Nesta quarta-feira (19) ocorre a quarta etapa do júri de um dos mais rumorosos assassinatos ocorridos em Porto Alegre, o de Eliseu Santos, secretário da Saúde de Porto Alegre, morto a tiros em 2010 quando saía de um culto religioso. Está sendo julgado Jorge Renato Hordoff de Mello, acusado de ser um dos mandantes do crime. Ele era proprietário de uma empresa que fazia segurança em postos de saúde da Capital e, segundo a acusação, teria se revoltado ao saber que o secretário não renovaria os contratos.
Uma das curiosidades no júri é que policiais civis que participaram da investigação estão em lados opostos do caso. Na acusação foi ouvido, como testemunha, o agente Sylvio Edmundo dos Santos Júnior (hoje comissário). Ele trabalhava na Delegacia de Homicídios na época do assassinato e em seu depoimento disse ter se convencido de que Eliseu morreu numa emboscada, por ordem de empresários com os quais tinha desavenças. Já outros dois policiais, os delegados Bolivar Llantada dos Reis e Heliomar Athaydes Franco (que chefiavam aquela mesma delegacia, na época), serão testemunhas de defesa do réu Mello. Eles dizem que o secretário da Saúde foi morto durante uma tentativa de roubo de carro.
Ao todo foram acusadas 13 pessoas pelo crime, entre supostos mandantes, executores e motoristas dos veículos usados na fuga. Uma já morreu e três já foram condenadas. O empresário Mello é o quarto réu a ir a júri. Ele responde pelos crimes de homicídio qualificado (na condição de mandante), adulteração de sinal identificador de veículo automotor e corrupção ativa.
De acordo com os promotores de Justiça Lúcia Helena Callegari e Eugênio Amorim, que atuam na acusação, Eliseu Santos teria descoberto um esquema de pagamentos de propina a integrantes da secretaria, mediante o qual a empresa Reação, da qual Mello era sócio, garantia contratos de vigilância. O secretário teria cortado os contratos e, por isso, sido assassinado. É o mesmo teor do depoimento do policial Sylvio Edmundo dos Santos Júnior. O homicídio teria sido encomendado por Mello (que é julgado agora) e pelo sócio dele na empresa, Marcelo Machado Pio, "furiosos" porque a Reação ficou com dívidas após a ruptura dos contratos. A empresa acabou entrando em falência. Num processo interno que apurava a corrupção, Eliseu era testemunha de acusação contra Mello e Pio.
Marcelo Machado Pio também é réu no caso e deve ir a julgamento em 23 de novembro.
Essa versão do Ministério Público contraria totalmente as investigações oficiais da Polícia Civil, num raro episódio de discordância entre as duas instituições. O inquérito policial, conduzido pelos delegados Bolivar e Heliomar, concluiu que Eliseu foi morto num assalto, praticado por uma quadrilha de ladrões de carro, que tentou roubar o veículo do secretário nas proximidades de um supermercado na rua Hoffmann, bairro Floresta. Ao ser surpreendido pelos assaltantes, Eliseu teria sacado uma pistola e disparado várias vezes, inclusive atingindo um dos ladrões, que acabou matando o secretário. Essa versão foi admitida em depoimento por alguns dos criminosos, ao serem presos na época do crime.
O júri de Mello começou por volta das 10h no Foro Central, em Porto Alegre. Foram ouvidas cinco testemunhas de acusação: o policial Edmundo, a viúva de Eliseu (que disse que um dos matadores chamou o secretário pelo nome, antes de atirar), um compadre dele (que confirmou que o secretário tinha um dossiê sobre corrupção nos contratos da Reação), um ex-funcionário da Reação (que mencionou ter visto repasses de dinheiro em espécie feitos pelos sócios da Reação a um servidor da secretaria de Saúde) e um advogado que disse estar ameaçado de morte e se negou a detalhar o depoimento. Durante a tarde devem ser ouvidas outras cinco, de defesa. Depois destes depoimentos, o réu presta depoimento — ele pode optar por não falar.
Na sequência, começa a fase de debates entre acusação e defesa. Por fim, os jurados se reúnem e decidem se o réu é ou não culpado pelos crimes. Não há previsão se o júri avançará noite adentro ou terá continuidade na quinta-feira (20).
Os acusados
No total, 13 pessoas foram denunciadas no caso. Três já foram julgadas e condenadas: Eliseu Pompeo Gomes e Fernando Junior Treib Krol (sentenciados a 27 anos e 10 meses de prisão por terem disparado contra o secretário Eliseu) e Robinson Teixeira dos Santos (apontado como motorista do carro usado na fuga e sentenciado a 33 anos, cinco meses e 15 dias de prisão).
O quarto júri, do empresário Jorge Renato Hordoff Mello, acontece agora. Para 2022, estão previstos mais dois júris do caso. Em 23 de novembro, devem ser julgados Marcelo Machado Pio (o outro sócio da empresa Reação) e Jonatas Pompeu Gomes. Para 12 de dezembro, está agendado o júri de Cássio Medeiros de Abreu, Marco Antonio de Souza Bernardes e José Carlos Elmer Brack. Todos os réus negam que tenham envolvimento no crime. Outros dois acusados estão com processo em andamento e não têm previsão de irem a júri. Um terceiro, morreu no início deste ano.
O assassinato
Eliseu Felippe dos Santos, 63 anos, foi morto na noite de 26 de fevereiro de 2010. Ex-vice-prefeito da Capital, ele era secretário municipal de Saúde à época e se preparava para entrar no carro dele, acompanhado da esposa e da filha, na Rua Hoffmann, no bairro Floresta, minutos após deixar um culto. Santos foi abordado por criminosos e chegou a sacar uma pistola, tentando se defender, mas acabou atingido por uma sequência de disparos e não resistiu.