
Todos os dias, Juliana Lires Miranda, 39 anos, costumava seguir até a casa da irmã Santina Lúcia Miranda, 37, para tomar chimarrão com os familiares. As duas residiam a poucos metros de distância em Colinas, município de 2,4 mil habitantes, no Vale do Taquari. A rotina se alterou no fim de junho, quando Juliana desapareceu. No último dia 9, o corpo dela foi localizado enrolado num cobertor nas proximidades do Rio Taquari, às margens da RS-129, entre Colinas e Roca Sales. A suspeita é de que ela tenha sido vítima de feminicídio.
Na manhã seguinte, o companheiro dela, Ricardo Luís Rodrigues, 34, também foi encontrado morto com marcas de tiros. O cadáver dele foi encontrado em Estrela, no bairro Moinhos, às margens do Rio Taquari. O local fica a cerca de 25 quilômetros de onde Juliana foi localizada sem vida. Moradores das proximidades relataram ter ouvido disparos de arma de fogo na noite anterior à localização do corpo.
Naquele momento, a polícia já havia pedido à Justiça a prisão dele, por suspeita de ter assassinado Juliana. Familiares dela relataram à polícia que Rodrigues agrediria a companheira. O homem havia sido visto pela última vez, por vizinhos e familiares da vítima, na segunda-feira, dia 3.
Testemunhas relataram ter visto ele lavando com mangueira a casa onde vivia com Juliana. O local passou por análise do Instituto-Geral de Perícias (IGP) na noite de 6 de julho, em busca de pistas.
Santina disse que chegou a encontrar com Rodrigues na segunda-feira, dia 3, e indagou sobre o paradeiro da irmã, que não era encontrada desde o fim de semana.
— Ele veio do serviço, de bicicleta, com a mochila nas costas, e disse que ela estava em Estrela, que ia ficar lá e vir só no fim de semana. Foi aí que a gente começou a desconfiar. Ele pegou as coisas dele, e sumiu — relata.
A irmã conta que Juliana estava morando com o companheiro havia cerca de um mês e meio. As agressões, segundo a família, tornaram-se mais frequentes nas últimas semanas de convivência do casal. Na última vez em que se viram, Juliana chamou Santina para ir até a casa dela, e pediu que ela lhe comprasse iogurte, e relatou que estava com dores no corpo e dificuldade para respirar. Juliana contou ter sido agredida por Rodrigues e que ele teria "pisoteado" seu corpo. Naquele dia, os familiares viram hematomas em seu corpo.
— Ela estava falando que estava com muita dor nas costelas. Ela não queria ir para o hospital. Ele batia muito nela, judiava muito dela. Ela tinha medo que ele fosse preso. Era apaixonada por ele — lamenta a irmã.
Buscas seguiram por Juliana, até o corpo ser encontrado na noite do domingo, dia 9, num barranco. Ela estava enrolada num cobertor, preso com um cinto. O sepultamento foi realizado na manhã de 10 de julho, no Cemitério Municipal de Colinas. No dia seguinte, 11 de julho, ela teria completado 40 anos. Santina descreve a irmã como uma pessoa boa e tranquila, que trabalhava cuidando de idosos.
— Ela não fazia mal para ninguém. Era uma guria querida — diz.
Feminicídio
Segundo o delegado Humberto Messa Roherig, os elementos colhidos até o momento pela investigação apontam Rodrigues como principal suspeito de ter assassinado a companheira. A perícia inicial realizada no corpo de Juliana constatou que a mulher estava com o pescoço quebrado. A causa da morte deverá ser confirmada pela necropsia.
— Ela não tinha marcas de tiros nem perfuração com faca — explica o delegado.
Ainda segundo Rohering, apesar dos relatos de agressões, não havia nenhum registro de Juliana por violência doméstica contra o companheiro. Conforme o delegado, a vítima não chegou nem mesmo a procurar o serviço de saúde ou pedir ajuda a outro órgão de proteção às mulheres. Em razão disso, Juliana não chegou a ter medida protetiva contra Rodrigues.
— É muito importante reforçar que as mulheres não devem admitir qualquer agressão. É preciso procurar atendimento médico e a polícia para registrar, e, em muitos casos, deixar a casa para cessar esse ciclo de agressão, de violência — afirma o delegado.
A maior parte das vítimas de feminicídio no Rio Grande do Sul ainda morre sem pedir ajuda. No ano de 2022, das 107 vítimas, 86 não tinham medida protetiva e cerca de metade delas não tinha nem sequer registrado algum tipo de ocorrência.
Execução

Na madrugada da segunda-feira (10), o delegado chegou a ingressar com pedido de prisão preventiva de Rodrigues. Mas a polícia acredita que naquele momento ele já havia sido executado. Com a localização do corpo dele na manhã seguinte, novo inquérito foi aberto para investigar o homicídio. Uma das hipóteses investigadas pela polícia é a de que o homem tenha sido assassinado em represália à morte de Juliana.
— Seguimos investigando essa hipótese, até pela questão temporal. O corpo dela foi localizado no domingo e logo em seguida ele foi morto. Acreditamos que possa ter essa relação com o feminicídio — explica Rohering.
A polícia apura em paralelo outras possíveis motivações para o crime. Uma delas envolve o fato de que o homem seria usuário de drogas. Ainda que os moradores tenham relatado ter ouvido disparos nas proximidades de onde ele foi achado morto, a polícia não descarta que o homem possa ter sido assassinado em outro local e que o corpo tenha sido deixado no rio, na tentativa de ocultá-lo.
O laudo da necropsia deverá apontar quando disparos atingiram Rodrigues e qual calibre da arma foi usado. Até o momento, segundo o delegado, ninguém foi preso.
Orientações
- Se estiver sofrendo violência psicológica, moral ou mesmo física, busque ajuda imediatamente. Não espere a violência evoluir. Converse com familiares, procure unidades de saúde, centros de referência da mulher ou a polícia. É possível acessar a Delegacia Online da Mulher
- Caso saiba que alguma mulher está sofrendo violência doméstica, avise a polícia. No caso da lesão corporal, independe da vontade da vítima registrar contra o agressor, dado a gravidade desse tipo de crime
- Se estiver em risco, procure um local seguro. Em Porto Alegre, por exemplo, há três casas aptas a receberem mulheres vítimas de violência doméstica
- Siga todas as orientações repassadas pela polícia ou pelo órgão onde buscar ajuda (Ministério Público, Defensoria Pública, Judiciário)
- No caso da lesão corporal, o exame pericial para comprovar as agressões é essencial para dar seguimento ao processo criminal contra o agressor. Procure realizar o procedimento o mais rápido possível
- Caso passe por atendimento em alguma unidade de saúde, é possível solicitar um atestado médico que descreva as lesões provocadas
- Reúna todas as provas que tiver contra o agressor, como prints de conversas no telefone. No caso das mensagens, é importante que apareça a data do recebimento
- Se tiver medida protetiva, mantenha consigo os contatos principais para pedir ajuda. A Brigada Militar mantém em pelo menos 114 municípios unidades da Patrulha Maria da Penha que fiscalizam o cumprimento da medida
- Se tiver medida protetiva e o agressor descumprir, comunique a polícia. É possível acionar a Brigada Militar, pelo 190, ou mesmo registrar o descumprimento por meio da Delegacia Online. Descumprimento de medida pode levar o agressor à prisão
Fonte: Polícia Civil e Poder Judiciário do RS
Onde pedir ajuda
Brigada Militar
- Telefone — 190
- Horário — 24 horas
- Serviço — atende emergências envolvendo violência doméstica em todos os municípios. Para as vítimas que já possuem medida protetiva, há a Patrulha Maria da Penha da BM, que fiscaliza o cumprimento. Patrulheiros fazem visitas periódicas à mulher e mantêm contato por telefone
Polícia Civil
- Endereço — Delegacia da Mulher de Porto Alegre (Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia), bairro Azenha. As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há 23 DPs especializadas no Estado
- Telefone — (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências)
- Horário — 24 horas
- Serviço — registra ocorrências envolvendo violência contra mulheres, investiga os casos, pode solicitar a prisão do agressor, solicita medida protetiva para a vítima e encaminha para a rede de atendimento (abrigamentos, centros de referência, perícias, Defensoria Pública, entre outros serviços)