Em entrevista a Zero Hora e à Rádio Gaúcha nesta quarta-feira (14), representantes do Conselho Tutelar de Guaíba falaram sobre o caso da menina Kerollyn Souza Ferreira, nove anos. O corpo da garota foi encontrado dentro de um contêiner de lixo, na última sexta-feira (9). A mãe, Carla Carolina Abreu Souza, 29 anos, foi presa de forma temporária no fim de semana, por suspeita de homicídio.
Desde que o caso foi descoberto, com a localização do corpo da criança, uma série de relatos de pessoas próximas da menina foi recebida pela Polícia Civil, que investiga a morte. Moradores do bairro Cohab Santa Rita, onde Kerollyn vivia com a mãe e os irmãos, afirmam que a menina passava fome, costumava andar sozinha pela rua e chegava a dormir num carro abandonado. Vizinhos dizem ter acionado o Conselho Tutelar inúmeras vezes nesse período e que as denúncias não teriam sido verificadas.
Uma das conselheiras responsáveis pelo atendimento à família de Kerollyn, Andréa Rodrigues confirmou nesta quarta-feira que o órgão recebeu denúncias envolvendo a menina. No entanto, segundo a conselheira, os relatos eram de que a criança costumava perambular pela rua e que costumava pedir coisas nas casas de vizinhos.
— As denúncias chegavam para nós de que as crianças estariam na rua. No momento em que nós chegávamos no bairro, nos dirigíamos para ver essas crianças, elas já estavam ou em casa ou na escola. Todas as vezes que fomos acionados ocorreu esse fator: ou estavam na escola ou estavam em casa — afirma.
Em razão disso, segundo o Conselho Tutelar, essas novas informações repassadas pelos vizinhos não chegaram a ser comunicadas ao Ministério Público. No início do ano passado, um expediente havia sido remetido ao MP com situações envolvendo a menina e medidas adotadas até então.
Coordenadora do Conselho Tutelar de Guaíba, Andréa Garcia, também afirma que em nenhum momento foi recebida qualquer denúncia informando que a menina seria agredida pela mãe. Vizinhos relataram à polícia que dias antes de ser achada morta a garota foi atingida por uma escumadeira na cabeça, e precisou receber pontos.
— Essas denúncias da comunidade, de que a criança dormia no carro, o Conselho Tutelar não tinha, não sabia. E não tinha denúncias de maus-tratos dessa criança. A gente não sabia que ela dormia no carro. É importante falar isso. A gente não sabia. A comunidade está falando agora — diz.
Em relação aos relatos de que Kerollyn passava fome e costumava pedir comida aos vizinhos, o Conselho Tutelar afirmou que esteve na residência da família para verificar essa situação.
— Tinha denúncias também que ela estaria pedindo coisas nas casas. Nós verificamos a residência todas as vezes que foi falado isso, para ver se tinha alimentação, para ver se as crianças estavam sendo alimentadas — afirma Rodrigues.
“A rede falhou”
Sobre os atendimentos prestados, o Ministério Público pediu ao Conselho Tutelar um relatório completo do caso, com as medidas tomadas, e uma cópia integral do expediente do processo administrativo que acompanhou o núcleo familiar de Kerollyn junto à rede de proteção. Após a repercussão do caso, segundo as conselheiras, o trabalho têm sido prejudicado. Em média, são realizados 20 atendimentos por dia no Conselho Tutelar de Guaíba.
— A gente trabalha sempre na proteção e hoje nosso equipamento está sendo visado. Estamos sofrendo ameaças, nós, nossos familiares. Não conseguimos trabalhar. A gente não consegue nem usar o uniforme, tem que levar o crachá para poder se identificar. A gente está sofrendo ofensas fortes. Além do sofrimento do luto, porque a gente trabalha na proteção da criança e do adolescente, a gente está sofrendo ainda toda essa situação da comunidade, que não tem as informações que estão lá nesse expediente que foi para o MP — afirma Rodrigues.
Questionada sobre possíveis falhas no atendimento à menina, a coordenadora do Conselho Tutelar admite que a rede como um todo falhou.
— A gente fica se questionando. Eu mesma fico me questionado. “Se”. Se a gente soubesse desses relatos da escola antes. Se a gente soubesse outras coisas. Se. É aquele “se”. Mas todos esses “se” não vão trazer a vida dela de volta. No geral, a rede falhou. É um grande erro da rede. Não adianta a gente dizer que não teve erro. Tanto é que teve o óbito dessa menina — diz Garcia.
A morte
A Polícia Civil investiga as circunstâncias da morte da criança. Uma das possibilidades apuradas é a de que a mãe tenha administrado sedativo a Kerollyn e que isso tenha causado o óbito dela. A confirmação da causa da morte depende do laudo de necropsia, realizado pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP).
Em depoimento à polícia, Carla admitiu ter medicado a filha com meio comprimido de clonazepam na noite anterior à localização do corpo dela dentro do contêiner. A mãe afirmou ainda que quando acordou pela manhã percebeu que a garota não estava em casa, mas que ela voltou a dormir, sendo acordada posteriormente pelos policiais batendo em sua porta.
Contraponto
A Defensoria Pública do Estado informou que representou a mãe durante a audiência de custódia. Cabe à investigada definir se seguirá sendo representada pela instituição. Caso siga na defesa, a Defensoria Pública só se manifestará nos autos do processo.