Em maio, durante a tragédia climática que atingiu o Rio Grande do Sul, mil antenas de internet via satélite chegaram ao Estado para auxiliar a reestabelecer a comunicação da Defesa Civil, das forças de segurança e de outros serviços básicos. Em paralelo a isso, estelionatários se aproveitaram para criar uma narrativa de um novo golpe. Os criminosos passaram a disseminar anúncios falsos de entrega de dispositivos para conexão, sob o pretexto de que os equipamentos estariam sendo doados pela empresa norte-americana Starlink, do grupo SpaceX de Elon Musk, tendo em vista a calamidade. Os golpistas, no entanto, cobravam pelo frete para fazer a entrega, que nunca acontecia. Suspeitos de integrarem esse esquema são alvo nesta quarta-feira (3) de operação da Polícia Civil gaúcha.
São cumpridos nesta manhã três mandados de prisão preventiva e quatro de busca e apreensão em São Paulo e Minas Gerais. Os alvos são três homens, apontados como donos de empresas que seriam de fachada. Segundo a polícia, eles são suspeitos de fazer parte do esquema que tinha como intuito lucrar com a calamidade. Em São Bernardo do Campo, no interior paulista, a polícia prendeu um investigado de 22 anos. Em Minas Gerais, foram presos dois suspeitos na cidade de Lagoa da Prata – um de 24 e outro de 20 anos. Também foram cumpridos mandados de busca e apreensão em Diamantina. As ações contaram com o apoio de policiais de Minas Gerais e São Paulo.
— Esse golpe surgiu logo em seguida, quando veio a notícia da doação das antenas, das Starlinks aqui para o Rio Grande do Sul, para utilização pelas forças de segurança e pelas forças de salvamento. Inclusive, o próprio Deic recebeu doação de algumas por meio do Instituto Cultural Floresta. E eles se utilizaram disso para divulgar essa suposta campanha de doação de antenas Starlink, sendo necessário somente o custeio do frete — explica o delegado João Vitor Heredia, do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).
Para tornar o golpe ainda mais atrativo e atingir o maior número de vítimas possível, os criminosos anunciavam fretes na faixa dos R$ 40. A polícia ainda apura qual o montante foi obtido por meio da série de trapaças. Os três investigados, segundo a polícia, são proprietários de empresas de marketing digital. Mas a suspeita é de que eles usassem isso somente como fachada para a aplicação dos estelionatos.
— Tudo leva a crer que são empresas constituídas única e exclusivamente para a prática de ilícitos. Os três não têm nenhum tipo de antecedentes, trabalhariam, em tese, com essas empresas. São indivíduos acostumados a trabalhar com internet, a estar sempre na internet. Tem conhecimento de tecnologia, então, nesse caso, possivelmente se utilizam desse conhecimento para a prática criminal — explica o delegado.
Assim que a fraude foi identificada, ainda durante a enchente, a polícia buscou imediatamente a retirada do ar de todas as páginas falsas criadas na internet, além do bloqueio das contas vinculadas aos suspeitos. A partir de então, a investigação seguiu na tentativa de identificar as pessoas que faziam parte do esquema.
Como funcionava o golpe
Os estelionatários, segundo a polícia, criaram uma página na internet, simulando a da empresa americana. Nela, criminosos ofereciam antenas de acesso à internet via satélite de forma gratuita, pelas quais seria necessário apenas o custeio do frete. Após o preenchimento de dados pessoais, os usuários eram redirecionados para uma nova página falsa, na qual era divulgado um QR Code que permitiria o pagamento do suposto frete via Pix.
O valor transferido pela vítima era redirecionado para um gateway de pagamentos (tecnologia de pagamento digital, conectando quem paga e a instituição financeira), que repassava o valor para o local indicado pelos golpistas. No caso, os valores eram destinados para empresas de vendas e marketing digital operadas pelos investigados. Assim, o valor era captado pelos golpistas com aparência de licitude, uma vez que simulava a “venda” de um produto ou serviço proveniente de suas empresas.
O golpe é semelhante a outros que foram detectados pela polícia durante as inundações e que já foram alvo de etapas anteriores da Dilúvio Moral.
— Diferente dos outros que eram campanhas de arrecadação falsa, nesse caso, a única coisa que muda é a história por trás do golpe, como o dinheiro vai chegar no gateway de pagamento. A pessoa faz esse pagamento achando que está pagando o frete da antena, o valor entra no gateway e esse valor chega até as empresas de fachada — detalha o delegado João Vitor.
Força-Tarefa Cyber
A ação desta quarta-feira integra as ofensivas realizadas dentro da Força-Tarefa Cyber, criada para combater os golpes e fake news envolvendo a tragédia climática no Rio Grande do Sul. Nas etapas anteriores, foram alvo suspeitos de aplicar outros tipos de trapaças. Numa delas, os golpistas criaram páginas falsas, simulando campanhas de doações para o Estado. Até o momento, segundo a polícia, a Força-Tarefa Cyber resultou em 10 prisões preventivas.
As etapas
Santo André - São Paulo
No dia 15 de maio, a Polícia Civil desencadeou a operação Dilúvio Moral, que teve como alvo um grupo suspeito de aplicar golpe do Pix falso, que simulava doações para as vítimas da enchente no Rio Grande do Sul. Três pessoas foram presas por suspeita de envolvimento no esquema. Segundo a polícia, foram criados perfis falsos nas redes sociais que imitavam publicações do governo do Estado, para angariar doações. Durante a ação, um homem e uma mulher foram presos na cidade de Santo André, em São Paulo.
Balneário Camboriú - Santa Catarina
Uma cobertura de alto padrão na beira-mar em Balneário Camboriú, Santa Catarina, com aluguel de R$ 30 mil, foi apontada pela polícia gaúcha como espécie de QG usado para aplicar golpes pela internet. Entre as trapaças, estava a que simulava campanhas de doações para o Rio Grande do Sul, para auxiliar as vítimas das inundações. O imóvel, onde residia um adolescente de 16 anos investigado pelo esquema, foi alvo de buscas do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) no mês de maio.
Fortaleza - Ceará
A 4,1 mil quilômetros de Porto Alegre, a Polícia Civil gaúcha prendeu no dia 13 de junho, em Fortaleza, no Ceará, um casal de atores suspeito de estar por trás de um esquema para desviar dinheiro doado para o resgate de animais durante a enchente no Rio Grande do Sul. Segundo a polícia, o casal teria criado chaves Pix falsas, semelhantes às de campanhas reais da causa animal. Dessa forma, eles contariam com o erro das pessoas, ao trocarem um dígito, no momento de fazer a transferência. A investigação identificou 234 chaves Pix que teriam sido criadas pelo casal. O destino dos valores eram contas que teriam sido abertas pelos investigados com uso de documentos falsos.
Goiânia - Goiás
Num desdobramento da ofensiva realizada em Balneário Camboriú, a policia prendeu em Goiânia, no Estado de Goiás, o suspeito de liderar o grupo que simulava campanhas de doações para o RS, para auxiliar as vítimas da enchente e desviava os valores para contas de golpistas. Nesta etapa, chamada de Dr. Money II – King of Money, um dos mandados foi cumprido no apartamento desse investigado de 20 anos. A polícia identificou que este homem possuía vínculos com os outros investigados na primeira fase da operação. Nas contas dele foram identificadas ao menos R$ 36 milhões em movimentações financeiras suspeitas.
Além do preso na capital goiana, também teve prisão decretada uma mulher de 46 anos, moradora de Luziânia, também no Estado de Goiás. Ela é mãe de um adolescente, que também é investigado como integrante do mesmo grupo. A polícia identificou ao menos R$ 3 milhões em movimentações suspeitas em nome dela. A polícia também cumpriu dois mandados de busca em São Paulo, em endereços ligados aos investigados.