O governador Ranolfo Vieira Júnior foi citado durante o quarto júri do caso Eliseu Santos, realizado na noite de quarta-feira (20), em Porto Alegre. Em 2010, quando o então secretário de Saúde da Capital foi morto a tiros, Ranolfo estava à frente do Departamento Estadual de Investigações Criminais, um dos setores que apuraram o crime. Ranolfo afirma, em nota (leia íntegra abaixo), “quanto às ilações trazidas pelo promotor” avaliar “eventuais providências a serem tomadas” e nega qualquer interferência na investigação.
Conforme a fala de promotores, a Polícia Civil teria encerrado o caso como latrocínio (roubo com morte) "apressadamente" para "evitar discussão política" e preservar "eventuais delegados que estivessem vinculados" ao PTB, partido de Eliseu e de demais integrantes da pasta, e também de Ranolfo nos anos seguintes.
A fala ocorreu durante o julgamento do empresário Jorge Renato Hordoff de Mello, acusado de ser um dos mandantes da morte de Eliseu. Ele era um dos donos da Reação na época do crime, empresa que prestava serviço de segurança à Secretaria de Saúde. Conforme o relato do MP e na versão admitida por Mello, a Reação entrou em um esquema de pagamento de propina a integrantes da secretaria, no objetivo de garantir contratos com a pasta.
Segundo promotores, a quantia paga à secretaria teria como destino caixa 2 do PTB.
— Esse dinheiro da propina, segundo constou na prova analisada aqui, era destinado ao caixa 2 do PTB: um partido político em ano de eleição. E o delegado que coordenava o Deic (Ranolfo), que coordenou essa investigação, mais tarde veio a ser secretário da Segurança e vice-governador do Estado pelo PTB. Mas claro, meus senhores (jurados), isto é só uma coincidência — afirmou o promotor Eugênio Paes Amorim, sem apresentar provas.
Na sequência, outro nome citado por Amorim é o do deputado federal Maurício Dziedricki.
— O deputado Maurício também era do PTB, e há provas nos autos que tinha sua campanha auxiliada pela Reação. Então, eu explico aos senhores (jurados) que poderia haver, e não posso afirmar, uma relação espúria entre alguns delegados e o Partido Trabalhista Brasileiro.
Em seguida, o promotor indica que o indiciamento da Polícia Civil por latrocínio (um crime que teria ocorrido de forma aleatória contra Eliseu) poderia ser uma forma de abafar o esquema de corrupção dentro da secretaria:
— Aí, nós podemos encontrar uma razão, se isso estivesse comprovado, e não estou afirmando, porque presumo que sejam todos honrados, para que a polícia tão apressadamente tenha dito que foi um latrocínio. Aí, como disse a doutora Lúcia (Helena Callegari, também promotora), evitamos qualquer discussão política, preservamos o partido, preservamos eventuais delegados que estivessem vinculados ao partido e que mais tarde acabaram entrando na política. Metemos um latrocínio e condenamos os ladrões.
O crime aconteceu em 2010. Em 2014, Ranolfo concorreu pelo PTB a deputado estadual, mas não se elegeu. Em 2017, foi chamado para ser secretário da Segurança Pública de Canoas. Depois, em 2018, se lançou a vice-governador, na chapa com Eduardo Leite, também pelo partido. Com a vitória, assumiu como vice e como titular da SSP. Ranolfo deixou o PTB em setembro de 2021, após divergências com o então presidente do partido, Roberto Jefferson.
Antes, na Polícia Civil, Ranolfo dirigiu o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) por seis anos e foi também chefe de Polícia do RS por quatro anos.
Contrapontos
GZH entrou em contato, nesta quinta-feira (20), com Ranolfo e com sua assessoria de imprensa, que se manifestou por meio de nota. Leia a íntegra:
"O caso Eliseu Santos transcorre há 12 anos. Acompanhei o inquérito enquanto diretor de um departamento ao qual a delegacia que apurou os fatos estava vinculada, até o seu envio ao Judiciário, em 2010. Desconheço totalmente as provas produzidas ao longo da última década a partir da instrução judicial. Além disso, tendo em vista se tratar de um caso ainda não transitado em julgado, não cabe fazer qualquer comentário.
Quanto às ilações trazidas pelo promotor, em exposição durante o júri em curso na Capital, sobre as quais o próprio reconhece por mais de uma vez que não pode fazer qualquer afirmação, estamos avaliando eventuais providências a serem tomadas. Cabe tão somente esclarecer que o crime em questão ocorreu em 2010 e minha filiação ao PTB, mais de três anos depois, o que torna totalmente descabido qualquer questionamento nesse sentido."
GZH também contatou os promotores Eugênio Paes Amorim e Lúcia Callegari, que participaram do júri de quarta-feira. Eles afirmaram que só se pronunciam sobre a questão em plenário.
A Corregedoria-Geral do Ministério Público do Rio Grande do Sul afirmou que vai instaurar expediente para avaliar a conduta do promotor de Justiça.
GZH falou também com o deputado federal Maurício Dziedricki, que diz nunca ter recebido auxílio da Reação e não ter contato com os donos da empresa. Em 2010, no ano do crime, Maurício era vereador pelo PTB em Porto Alegre. Atualmente, é deputado federal pelo Podemos.
Divergência entre instituições
Na época da morte de Eliseu, houve divergência entre a conclusão da polícia e do MP.
Em fevereiro de 2010, enquanto era secretário municipal de Saúde da Capital, ele foi morto a tiros quando se preparava para entrar no carro, acompanhado da esposa e da filha, na Rua Hoffmann, no bairro Floresta, minutos após deixar um culto.
O inquérito policial afirma que o secretário foi vítima de uma tentativa de roubo de carro com resultado morte. Ele teria sido escolhido de forma aleatória pelos criminosos, que integravam uma quadrilha de roubo de veículos.
Para o MP, no entanto, a morte aconteceu a mando dos donos da Reação, o réu Mello e seu sócio, Marcelo Machado Pio. Conforma a denúncia, Eliseu descobriu o esquema de corrupção e denunciou o caso, encerrando os contratos com a Reação, o que teria revoltado os empresários. Em razão de dívidas, a empresa acabou entrando em falência. Então, teria sido ordenada a morte do secretário, por vingança.
No julgamento de quarta, Mello negou a participação e se disse inocente. Contudo, a tese do MP foi aceita pelos jurados e o empresário foi condenado a 42 anos e dois meses de prisão em regime fechado.
O sócio dele, Marcelo Machado Pio, irá a julgamento em 23 de novembro. Nesta sessão, Ranolfo deve depor como testemunhas chamada pela defesa do acusado. No mesmo júri também será decidido o futuro do reú Jonatas Pompeu Gomes, acusado de ter participação no assassinato e ter trabalhado 40 dias na empresa Reação.
Ex-presidente do PTB vai a júri
No mesmo caso, também irá a júri José Carlos Elmer Brack, acusado de corrupção e ex-presidente do diretório do PTB de Porto Alegre na época do crime. Ele trabalhou na secretaria de Saúde, mas foi afastado por Eliseu Santos. Segundo denúncia do MP, ele estava envolvido no esquema de pagamento de propina.
Além dele, também foram denunciados por corrupção Marco Antônio de Souza Bernardes, advogado que era assessor jurídico da secretaria dirigida por Eliseu e é suspeito de cobrar a propina, e Cássio Medeiros de Abreu, enteado de Bernardes, comerciante que também é acusado pelo crime de corrupção porque intermediaria recebimento de propina da Reação.
Os três serão julgados em sessão marcada para 12 de dezembro.
No total, foram denunciadas pelo crime contra Eliseu 13 pessoas.