mulher vinda do apartamento, pouco antes dos estampidos dos tiros. A mulher disse ainda ter ouvido crianças chorando dentro do imóvel — Débora era mãe de um menino de um ano e nove meses na época. Uma segunda vizinha relatou ter ouvido uma briga anterior do casal, na qual Débora teria gritado que o companheiro iria matá-la.
Outra mulher disse que em uma ocasião chegou a ver Débora com braço e olho roxos, enquanto atendia na farmácia do companheiro. Familiares da vítima e uma ex-funcionária do estabelecimento também confirmaram que Débora era agredida e tinha medo que Bueno lhe matasse.
Uma das testemunhas contou que um dia antes do crime, Débora lhe telefonou desesperada, chorando, e dizendo que o companheiro a tinha estrangulado. A jovem teria dito que não aguentava mais viver com Bueno e as agressões sofridas, e, por isso, pretendia deixá-lo, mas que ele não aceitava a ideia de separação.
A arma
Além de Bueno há outro réu, acusado de ter emprestado a arma do crime, embora não responda pelo homicídio. Na mesma sentença de outubro, a juíza determinou que Rodrigo Mallet Maciel de Almeida, 39 anos, seja julgado pelo júri pelos delitos de posse ilegal de arma de fogo e receptação. Quando ouvido na Justiça, Almeida, que também responde em liberdade, disse nunca ter emprestado ou entregue qualquer arma para Bueno.
Durante a investigação, foi Bueno quem afirmou ter pego a arma no dia anterior ao crime com Almeida. Alegou que havia recebido ameaças de invasão em um terreno seu na Ilha da Pintada e, por isso, pediu a arma ao amigo. Ao ser interrogado em juízo, Bueno mudou de versão sobre a arma. Embora tenha optado em permanecer em silêncio sobre o assassinato, decidiu falar somente sobre a pistola e negou ter pego a arma de Almeida.
O advogado Cid Ricardo Vargas Cezimbra, que atua na defesa de Almeida, sustenta que a arma não foi emprestada pelo cliente.
— Nós também recorremos e estamos pedindo a absolvição do Rodrigo e que ele não vá a júri. Lá na fase policial, quando o Marcelo (Bueno) foi interpelado pela guarnição, perguntaram de quem era a arma, e ele disse que havia pego de um amigo, e indicou o Rodrigo. Mas o Marcelo mesmo já negou isso em juízo. Estamos negando a autoria veementemente. Essa arma nunca pertenceu ao Rodrigo — diz o advogado.