A enfermeira Priscila Ferreira Leonardi, encontrada morta em Alegrete, na fronteira oeste do Rio Grande do Sul, no dia 6 de julho, cobrava judicialmente uma dívida de R$ 212,4 mil do primo Emerson da Silveira Leonardi, preso na quinta-feira (13) por suspeita de ter sido o mandante dos crimes de extorsão mediante sequestro, homicídio e ocultação de cadáver.
O motivo da disputa era uma casa, localizada no bairro Vila Nova, em Alegrete, que pertencia à Priscila e ao falecido pai dela, Ildo Leonardi. A vítima dos crimes foi morar em Dublin, na Irlanda, em 2019, onde trabalhava como enfermeira em um lar de idosos. Ildo faleceu em 4 de maio de 2020 e, já naquele período, Emerson morava na residência dele. No fim da vida do pai de Priscila, o primo era um dos que prestava cuidados a ele.
Após a morte do pai, Priscila, morando na Europa, encaminhou um acordo para que Emerson pudesse ser o proprietário e se instalar em definitivo com a família na moradia do bairro Vila Nova. Os documentos do caso constam no processo de inventário da herança de Ildo e foram acessados pela reportagem.
A sequência de tratos e distratos foi a seguinte:
- 10 de agosto de 2020 - Três meses após a morte de seu pai, Ildo, Priscila assinou um contrato de promessa de permuta com o primo (veja trecho do documento abaixo). Ela ficaria com uma fração de 11,3 hectares de terra em Alegrete e Emerson, em troca, teria direito às cotas da enfermeira sobre a propriedade da casa, de 83,3%. No mesmo dia, eles firmaram um contrato de promessa de compra e venda, no qual Emerson alienava em favor de Priscila mais um pedaço de terra de 3 hectares para concluir o negócio. Um detalhe relevante é que os quase 15 hectares de campo que seriam usados por Emerson para comprar a casa eram, originalmente, de Ildo, o pai de Priscila. Antes de morrer, aos 74 anos, Ildo teria doado essas terras para o primo.
- Dezembro de 2020 - Ao contrário do previsto nos contratos de agosto, Emerson não transferiu os direitos das duas propriedades de terra para a prima Priscila. As frações foram vendidas a um terceiro, com registro de escritura pública em cartório. Uma parte foi transferida ao homem em 16 de dezembro de 2020. A outra, em 5 de março de 2021. Emerson não repassou à prima o dinheiro das vendas.
- 26 de janeiro de 2022 - Depois do distrato anterior, Emerson assinou uma confissão de dívida. Neste documento, ele reconheceu dever R$ 247,8 mil à prima pela residência do bairro Vila Nova. Ficou acertado um desconto de R$ 8,2 mil e uma entrada de R$ 30 mil, que foi paga. Emerson, por fim, tinha de quitar com a prima R$ 209,6 mil para concluir o negócio até 15 de dezembro de 2022. A transferência do imóvel, registrou a confissão de dívida, somente seria feita após o pagamento total.
- Janeiro de 2023 - Habitando a casa com a família, Emerson não pagou os R$ 209,6 mil. Priscila ingressou com ação judicial de cobrança contra o primo na 2ª Vara Cível da Comarca de Alegrete. O valor atualizado do passivo é de R$ 212,4 mil.
O processo passou a ser um dos pontos de tensão entre Priscila e Emerson. A enfermeira saiu de férias do trabalho em Dublin e veio ao Brasil, em junho de 2023, para tratar de pendências do processo judicial da herança do pai. Já em Alegrete, ela relatou a pelo menos uma amiga brasileira que estava em Dublin um ambiente de tensão, além de supostas provocações feitas pelo primo.
Ao receber detalhes do inventário, Priscila foi informada de que uma prima e a esposa do primo Emerson haviam recebido R$ 167,7 mil do seu falecido pai em 12 cheques, às vésperas da morte dele, quando a enfermeira estava morando no Exterior. Nove das operações foram realizadas em 20 de abril de 2020, somando R$ 150 mil, exatos 14 dias antes do óbito de Ildo por falência de múltiplos órgãos.
Desaparecimento, homicídio e prisão
Priscila teria desaparecido na noite de 19 de junho, após ter ido à casa que motivou a cobrança judicial, habitada pelo primo, para buscar pertences de valor sentimental. Ela foi encontrada somente no dia 6 de julho, à margem do Rio Ibirapuitã, em Alegrete. O corpo tinha sinais de espancamento e estrangulamento, já em estágio avançado de decomposição.
A investigação está a cargo da Polícia Civil e o Ministério Público (MP), munido de provas, fez à Justiça o pedido de prisão de Emerson. Ele foi detido, interrogado e encaminhado ao presídio de Alegrete nesta quinta-feira (13). Conforme o MP, o primo é o principal suspeito de ter sido o mandante dos crimes de extorsão mediante sequestro, homicídio e ocultação de cadáver. Os indícios são de que, antes de assassinarem Priscila, os executores tentaram subtrair dela valores e bens. Um dos objetivos da apuração, agora, é identificar os executores.
No MP, o inquérito é conduzido pela promotora Rochelle Jelinek. O órgão, em comunicado oficial, disse que “não está descartada a hipótese de participação de organização criminosa” na trama que vitimou Priscila.
Sobre as informações de que Emerson teria confessado a autoria em depoimento à Polícia Civil, a advogada dele, Jo Ellen Silva da Luz, afirma: “Ele nunca disse que foi o mandante. A frase ‘eu mandei matar ela’ nunca saiu da boca dele”.
Contraponto
O que diz a advogada Jo Ellen Silva da Luz, que defende Emerson da Silveira Leonardi:
A defensora diz que Emerson foi morar no imóvel a pedido de Ildo, o pai de Priscila, para que lhe auxiliasse e fizesse companhia. Jo Ellen salienta que o primo fez um pagamento de R$ 30 mil pela casa, o que correspondia à entrada. A advogada diz que problemas financeiros ocorreram na sequência e um campo pertencente a Emerson acabou não sendo vendido. Com isso, ele não teria conseguido quitar a parcela de mais de R$ 200 mil e, depois, Priscila ingressou com processo de cobrança. A defensora ainda cita, por fim, uma suposta conversa entre Emerson e Priscila via WhatsApp em que a vítima teria dito desconhecer a ação judicial de cobrança e que resolveria tudo ao chegar ao Brasil.
“Se houvesse tanta animosidade entre Priscila e a família, a mesma não iria visitar a todos. Isso se comprova por diversas fotos de Priscila na propriedade rural de sua família, se divertindo. Tais fotos também foram entregues na delegacia”, registrou, em nota, a advogada.