Quando desperta, Juliana Lopes Macedo, 34 anos, olha para o céu e fala com o filho João Vitor Macedo, 15 anos. Antes de dormir, a mãe repete o mesmo gesto, e despede-se dele. Há um mês, o adolescente foi morto com um disparo no peito na zona leste de Porto Alegre. O caso se tornou público após a família organizar protesto pedindo respostas. No último dia 12, em coletiva à imprensa, a Corregedoria da Polícia Civil confirmou que um policial admitiu ter efetuado disparos.
— Ainda parece que é mentira, parece que ele vai voltar. A gente sabe que não porque não tem como. Alegaram agora que o policial está com problema psicológico. O que ele deixa para a gente? Pra mim, que sou a mãe? — indaga Juliana.
A mãe refere-se à informação divulgada pela Polícia Civil durante a mesma coletiva de imprensa de que o agente foi retirado do serviço da rua, e por vontade própria procurou atendimento psicológico e psiquiátrico. Conforme a Corregedoria, testemunhas foram ouvidas, imagens de câmeras analisadas e perícias solicitadas. Equipes estiveram no local para compreender o cenário em que se deu a morte.
A viatura do Departamento de Polícia Metropolitana envolvida no caso foi identificada, assim como o policial civil que teria confirmado os disparos. Um dos indícios analisados é um vídeo obtido por meio de câmeras de segurança de estabelecimento perto de onde João Vitor foi morto. Até o momento, as imagens das câmeras não chegaram a ser divulgadas pela investigação, mas a polícia confirmou a existência da gravação.
As imagens teriam registrado cenas de João Vitor e outro adolescente correndo na Avenida Bento Gonçalves, indo ao Beco dos Marianos, e de viatura seguindo na mesma direção, com o giroflex ligado. Algum tempo depois, o outro garoto retorna correndo e o veículo da Polícia Civil deixa o beco. Neste momento, João Vitor já teria sido baleado. Pelo que se apurou até o momento, o policial teria disparado três vezes.
— Meu filho gritou depois de ser baleado. E, mesmo que não tivesse gritado, o que se passa na cabeça de um policial atirar três vezes, e não ir conferir se ele matou, se ele feriu? Ele sabe que atirou. Nada vai justificar o ato de não ter prestado socorro, não ter noticiado o fato no momento que ele fez. Ele simplesmente, atirou, foi embora e seguiu trabalhando — critica a mãe.
O adolescente foi socorrido no carro de um pastor de uma igreja próxima. A mãe questiona o fato de o agente não ter acionado o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).
— Se ele tivesse ao menos socorrido, eu podia aceitar um pouco melhor. Mas ele não tentou. Para o meu filho, o tempo faria toda a diferença. Meu filho teve duas paradas cardíacas no trajeto até o hospital, no carro do pastor. Foi se debatendo. Chegou no hospital e teve outra parada cardíaca, e não resistiu. Cada dia, eu morro um pouco mais — lamenta.
Vítima disse que foi ferida pela polícia
Juliana ouviu pela primeira vez que o disparo havia sido efetuado pela polícia ainda no hospital onde João Vitor recebia atendimento. Familiares contaram que o próprio adolescente havia repetido, no trajeto até a casa de saúde, que tinha sido baleado “pela Civil”. A mãe afirma que sua primeira reação foi duvidar dessa possibilidade, e acreditar que o filho deveria ter se confundido.
Ao longo dos dias, no entanto, a mãe mudou o entendimento sobre o que teria acontecido com o filho. Ela ouviu o adolescente que garantiu estar na companhia de João Vitor quando ele foi baleado e também soube da existência de imagens de câmeras, que mostram a viatura ingressando no Beco dos Marianos.
O outro garoto contou que ele e João Vitor correram ao verem a viatura e entraram no beco, fugindo da polícia. A mãe diz que o filho já havia cumprido medida socioeducativa e acredita que, em razão disso, ele tenha escapado correndo. Depois disso, João Vitor teria sido baleado no peito, enquanto o outro conseguiu escapar.
— Está completando um mês, e eu não tenho respostas. Tudo é muito vago. Espero justiça. Que quem fez isso vá preso. Nem que seja por um tempo, mas que seja punido. E ainda assim não vai nem sentir um terço do que eu senti. Ele não deixou nada pra mim, ele tirou a vida do meu filho. Não vou desistir. Se eu não estiver aqui para fazer por ele a justiça, ninguém vai fazer. É a única coisa que me dá forças — diz a mãe.
Corregedoria pede melhoria de imagens
Segundo o delegado Rodrigo Pohlmann Garcia, da Corregedoria da Polícia Civil, a investigação segue na tentativa de compreender todas as circunstâncias nas quais se deram o fato. Para isso, conforme o policial, foram ouvidas mais pessoas, e encaminhados pedidos de perícias. Estuda-se a solicitação de uma reprodução simulada dos fatos, popularmente conhecida como reconstituição.
Uma das perícias solicitadas é a de melhoria da imagem das câmeras de monitoramento que registraram a viatura circulando no local. Esse trabalho deve ser realizado pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP). Até o momento, a investigação aponta a presença de somente um policial no local.
Ainda de acordo com o delegado, foram requeridos inúmeros documentos para comprovar o que foi trazido nos registros, especialmente, o do policial envolvido. O agente segue afastado e foi encaminhado para tratamento de saúde.
— A investigação já possui uma descrição bastante confiável de como tudo ocorreu, digo confiável, pois existem muitos indícios que confirmam determinados atos desse processo que permitem dizer que aquilo ocorreu daquela forma ou muito próximo disso. É muito importante conseguir apontar a autoria de um crime, mas conseguir descrever o cenário fático em que isso tudo ocorreu tem uma relevância extraordinária no exame e na conclusão — afirma o delegado.
O prazo para conclusão do inquérito segue conforme o inicialmente estimado, entre 60 e 90 dias.