A reportagem da RBS TV teve acesso a trocas de mensagens por aplicativos entre os três policiais militares investigados pela morte de Gabriel Marques Cavalheiro, 18 anos, ocorrida em São Gabriel, na Fronteira Oeste. As conversas, exibidas no Jornal do Almoço desta quarta-feira (31), mostram que os agentes chegam a brincar com o desaparecimento e demonstram preocupação com as buscas ao corpo do jovem.
Parte das mensagens havia sido apagada, mas o conteúdo foi recuperado pelo Núcleo de Perícias do Ministério Público (MP).
Em 13 de agosto, um dia após o desaparecimento de Gabriel, o soldado Cléber Renato Ramos de Lima manda para o segundo-sargento Arleu Júnior Cardoso Jacobsen a reprodução de uma rede social com a notícia sobre o caso. Na resposta, Jacobsen escreve:
"É culpa do gordinho... com a barriga cheia de baurú... kkkk".
Segundo a reportagem, o "gordinho" seria o outro policial que participou da abordagem a Gabriel, Raul Veras Pedroso. Conforme testemunhas, ele teria sido responsável por dar um tapa, algemar e dar três golpes de cassetete na cabeça do jovem.
Os soldados Pedroso e De Lima também conversam por mensagens, mas em tom diferente. Pedroso pergunta se o colega comentou com alguém sobre o caso e diz acreditar que o jovem abordado "não tá em 30", um código policial para óbito. O outro responde que "não sabe" se Gabriel estaria vivo.
Pedroso também comenta que, se Gabriel estivesse morto, alguém já tinha visto. De Lima responde: "Só se saiu e morreu de frio". O outro colega sugere que Gabriel poderia ter seguido a estrada, enquanto De Lima faz a primeira menção ao local exato onde o corpo foi encontrado: "Ou se atirou no açude ali perto".
Preocupado, Pedroso ainda diz: "Tomara que não dê ladaia isso aí" — ladaia é uma gíria para incomodação. E vai além, afirmando que só daria confusão "se aquela mulher da casa abrir a boca", se referindo a uma possível testemunha. Foi o que aconteceu e deu início aos detalhes da investigação.
Já na madrugada do dia 14, Pedroso volta a mandar mensagens para o colega. Ele avisa que "ligaram do QTL", o quartel na linguagem policial, e que alguém viu Gabriel entrando na viatura. Também diz que a Polícia Civil já sabe. Ele ainda comenta que o jovem "tem que aparecer, de preferência, vivo".
Ainda em 14 de agosto, o soldado Pedroso pede para se encontrar com o sargento Jacobsen em casa, situação que se repete pelo menos uma outra vez ao longo da semana após o desaparecimento. Eles também fazem ligações por meio de aplicativo de mensagens, forma que apresenta mais dificuldade de ser acompanhada na investigação.
Já no dia 15 de agosto, dois dias após o desaparecimento, Pedroso procura o sargento Jacobsen. Ele pergunta "qual a situação" e se daria "em alguma coisa". O sargento diz que falou com um tenente e que à tarde o superior falaria com a família.
Em 16 de agosto, o sargento avisa o soldado Pedroso que um morador possui imagens da viatura passando e passa o endereço e o número de celular, caso ele quisesse "fazer a mão". A reportagem ligou para este morador, que pediu para não se identificar.
— Ele esteve na segunda-feira (dia 15) aqui, pediu para olhar as câmeras, se tinha algum problema. Até então, não estava sabendo de nada, da função do brigadiano envolvido. Aí eu mostrei pra ele as imagens. Ele olhou, fez as anotações dele numa folha. Agradeceu, mas levou um tempo bom ali. Uma hora e meia, não tenho bem certeza — conta o homem.
O morador afirma que foi o sargento Jacobsen quem esteve na sua casa. E ainda informou que dias depois a Corregedoria da Brigada Militar e a Polícia Civil voltaram à residência.
No dia 17, Pedroso acompanha as buscas feitas pelos bombeiros ao corpo e vai repassando informações ao sargento. Avisa que uma rádio informou que acharam a jaqueta de Gabriel. O sargento questiona se foi na barragem.
No mesmo dia, o soldado mandou mensagem para o sargento dizendo que precisavam se mexer e pensar juntos. Eles comentam de manter o que foi declarado em depoimento, de que deixaram o rapaz no local e seguiram trabalhando durante a madrugada. Pedroso também fala que eles precisam conversar com a advogada.
Com a intensificação das buscas, não há registro de troca de mensagens em 18 de agosto. A última vez que os soldados teriam falado sobre o caso por mensagem é no dia 19. Naquele mesmo dia, o corpo de Gabriel foi encontrado à tarde e, de noite, os três policiais foram presos.
O que dizem as defesas
Sobre a troca de mensagens, o advogado Ivandro Bittencourt, que defende o sargento Jacobsen, afirmou que o cliente é inocente e que só foi atrás das imagens porque pediram. Ele também disse que não perguntou ao cliente o motivo de ele ter apagado as mensagens. Sobre ter acompanhado as buscas a Gabriel, disse que foi "por preocupação".
A advogada dos soldados Cléber Renato Ramos de Lima e Raul Veras Pedroso foi procurada pela reportagem, mas não atendeu as ligações.
Relembre o caso
Natural de Guaíba, Gabriel — que tinha se mudado havia apenas 15 dias — foi abordado no começo da madrugada de 13 de agosto, no bairro Independência, em São Gabriel. Após ser levado na viatura pelos três PMs, não foi mais visto. Uma semana depois, o corpo dele foi encontrado a dois quilômetros de onde ocorreu a abordagem, dentro de um açude.
Na ocorrência, os policiais haviam registrado que revistaram Gabriel e o liberaram. Com o sumiço, foram ouvidos em inquérito policial militar e admitiram ter levado o jovem para a localidade de Lava Pé. Alegando inocência, as defesas disseram que foi ele quem pediu para ser deixado naquele local, pois estaria procurando a casa de familiares.
No último dia 23, a juíza Juliana Neves Capiotti, da Vara Criminal de São Gabriel, decretou a prisão preventiva do trio. Os policiais — os soldados Raul Veras Pedroso e Cléber Renato Ramos de Lima e o segundo-sargento Arleu Júnior Cardoso Jacobsen — estão presos desde 19 de agosto por determinação da Justiça Militar. O decreto ocorreu, inicialmente, em função de irregularidades na condução da ocorrência.