No último dia 14 de junho, Juliana Lopes Macedo, 34 anos, comprou flores para levar ao Cemitério Jardim da Paz, onde está sepultado o corpo do filho. João Vitor Macedo deveria completar naquela data 16 anos. Há três meses, no entanto, o adolescente foi assassinado a tiros na zona leste de Porto Alegre. Um policial civil confessou ter atirado na direção dele e está sob investigação da Corregedoria da instituição. A expectativa era de que o caso fosse concluído no período de 60 a 90 dias, no entanto, a família ainda aguarda por um desfecho.
No dia 28 de março, João Vitor foi baleado no Beco dos Marianos, próximo da Avenida Bento Gonçalves, no bairro Agronomia. O adolescente foi socorrido por um pastor da comunidade, e levado para atendimento médico. No trajeto até o Hospital de Pronto Socorro, o próprio garoto disse, segundo familiares, que tinha sido baleado por um policial civil. Conforme a família, ele sofreu três paradas cardíacas e não resistiu.
No dia 12 de abril, a Corregedoria da Polícia Civil disse em coletiva que um agente havia confirmado ter atirado na direção de João Vitor. As circunstâncias em que se deram os disparos começaram a ser apuradas.
— Acho que foi o pior dia de toda a minha vida, indo levar flores para o meu filho. Podendo dar tanta coisa, um presente. E saber que ele está ali e não posso nem abraçá-lo. Não tem dia que eu não chore. Acordo e penso nele. Durante o dia, aperta o coração. De noite na hora de dormir, falo com ele: “Fica com Deus, te amo” — desabafa a mãe.
Juliana roga diariamente para sonhar com João Vitor, mas isso só aconteceu uma vez. A mãe acredita que ficou com algum bloqueio, devido ao trauma. Após a perda, lida também com o temor de que algo possa acontecer com os outros filhos – ela é mãe de duas adolescentes, de 15 e 19 anos, e de um garoto de três anos.
— A lei da vida é filho enterrar a gente. Não a gente enterrar filho. Agora tenho medo de tudo. Minha filha pede pra ir ver a vó, não tem como deixar. Bastaram 28 dias para eu perder meu filho, para essa desgraça acontecer — diz Juliana, sobre o fato de que João Vitor estava morando com a avó paterna havia cerca de um mês quando foi morto.
Em andamento
Juliana ouviu pela primeira vez que o disparo havia sido efetuado pela polícia ainda no hospital onde João Vitor recebia atendimento. Familiares contaram que o próprio adolescente havia repetido, no trajeto até a casa de saúde, que tinha sido baleado “pela Civil”. A mãe afirma que sua primeira reação foi duvidar dessa possibilidade, e acreditar que o filho deveria ter se confundido. Com o tempo, no entanto, teve acesso a imagens que mostram a viatura entrando no beco e saindo, e ao relato de outro adolescente, que estava com João Vitor no local e confirmou essa versão. A mãe aguarda pela conclusão do caso.
— Dia 28 fechou três meses e já estamos no dia 2. Preciso que me digam alguma coisa. As pessoas me perguntam “como ficou?”. E eu não tenho que dizer. Chega a ser desesperador. Antes parecia que estava andando, meu coração até estava mais calmo. Mas agora não tenho resposta nenhuma. Estou cada dia pior — diz a mãe.
Segundo o chefe da Polícia Civil, delegado Fernando Sodré, a investigação ainda aguarda pelo recebimento de perícias e de dados técnicos da investigação.
— Por isso, que ainda não tem condições de determinar quando vai encerrar. Mas está indo para a fase final. Mas depende ainda de questões técnicas importantes que a gente não tem como antecipar quando ficarão prontas — afirma.
Sobre o agente, a última informação divulgada pela Corregedoria era de que ele permanecia afastado das atividades operacionais, mas lotado em atividades administrativas. No momento, encontrava-se em licença para tratamento de saúde.
Relembre
- Protesto – No dia 2 de abril, a família fez uma manifestação. Com pedidos de justiça, parentes e amigos realizaram protesto e fecharam a Avenida Bento Gonçalves. Foi quando a morte de João Vitor se tornou pública. No mesmo dia, o chefe da Polícia Civil confirmou a existência de indícios que apontavam para a possível participação de policiais na morte.
- Falta de socorro – A mãe de João Vitor diz que o filho já havia cumprido medida socioeducativa e acredita que, em razão disso, ele tenha escapado correndo. Um dos pontos questionados pela família, que deve ser esclarecido pela investigação, é por qual motivo o policial não acionou o socorro após atirar na direção do adolescente. O garoto foi levado ao hospital por populares.
- Coletiva – No dia 12 daquele mês, a Corregedoria da Polícia Civil afirmou em coletiva que um agente havia confirmado ter atirado na direção do adolescente. Pelo que se apurou até o momento, o policial teria disparado três vezes. As circunstâncias em que se deram os disparos passaram a ser apuradas. A promessa foi de que a investigação seria concluída em até 90 dias.
- Imagens – Uma câmera de segurança registrou cenas de João Vitor e outro adolescente correndo na Avenida Bento Gonçalves, indo ao Beco dos Marianos, e de uma viatura seguindo na mesma direção, com o giroflex ligado. Algum tempo depois, o outro garoto retorna correndo e o veículo da Polícia Civil deixa o beco. Neste momento, João Vitor já teria sido baleado. O veículo do Departamento de Polícia Metropolitana foi identificado, assim como o policial que estava nele.