Uma perícia em vídeos que flagraram a briga generalizada registrada em 30 de outubro em Rosário do Sul conseguiu identificar o momento em que Anderson da Silva Leonardo, 16 anos, foi atingido com uma facada que resultou em sua morte. Conforme o Instituto-Geral de Perícias (IGP), o trabalho foi pedido pelo Ministério Público para verificar se os movimentos captados nas imagens seriam compatíveis com a lesão sofrida pela vítima.
Naquela madrugada de domingo, Anderson estava com o tio em uma praça no centro da cidade. Após uma discussão, eles passaram a ser agredidos por um grupo de ao menos 12 pessoas, levando chutes e socos. Uma das agressões foi feita com uma faca, atingindo as costas da vítima, que não resistiu e morreu horas depois. O suspeito desse golpe é Vinicius Gabriel Santos Domingues, 20 anos, que está preso e foi indiciado pela Polícia Civil por homicídio qualificado em 22 de novembro. Conforme a investigação da polícia, a briga foi motivada por uma rixa entre jovens de dois bairros diferentes do município.
A perícia foi solicitada para verificar se o movimento dos golpes que aparecem nas imagens seriam os que levaram à morte de Anderson. Peritos analisaram dois vídeos – uma gravação de celular enviada pelo WhatsApp e uma de câmera de segurança – para produzir o laudo pericial. Conforme o IGP, as imagens são de baixa qualidade e "os movimentos da vítima e dos demais envolvidos aparecem confusos, sendo difícil distinguir quem desferiu o golpe e qual objeto portava".
O material passou por melhorias feitas em um software específico, que faz ajustes em parâmetros como contraste e iluminação das imagens, por exemplo. Segundo o perito criminal Luciano Beux, o processo de ajuste é manual, assim como o de análise de cada frame. Os peritos precisam assistir a diversas imagens estáticas que, em sequência, formam o vídeo.
— A gente vai fazendo melhorias, ajusta brilho, contraste, aproxima a imagem. Se não funciona, volta e tenta de outra forma. É tentativa e erro mesmo. Vamos vendo quadro a quadro o que ocorre. Se o vestígio, a informação está na imagem, a gente consegue recuperar. Mas nada é automático, é um trabalho intelectual e braçal — explica Beux, que integra a Seção de Perícias em Áudio e Imagens (Sepai) do IGP.
O trabalho levou cerca de duas semanas. Segundo o perito, nem sempre é possível obter um laudo conclusivo, como em casos em que as imagens são de qualidade ainda mais baixa. Neste caso, o resultado foi positivo para o questionamento feito pelo MP:
— É possível ver que, em um momento, há três ou quatro indivíduos fazendo as agressões, e que um deles faz um movimento de flexão, que é compatível com faca e com a lesão sofrida pela vítima. Também pudemos verificar que essa pessoa está segurando um objeto que tem características compatíveis com uma faca — afirma Beux.
O laudo pericial, com 16 páginas, foi remetido ao Ministério Público, afirma o IGP.
GZH procurou o MP para posicionamento, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem. A instituição também não informou se já houve denúncia no caso.
Investigação policial
A conclusão do IGP segue a linha do que havia sido apontado anteriormente investigação da Polícia Civil. Conforme o delegado Giovanni Lovato, o laudo reforça que Domingues foi o responsável pelo golpe. Segundo o inquérito, a agressão foi feita com uma adaga, que não foi localizada.
— O laudo chegou à mesma conclusão. Ele é quem estava segurando o objeto, toda a posição da mão e do braço, o comportamento dele, indicam isso. Mas o peso de um laudo é maior do que uma afirmação da polícia, porque não somos peritos, não tínhamos como melhorar as imagens. Sem esse laudo, em um júri, a defesa poderia dizer que não há provas. O trabalho, felizmente, reforça nossa posição — pondera o delegado.
Indiciados
Além de Domingues, outras cinco pessoas também foram indiciadas por vias de fato, em razão das agressões feitas contra a vítima. O tio de Anderson também foi indiciado por fornecer bebida alcoólica ao sobrinho menor de idade, que estaria bebendo da praça no dia do crime.
Conforme a investigação, dias antes do caso, em 28 de outubro, um grupo de jovens se envolveu em uma discussão. O motivo seria uma rixa entre eles, por serem de dois bairros distintos do município. Um amigo de Anderson estaria envolvido na confusão, mas o jovem não.
A briga que causou a morte de Anderson seria uma continuação desta discussão anterior. Na madrugada daquele domingo (30), o jovem estava acompanhado do tio quando um grupo teria os provocado, e uma discussão começou.
Conforme a polícia, no momento em que a vítima atravessava uma rua, foi atacada pelas costas por três indivíduos. No total, cerca de 12 pessoas se envolveram na briga. Segundo a necropsia, o objeto usado perfurou a coluna do jovem e atingiu um dos pulmões.
— É uma completa bobagem, uma rixa de bairros que resultou na morte desse jovem — afirmou o delegado em novembro à GZH.
Ao ser ouvido pela polícia durante a investigação, Domingues negou envolvimento, afirmou que não estava com a adaga nem com o grupo.
"Trabalhador e alegre", diz irmã
Anderson é descrito por familiares como um jovem feliz, que recém havia conquistado o primeiro emprego. Ele morava com a irmã e a avó em Rosário do Sul, onde nasceu. Na infância, chegou a morar alguns anos na região da campanha, onde os pais vivem até hoje. Ele retornou a Rosário em razão dos estudos.
O adolescente era aluno do nono ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Oliveira Thaddeo, no turno da manhã. À tarde, ia para o cursinho onde atuava na recepção. Ele havia começado no trabalho havia cerca de cinco meses. Apesar de estar animado com a nova função, Anderson tinha um sonho maior, de servir no Exército.
O enterro foi realizado no dia seguinte a morte, em 31 de outubro, no cemitério do município. Após o falecimento, a prefeitura de Rosário do Sul se manifestou por meio da secretaria de Educação lamentando a morte do aluno da rede municipal de ensino e prestando condolências aos familiares, amigos e colegas da vítima.
Contraponto
GZH procurou a Defensoria Pública do Estado, que atende Domingues. O órgão afirmou que só irá se manifestar nos autos dos processos.