A cada seis minutos um caso de golpe foi comunicado à polícia gaúcha no primeiro semestre deste ano. No comparativo com o mesmo período de 2022, houve redução de 11,5% nos registros. Foram 42.773 ocorrências de golpes nesses seis meses — 5.602 a menos. Mas a média ainda é de 236 estelionatos por dia no Rio Grande do Sul.
Dos seis meses, junho foi o que teve a queda mais acentuada nos registros deste tipo de crime. Enquanto no mesmo período de 2022 tinham sido 8.165 casos, desta vez foram 6.212 ocorrências de golpes — ou seja, uma diminuição de 1.953.
As estratégias de prevenção, como a divulgação das principais formas de ação dos criminosos, investigações que visam desmantelar grupos envolvidos em golpes em série e a subnotificação — quando as vítimas deixam de registrar — são apontados como principais fatores por trás dos números.
No último dia 2 de julho, a Polícia Civil desencadeou em Passo Fundo, no norte do Estado, operação contra um crime bastante conhecido, mas que segue fazendo vítimas: o golpe do bilhete premiado. A investigação se iniciou em março, depois que uma idosa, de Porto Alegre, entregou aos golpistas R$ 200 mil e 3,5 mil dólares, além de joias. A vítima foi abordada por uma mulher, no bairro Moinhos de Vento, que dizia procurar um brechó, onde entregaria um bilhete premiado e em troca receberia R$ 5 mil e uma máquina de lavar.
Logo depois, um homem se aproximou e fingiu ser um corretor de seguros. Foi ele quem forjou uma ligação para a Caixa Econômica Federal, para confirmar que o bilhete era mesmo premiado. Por fim, a vítima foi convencida a entregar os valores para a mulher para em troca receber o bilhete. A idosa combinou com o falso corretor de seguros que no dia seguinte fariam a troca do prêmio. Só quando retornou para casa é que ela se deu conta de que havia sido enganada.
Os policiais conseguiram chegar aos suspeitos de integrar o grupo, que foi alvo da Operação Tessera Fabula. Na casa de um dos investigados, em Passo Fundo, além de dinheiro de diferentes nacionalidades, a polícia encontrou um bilhete que seria usado para ludibriar as vítimas. A polícia estima um prejuízo total das vítimas de R$ 2 milhões, em cerca de quatro meses.
Divulgação é parte da estratégia
— As atuações da Polícia Civil, de identificar e prender esses grupos criminosos que aplicam golpes, têm encorajado as vítimas a cada vez mais denunciar. E a partir disso temos conseguido dar mais efetividade e conseguido prisões nesses crimes de estelionato — avalia o titular da Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos e Defraudações (DRCID) do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), delegado Thiago Albeche.
Além da atuação no combate às organizações criminosas, por trás dos golpes, outra estratégia é a divulgação de informações que ajudem as pessoas a se proteger desse tipo de crime. A equipe da delegacia está desenvolvendo um projeto para ampliar a disseminação de orientações por meio das redes sociais sobre as trapaças mais comuns. No site da Polícia Civil também é possível baixar uma cartilha com os casos frequentes.
Segundo Albeche, golpes, como o conto do bilhete, ou outros já conhecidos, como o falso WhatsApp, ou mesmo criminosos que ligam fingindo serem de uma agência bancária, com intuito de obter dados pessoais e acesso aos telefones das vítimas, seguem liderando os registros que chegam à polícia. Embora tenham enredos diferentes, as estratégias costumam ter pontos em comum, como a pressa dos estelionatários em concretizar a transação.
— Sempre é essencial lembrar que os golpes geralmente ou apresentam vantagem muito boa ou colocam a vítima em situação de urgência. É sempre isso: ou alguém está precisando de algo ou é uma oferta imperdível — enfatiza o delegado.
Ranking
Porto Alegre ainda é a cidade com maior número de casos de estelionato no Estado. Com 8.438 registros no primeiro semestre, está bem à frente da segunda colocada, Caxias do Sul, que teve 2.129 golpes comunicados à polícia.
A Capital também registrou queda nas ocorrências desse tipo de delito, ainda mais acentuada do que no Estado. A redução foi de 18,3% nos primeiros seis meses deste ano.
Susto após viagem
No fim de junho, a jornalista e influenciadora digital Patrícia Parenza — colunista do caderno Donna — viajava por Buenos Aires, na Argentina, quando percebeu que o celular dela estava conectado a uma rede de wi-fi pública. Imediatamente desligou a rede e cortou o acesso. Três dias depois, de volta a Porto Alegre, a jornalista recebeu um alerta sobre movimentações em uma conta na qual mantém aplicações financeiras.
A influencer desconfiou que pudesse se tratar de golpe e, com auxílio do banco e do responsável por administrar a conta, confirmou que criminosos tinham conseguido acessar o aplicativo. Patrícia foi questionada se havia acessado alguma wi-fi pública e recordou do que havia acontecido na viagem. Foram horas de apreensão.
Segundo a jornalista, como não era possível retirar imediatamente os valores aplicados, os criminosos não tinham concluído ainda o golpe.
— Não tinha dinheiro em conta corrente. E as vendas de fundos demoram um pouco para acontecer, por isso eles não conseguiram concretizar. No fim, consegui recuperar. Fica uma sensação de insegurança, uma vulnerabilidade sem explicação. Minha vida inteira está no telefone, meu trabalho — descreve.
Depois do susto, a jornalista alterou alguns hábitos, como o de manter as senhas no próprio aparelho. Além de alterar todas as senhas salvas, decidiu recorrer a uma técnica mais antiga e manter tudo anotado num bloquinho.
— Comecei a pensar se não devo ter dois telefones: um para bancos, e outros para girar por aí, trabalhar. Estou repensando a minha forma de lidar com o aparelho, para tentar ficar mais segura. É um susto gigante. Trabalho desde os 15 anos. É a poupança da minha vida — preocupa-se.
Os riscos
Perito digital e CEO da Enetsec, Wanderson Castilho, alerta que utilizar serviços de wi-fi públicos pode trazer alguns riscos. Mas enfatiza que os golpes podem assumir diversas formas, desde anúncios falsos de hospedagens até táticas sofisticadas aplicadas durante as viagens, como estratégias de phishing por e-mail.
— Em alguns casos, em vez de falar diretamente com o ponto de acesso, o usuário pode estar enviando informações para o hacker, e facilitando o roubo delas. É indicado o uso da rede móvel do celular ou uma rede privada virtual (VPN) para garantir uma conexão segura — orienta.
Castilho afirma que os chamados cibercriminosos investem tempo, tecnologias e aprimoram as técnicas, com intuito de tornar o golpe cada vez mais convincente. Nesse contexto, considera essencial adotar medidas de segurança digital para evitar cair em armadilhas.
— Eles (estelionatários) podem parecer extremamente profissionais, usando logotipos, sites e documentos falsos para enganar potenciais vítimas. É crucial que os usuários estejam informados sobre as últimas táticas de golpes online, atentos aos e-mails suspeitos, mensagens de texto não solicitadas e sites que solicitam informações pessoais ou financeiras demais. Desconfiando de qualquer solicitação, se torna mais fácil evitar uma possível fraude — alerta.
Outras dicas
- Criminosos criam falsos sites, semelhantes aos reais, para enganar os usuários. Verifique a URL do site para garantir que seja o oficial. É necessário que o endereço, começando com "https", exiba um cadeado. Não acesse links na internet cuja segurança não seja garantida. Desconfie.
- Não acredite em lucro fácil ou vantagens que pareçam muito atrativas. Essa é a principal estratégia dos golpistas para atrair vítimas. Não acredite em desconhecidos que lhe abordam na rua ou por telefone.
- Converse com familiares, amigos ou mesmo gerente de banco se tiver desconfiança. Estelionatários tentam criar meios de impedir que a vítima busque orientação, como mantê-la ao telefone, para que não seja alertada.
- Se receber ligação ou mensagem informando ser de sua agência bancária, desconfie se lhe pedirem informações pessoais, códigos ou formas de acessar seu telefone. Desligue e entre em contato com o número oficial do banco ou do gerente, caso tenha acesso.
- Tome cuidado ao imprimir segunda via de boleto em sites e ao fazer compras online. Golpistas podem criar sites falsos para enganar os clientes.
- Não faça depósitos bancários e nem recargas de celulares para quem não conhece.
- No caso dos leilões, verifique se os leiloeiros estão cadastrados junto ao Judiciário. As contas para depósito em leilões oficiais não são de pessoa física ou jurídica e, sim, judicial.
- Se receber contato por telefonema ou mensagem de familiar pedindo ajuda, certifique-se de que é real. Telefone para a pessoa antes de qualquer transferência. Converse com outros parentes antes de fazer qualquer depósito.
- No WhatsApp, habilite a verificação em duas etapas e não forneça esse tipo de código por telefone. O mesmo cuidado vale para outros aplicativos — de compras e bancos — que tenham o recurso de verificação em duas etapas.
- Em alugueis de imóveis, desconfie de preços abaixo do mercado, se o dono exigir adiantamento e tiver pressa para que o depósito seja feito ou mesmo se o proprietário não aceitar atender a ligações ou se recusar a receber visita do locatário, para conferir a casa.
- Ao fazer uma reserva, os viajantes devem dar preferência aos pagamentos seguros, como cartões de crédito ou serviços de modalidade de pagamento online. Evite fornecer informações pessoais, como números de conta bancária, por e-mail ou em sites não seguros.
- Se estiver vendendo algo, não entregue o bem antes de ter certeza de que recebeu o valor do pagamento. Depósitos só são confirmados pelo banco após a conferência do envelope. Então, aguarde para enviar a mercadoria.
- Se for vítima, registre o caso em uma delegacia da Polícia Civil ou pela Delegacia Online. Tente repassar aos policiais o máximo de informações sobre os golpistas.
- Fonte: Enetsec e Polícia Civil-RS