Meiga e batalhadora são os dois adjetivos escolhidos pela amiga Paloma Scalco para definir a enfermeira Priscila Ferreira Leonardi, de 40 anos, encontrada morta no dia 6 de julho em Alegrete, na fronteira oeste do Rio Grande do Sul. O corpo foi avistado por um pescador boiando no Rio Ibirapuitã, preso a galhos junto à margem, com sinais de espancamento e estrangulamento, que foi a causa da morte.
Priscila e Paloma são gaúchas e enfermeiras que somaram anos de amizade. A vítima de homicídio se formou em Santa Maria, onde começou atuando na profissão. Depois, trabalhou em Bento Gonçalves e, por fim, em um hospital de Nova Prata. Foi nesta cidade que conheceu a amiga Paloma. Elas chegaram a morar juntas nesta época até que, em 2019, Priscila decidiu tentar o sonho europeu e se mudou para Dublin, na Irlanda. Aperfeiçoou o inglês e, atualmente, já trabalhava havia mais de dois anos como enfermeira em uma casa de repouso de idosos. As duas sempre mantiveram contato e, em 2022, incentivada por Priscila, Paloma também emigrou ao país europeu. Lá, voltaram a ter uma rotina de amizade próxima e cotidiana. Solteira e sem filhos, Priscila estava de férias no Brasil e tinha previsão de voltar a Dublin no dia 3 de julho, com chegada no dia 4. Uma sequência de fatos trágicos ainda em investigação levou a enfermeira a desaparecer em 19 de junho, após sair da casa do seu falecido pai, onde mora um primo, e ser encontrada somente em 6 de julho, sem vida e com marcas de brutalidade.
— A rotina dela aqui era bem exaustiva. Ela trabalhava o dia inteiro e fazia uma especialização, o que demandava tempo. Nunca teve problema com ninguém, apesar de ter essas dificuldades de não ter mais o pai e a mãe. Eram poucos familiares vivos e pouco contato. Ela fez a família dela aqui na Irlanda com os amigos — narra Paloma, que está temporariamente na Itália para fazer um procedimento de cidadania.
Antes de desaparecer, Priscila disse para as amigas que planejava ir, nos dias seguintes, até o município de Faxinal do Soturno (RS) para tentar acessar documentos de ancestrais que a auxiliassem em um processo de cidadania italiana que também desejava encaminhar. Ela estava com passagem comprada para ir à Itália em setembro, onde comemoraria o seu aniversário junto com a família de Paloma.
— Ela tinha amigos em vários países. A gente tinha facilidade de viajar para outros lugares da Europa. A Pri tinha amigos em Portugal, na Itália, na Holanda e também no Marrocos. No trabalho dela, comunicamos o chefe sobre o desaparecimento e todos os funcionários foram convidados a falar coisas boas, fazer homenagens e um momento de oração para que a Priscila fosse encontrada ainda com vida — comenta Paloma, ressaltando o carisma da amiga entre os colegas e habitantes do asilo.
Embora estivesse de férias, Paloma confirma que a viagem de Priscila ao Rio Grande do Sul não era focada em lazer. A passagem por Alegrete tinha como principal objetivo tratar do inventário judicial da herança do seu pai, falecido em maio de 2020. As herdeiras eram Priscila e uma irmã paterna descoberta tardiamente, em 2019. Tanto amigas que vivem na Irlanda como o advogado da enfermeira afirmam que não havia problemas com a irmã nem desavença na discussão do inventário. A herança do pai não envolvia nenhuma fortuna: metade de uma casa simples de alvenaria no bairro Vila Nova, de característica popular, e cerca de 15 hectares de terra em Alegrete.
As pessoas que cercavam Priscila foram mantidas informadas sobre atritos com um primo, que reside na casa que era de seu pai, por conta de uma suposta dívida. A enfermeira chegou a relatar por mensagem um ambiente de tensão. Ela estava processando esse familiar, na 2ª Vara Cível da Comarca de Alegrete, por conta de um bem dela e do falecido pai que ele teria supostamente subtraído. Em mensagens às amigas, relatou que iria até esta moradia ver o que ainda restava de pertences pessoais. No dia 19 de junho, na versão do primo, que registrou ocorrência de desaparecimento na manhã seguinte, ela deixou o local e embarcou em um veículo Renault Duster preto, imaginando ser um Uber. Quem acompanhou os últimos passos de Priscila afirma que ela estava usando outro aplicativo em Alegrete, o Garupa. Ela somente seria encontrada em 6 de julho, sem vida e com o cadáver em estado avançado de decomposição. A Polícia Civil afirma trabalhar com todas as linhas de investigação, seja desavenças por propriedades ou mesmo um feminicídio.
— Foi uma crueldade. Uma brutalidade. Pessoa nenhuma merece, muito menos nossa amiga que batalhou tanto. Sem palavras para descrever o quanto a Priscila era ingênua nessas questões financeiras. Foi falado várias vezes para ela deixar isso de lado, mas aconteceu o que aconteceu. Só queremos que o culpado ou culpada possa pagar pelo o que foi feito. E que ela possa descansar em paz — diz Paloma, emocionada.
Amigos da enfermeira marcaram um protesto para a próxima segunda-feira (17) em frente à embaixada do Brasil em Dublin, tendo como lema a principal pergunta que resta do dilacerado enredo: “Quem matou Priscila?”