O Ministério da Igualdade Racial (MIR) considera que o caso do motoboy negro detido pela Brigada Militar após ter sido agredido com um canivete em Porto Alegre é um episódio "ilustrativo" do que é o racismo. Em entrevista ao g1 RS, o diretor de Políticas de Combate e Superação do Racismo do MIR, Yuri Silva, disse não ser necessário que exista uma ofensa racial para que o caso seja visto como um episódio de racismo.
— O motoboy era vítima, estava sendo agredido por um homem branco e, ao chamar a polícia, ele é preso e conduzido como se ele fosse o agressor. Não tem nada mais ilustrativo e representativo do que é o racismo do que um fato como esse. Ele não precisava ser chamado de 'macaco' para que aquilo se configure um crime de racismo — afirma.
A suposta diferença no tratamento aos envolvidos motivou protestos e críticas nas redes sociais. A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco afirmou, no domingo (18), que "as imagens causaram revolta, com razão, pelos indícios de racismo institucional".
Yuri Silva disse que a pasta acompanha as investigações do caso e que atua junto a outros ministérios para promover ações de letramento antirracista nas polícias. O diretor de Políticas de Combate e Superação do Racismo do MIR ainda aponta que o governo federal vai verificar a aplicação de medidas disciplinares aos PMs envolvidos na abordagem.
— Os policiais foram afastados, essa é a primeira resposta, mas não é suficiente. É preciso que as sanções disciplinares sejam levadas adiante, mas também que as ações de conscientização, formação e sensibilização, como eu falei, sejam prioridade para que esses próprios agentes possam repensar sua postura e que outros não venham a cometer o mesmo tipo de ação — destaca.
Depoimento
Em depoimento à Polícia Civil, dois policiais envolvidos na abordagem negaram que ter agido de forma racista e alegam que ele foi preso porque estaria com comportamento agressivo. Os dois PMs deram suas versões dos fatos na tarde de terça-feira (20), na 3ª Delegacia de Polícia (DP) da Capital. Outros dois brigadianos ainda são ouvidos nesta tarde.
Indiciamentos
A Polícia Civil vai indiciar o motoboy negro detido depois de ter sido agredido com canivete e o idoso branco apontado como agressor por lesão corporal. A informação foi confirmada, nesta segunda-feira (19), pela delegada que investiga o caso, Rosane de Oliveira, da 3ª Delegacia de Polícia da Capital.
Afastamento temporário
Os dois soldados atendidos pela advogada Andrea Ferrari foram os PMs afastados temporariamente das atividades nas ruas até o fim das investigações. A medida foi tomada em razão do "estresse" causado aos policiais e também por "precaução", segundo a Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP-RS). A dupla vai atuar no setor administrativo da BM, até que o caso esteja esclarecido.
Segundo Andrea, os dois soldados estariam abalados com o caso e a repercussão.
— Estão bastante abalados. Imagina, do nada estão trabalhando, de forma correta, e de repente passam a ser réus ao olhares da sociedade. Lamento muito esse julgamento antecipado que estão fazendo. Com isso, eles perdem, mas a sociedade também — afirma a advogada.
BM também investiga
Nos próximos dias, os dois devem ser ouvidos também na sindicância aberta pela Brigada Militar, procedimento que apura a conduta dos PMs, inclusive o possível racismo. O secretário da Segurança Pública, Sandro Caron, afirmou que o procedimento deve ser concluído até o próximo sábado (24).
Testemunhas do caso foram ouvidas no procedimento. Na tarde de segunda-feira (19), o motoboy prestou depoimento à sindicância "na condição de vítima".
Entenda o caso
A investigação foi aberta após a divulgação de diversas fotos e vídeos que mostram um motoboy negro sendo algemado e conduzido pela Brigada Militar após ter sido vítima de uma facada desferida por um homem branco, no sábado (17), no bairro Rio Branco, em Porto Alegre. O motoboy e testemunhas alegam que os policiais trataram a vítima como criminosa — enquanto o suposto agressor seguia livre e era tratado com deferência pelos brigadianos.
Contrapontos
A reportagem tenta localizar Sérgio Camargo Kupstaitis, para contraponto, sem sucesso até a publicação dessa reportagem.
A defesa do motoboy Everton Henrique Goandete da Silva se manifestou por meio de nota:
"A defesa do motoboy Everton Goandete, patrocinada pelo criminalista Ramiro Goulart, manifesta consternação pela declaração da defesa dos policiais militares. E questiona como um cidadão deveria reagir após levar uma facada no pescoço. 'O que a defesa dos representantes da Brigada Militar chama de agressividade foi a reação de um homem que estava trabalhando e quase perdeu a vida por um motivo torpe', explica.
Em relação à arma branca usada para atacar o motoboy, o criminalista responsável ressalta que os protocolos utilizados pelos agentes públicos permitiram que o agressor se livrasse da arma que deveria ter sido apreendida e periciada.
O advogado também afirma que 'não permitiremos que o óbvio seja negado pelas Instituições e nem pelo Estado do Rio Grande do Sul. Houve uma tentativa de homicídio contra um homem negro e isso não será reduzido a uma briga de vizinhos. Assim como houve uma abordagem truculenta, abusiva e racista por parte da Brigada Militar quando foi chamada para atender a ocorrência', enfatiza.
Por fim, o defensor salienta que as imagens dos prédios e estabelecimentos comerciais que estão com a Polícia Civil podem esclarecer os fatos com honestidade à população brasileira que acompanha apreensiva o desdobramento desse caso."