Os dias de pagamento e adiantamento quinzenal eram de festa na casa simples, no bairro Cascata, zona Sul da Capital. Eram momentos de guloseimas e brincadeiras depois do jantar, aguardados e planejados pelos adolescentes da família. Foi assim por cerca de quatro anos, até a trágica noite do último 19 de abril, quando João Francisco Maciel dos Santos, 14 anos, e Marina Maciel dos Santos, 16, saíram de casa para comprar refrigerante, bolo e salgadinhos, mas tiveram o caminho interrompido pela violência.
— Perdi meu Bzão (apelido carinhoso pelo qual João era chamado pela família) e minha grande companheira. A casa funcionava por ela, era quem fazia tudo enquanto eu trabalhava. Ele era a nossa alegria, um guri de quase um metro e noventa da altura, que vivia sorrindo e abraçando a gente — desabafa a comerciária Carla Maciel de Farias, 39 anos, mãe dos adolescentes.
Os irmãos foram mortos por decorrência de um atentado a tiros no bairro, em uma área formada por moradias e pequenos estabelecimentos comerciais. Conforme a Polícia Civil, homens teriam disparado várias vezes, de dentro de um Ecosport que cruzou a Avenida Herval, poucos minutos após as 21h.
— Ouvimos o barulho dos tiros. Liguei para Marina e atendeu alguém, avisando que a pessoa que eu procurava estava ferida. Avisei meu companheiro e saí correndo de casa. Quando cheguei na avenida, vi meu filho caçula caído na calçada, debaixo de um telhadinho. Em seguida, um carro chegou trazendo a minha filha baleada. Ela tinha conseguido correr até a frente de uma igreja e foi socorrida. Vieram ao nosso encontro — lembra a mãe.
Carla diz que considera esta pessoa como um "anjo". Alguém que lhe deu a mão na hora mais difícil.
— Me ajudou a colocar o Bzão no porta-malas e nos levou até o hospital. Demos entrada na emergência às 21h20min. Eles tinham saído de casa às 21h04min. Foi tudo muito rápido — recorda-se.
Mesmo assim, os irmãos não resistiram. João Francisco teve a morte constatada logo após a chegada. Segundo a informação prestada pelo hospital, um dos tiros teria acertado seu coração. Marina teve chance de ser abraçada pela mãe:
— Ela me dizia: "mãe, não quero morrer, não quero morrer". Tentaram salvar ela. Ficou mais de quatro horas em cirurgia. Me contaram que um dos tiros entrou pelas costas e cortou a aorta. Ela perdeu muito sangue. Não conseguiu sobreviver.
Com os irmãos, morreram planos e sonhos
Carla conta que a chegada ao bairro Cascata foi muito festejada pela família. A casa anterior, em bairro vizinho, alagava. Com o estabelecimento da nova moradia, também melhorou o acesso aos serviços localizados nas principais avenidas da região e ao transporte público, que levava os irmãos diariamente ao Colégio Estadual Coronel Afonso Emílio Massot, no bairro Azenha.
— Eles eram tudo pra mim. Minha alegria, motivação para seguir em frente. Tenho um filho especial, mais velho do que os dois. Ele também precisava muito dos irmãos. Estamos vivendo um dia depois do outro. O trabalho distrai a cabeça. Mas ficar em casa não é nada fácil. As lembranças vêm a todo momento — afirma.
A mãe revela que os filhos começavam a construir seus planos para a vida adulta. Marina, mais madura, dizia que queria se formar advogada para depois tornar-se juíza, profissão que considerava "importante". João, por sua vez, reproduzia o sonho cultivado no espírito de tantos meninos.
— Meu caçula queria ser jogador profissional de futebol. Ele tinha encontrado um clube para treinar e tinha até consultado vaga em uma escola próxima e este local de treinamento. Era um projeto para ele — lamenta.
A mãe afirma esperar que os filhos tenham sua memória restaurada com a elucidação dos fatos e diz que confia na atuação das autoridades.
Sem prisões nem autoria identificada
A Polícia Civil, por sua vez, informou que continua realizando diligências sobre o caso, cujas investigações estão sob responsabilidade da 1ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa da Capital, no comando da delegada Clarissa Demartini. A investigação é considerada delicada e tratada como uma das prioridades pelo Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
— Informações sobre autoria dos disparos permanecem sob sigilo para não atrapalhar as investigações — afirma a delegada.
Ninguém foi preso até o momento.