A perícia encontrou sangue humano em mais uma viatura da Brigada Militar (BM) que estava em serviço na noite do desaparecimento de Gabriel Marques Cavalheiro, 18 anos, em São Gabriel, na Fronteira Oeste. Os investigadores querem saber se o sangue é do jovem, que foi encontrado morto em açude uma semana depois da abordagem da BM. A informação consta no inquérito policial militar (IPM), ao qual a reportagem da RBS TV obteve acesso.
O sangue humano foi encontrado no porta-malas da viatura. O veículo estava sendo usado pela equipe da patrulha rural de São Gabriel na madrugada de 13 de agosto, quando houve a abordagem a Gabriel. Depois de uma semana, o jovem foi encontrado morto em um açude na localidade de Lava Pé, no mesmo município.
A perícia já havia encontrado sangue humano na viatura em que estavam os três policiais que abordaram Gabriel e que estão presos preventivamente por suspeita de envolvimento no crime. As duas amostras vão ser confrontadas com o material genético de Gabriel para saber se o sangue é dele.
O Instituto-Geral de Perícias (IGP), que fará o confronto genético entre as amostras encontradas nas viaturas da Brigada e o sangue de Gabriel, estima ter o resultado nas próximas semanas.
Conforme a investigação, esta segunda viatura na qual foi encontrado sangue humano se encontrou três vezes com a que estava sendo utilizada pelos três policiais que abordaram Gabriel naquela madrugada. A informação consta no IPM.
A investigação interna da Brigada Militar revela ainda que esta segunda viatura ficou parada das 3h55min até as 4h24min — ou seja, por quase meia hora — numa estrada rural da cidade.
Além disso, a apuração apontou que um dos policiais que estava neste carro da BM ligou três vezes durante a madrugada do dia 13 para o segundo-sargento Arleu Júnior Cardoso Jacobsen, um dos três presos pelo homicídio de Gabriel. As ligações, todas feitas entre as 4h e as 5h, foram feitas por um aplicativo de mensagens e não tiveram o conteúdo revelado.
A Brigada Militar apreendeu, na última sexta-feira (26), o celular deste policial que ligou para o sargento e de outros sete PMs que trabalhavam na noite do desaparecimento de Gabriel. Os aparelhos estão tendo as mensagens extraídas pelo núcleo de inteligência do Ministério Público, responsável pelas perícias em investigações da Corregedoria da BM.
Procurado, o comandante-geral da Brigada Militar, coronel Claudio dos Santos Feoli, afirmou que todos os policiais de serviço naquele dia já foram ouvidos. Segundo ele, até o momento nenhum outro PM é considerado suspeito. No entanto, ele destacou que se a investigação apontar possível envolvimento de outros policiais, eles serão afastados.
Troca de conversas
Nesta quarta-feira (31), o Jornal do Almoço revelou as conversas entre os três policiais presos pelo crime. Além de Jacobsen, estão detidos os soldados Cléber Renato Ramos de Lima e Raul Veras Pedroso.
As conversas mostram que os agentes chegaram a brincar com o desaparecimento e demonstraram preocupação com as buscas ao corpo do jovem. Parte dos textos havia sido apagada, mas o conteúdo foi recuperado pelo Núcleo de Perícias do Ministério Público (MP).
Em 13 de agosto, Lima mandou para Jacobsen a reprodução de uma rede social com a notícia sobre o caso. Na resposta, Jacobsen escreve:
"É culpa do gordinho... com a barriga cheia de baurú... kkkk".
Segundo a reportagem, o "gordinho" seria o outro policial que participou da abordagem a Gabriel, Raul Veras Pedroso. Conforme testemunhas, ele teria sido responsável por dar um tapa, algemar e dar três golpes de cassetete na cabeça do jovem.
Os soldados Pedroso e De Lima também conversam por mensagens, mas em tom diferente. Pedroso pergunta se o colega comentou com alguém sobre o caso e diz acreditar que o jovem abordado "não tá em 30", um código policial para óbito. O outro responde que "não sabe" se Gabriel estaria vivo.
Pedroso também comenta que, se Gabriel estivesse morto, alguém já tinha visto. De Lima responde: "Só se saiu e morreu de frio". O outro colega sugere que Gabriel poderia ter seguido a estrada, enquanto De Lima faz a primeira menção ao local exato onde o corpo foi encontrado: "Ou se atirou no açude ali perto".
A reportagem procurou, nesta quinta-feira, a família de Gabriel, que preferiu não dar entrevista. A advogada que representa os parentes diz que o "conteúdo das mensagens divulgadas na mídia mostra que as conclusões policiais estão no caminho correto".
Relembre o caso
Natural de Guaíba, Gabriel — que tinha se mudado havia apenas 15 dias — foi abordado no começo da madrugada de 13 de agosto, no bairro Independência, em São Gabriel. Após ser levado na viatura pelos três PMs, não foi mais visto. Uma semana depois, o corpo dele foi encontrado a dois quilômetros de onde ocorreu a abordagem, dentro de um açude.
Na ocorrência, os policiais haviam registrado que revistaram Gabriel e o liberaram. Com o sumiço, foram ouvidos em inquérito policial militar e admitiram ter levado o jovem para a localidade de Lava Pé. Alegando inocência, as defesas disseram que foi ele quem pediu para ser deixado naquele local, pois estaria procurando a casa de familiares.
No último dia 23, a juíza Juliana Neves Capiotti, da Vara Criminal de São Gabriel, decretou a prisão preventiva do trio. Os policiais — os soldados Raul Veras Pedroso e Cléber Renato Ramos de Lima e o segundo-sargento Arleu Júnior Cardoso Jacobsen — estão presos desde 19 de agosto por determinação da Justiça Militar. O decreto ocorreu, inicialmente, em função de irregularidades na condução da ocorrência.
Contrapontos
O que diz a defesa do sargento Jacobsen:
O advogado Ivandro Bittencourt, que defende o sargento, afirmou que o cliente é inocente e que só foi atrás das imagens porque pediram. Ele também disse que não perguntou ao cliente o motivo de ele ter apagado as mensagens.
O que diz a advogada dos soldados:
Vânia Barreto não atendeu as ligações da reportagem. Nos últimos dias, ela tem reforçado a inocência dos seus clientes.