O que já se falava nos bastidores das investigações sobre a morte de Gabriel Marques Cavalheiro, 18 anos, se confirmou nesta segunda-feira (29). O jovem foi agredido até morrer. Os detalhes foram apresentados em entrevista coletiva da cúpula da segurança pública, que contou também com a presença do Ministério Público, na Secretaria da Segurança Pública, em Porto Alegre.
— Conforme o laudo de necropsia, a morte de Gabriel ocorreu por perda sanguínea causada por ruptura de vasos na região cervical, com sinais de ação por instrumento contundente. Ou seja, uma hemorragia interna — resumiu a diretora-geral do Instituto-Geral de Perícias (IGP), Heloísa Helena Kuser.
— Mesmo com o corpo imerso na água, não há nenhum sinal de afogamento. Pulmão, traqueia sem líquido, sugerindo que a morte ocorreu antes da submersão — complementou Heloísa, ao ler mais um trecho do laudo.
Outra constatação da perícia é de que Gabriel foi morto antes de ser jogado no açude. Além disso, o jovem tinha outra lesão na região da cabeça, num indicativo de que foi espancado até a morte.
Gabriel desapareceu no dia 13 de agosto quando foi visto pela última vez sendo colocado dentro de uma viatura da Brigada Militar após abordagem no bairro Independência, em São Gabriel, na Fronteira Oeste. O corpo do jovem foi encontrado no dia 19 dentro de um açude na localidade de Lava Pé, cerca de dois quilômetros do local da abordagem.
Os três policiais militares que participaram da ocorrência estão presos preventivamente, suspeitos de envolvimento na morte — os soldados Raul Veras Pedroso e Cléber Renato Ramos de Lima e o segundo-sargento Arleu Júnior Cardoso Jacobsen.
Homicídio doloso
A Polícia Civil investiga o crime de homicídio doloso — quando há intenção de matar — que teria sido praticado pelos PMs e deve concluir o inquérito até quinta-feira (1º). A Brigada Militar deve concluir ainda nesta segunda-feira o inquérito policial militar (IPM).
Conforme o delegado Fábio Motta Lopes, chefe da Polícia Civil, o resultado da necropsia vai ao encontro do que a investigação constatou por meio de outras provas.
— Naquilo que cabe à Polícia Civil o laudo reforça a tese do homicídio qualificado, que é o crime que será, ao que tudo indica, analisado, processado, e julgado pelo Tribunal do Júri, em São Gabriel — destacou Lopes.
O chefe da Polícia Civil disse que não há indícios de participação de mais pessoas no crime, além dos PMs. Ainda não se sabe como o corpo de Gabriel foi jogado no açude. Além da viatura, um carro particular pode ter sido usado para ocultação do cadáver por parte dos policiais.
O comandante-geral da Brigada Militar, coronel Claudio dos Santos Feoli, disse que o resultado do laudo pericial “traz mais robustez ao conteúdo probatório que vem sendo investigado”. Adiantou que o IPM resultará no encaminhamento da exclusão dos PMs dos quadros da corporação.
— O cometimento dos seguintes crimes militares por parte dos três policiais que estão presos: falsidade ideológica com concurso de agentes, ocultação de cadáver e outras condutas transgressionais da nossa instituição que são previstas na lei 10.990 (lei que dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Militares da Brigada Militar) — destacou Feoli.
O comandante disse que a Brigada Militar (BM) tem o “dever de aplicar a lei e salvar vidas” e que esse caso é exceção na corporação.
— Mas nós somos 18 mil. Em 18 mil indivíduos, por melhor que seja a nossa formação e os nossos atos de preservação e manutenção de instrução, nós temos esse componente humano. E existe em qualquer organização. Infelizmente, quando esse componente humano se manifesta dessa forma, em dissonância ao que a instituição é vocacionada e o que os nossos procedimentos operacionais padrão preveem, não nos resta outra alternativa senão extirpá-los dos nossos meios — disse Feoli, salientando que a BM vem revendo de forma rotineira suas ações.
O subprocurador-geral para Assuntos Institucionais do Ministério Público, Júlio César de Melo, destacou que há indicativo de crime doloso contra a vida. Caberá à instituição oferecer as denúncias após a conclusão dos inquéritos pela Polícia Civil e Brigada Militar. Todo o material resultante das investigações será analisado “com rigor técnico”, segundo Melo.
O secretário da Segurança, Vanius Cesar Santarosa, voltou a lamentar a conduta dos PMs.
— Nos solidarizamos com a dor da família do Gabriel. Não há palavras que eu possa dizer que vá confortar o coração da família. Gostaria de salientar que todo o policial quando ingressa nas fileiras das polícias jura defender a sociedade com o risco de perder a própria vida. E esses três policiais não cumpriram isso. Fizeram ao contrário. Descumpriram os manuais operacionais, descumpriram a orientação operacional da Brigada Militar e por isso são alvo dessa investigação integrada, transparente, rígida que será cortado na carne. Serão submetidos às duras penas dos regulamentos militares e da Justiça comum — disse Santarosa.
Contrapontos
O que diz a defesa de Jacobsen
O advogado Ivandro Bitencourt Feijó enviou nota a GZH:
“A defesa recebe o laudo de necropsia e continua confinante na inocência do 2o sargento Jacobsen. Estamos compreendendo os termos do laudo e os achados médicos. Muitas dúvidas ainda se encontram pairando no caso. Mas seguimos buscando a dinâmica dos fatos, especialmente em que momento ocorreu essas lesões e quais os demais desdobramentos”.
O que diz a defesa dos soldados
GZH deixou recado para a advogada Vânia Barreto, que defende os soldados Raul Veras Pedroso e Cléber Renato Ramos de Lima, mas ainda não obteve retorno.
O que diz a Brigada Militar
A corporação enviou uma nota oficial pouco antes das 22h desta segunda-feira. Confira na íntegra:
"Em relação à morte do jovem Gabriel Marques Cavalheiro, a Brigada Militar, em primeiro lugar, se solidariza com a família, e estende seu sentimento de pesar aos entes próximos ao jovem.
A divulgação do Laudo de Necropsia, na segunda-feira, 29 de agosto, comprovou o que as investigações do Inquérito Policial Militar indicavam, sendo a informação que faltava para a conclusão do IPM, que foi alcançada dentro do menor prazo possível observando-se questões essenciais na obtenção de informações que se configurassem em elementos de prova com robustez e outros requisitos.
A Corregedoria-Geral concluiu as investigações e encaminhou hoje o inquérito à Justiça Militar, com o indiciamento dos três integrantes da guarnição pelo crime de homicídio doloso com as qualificadoras de: motivo fútil; tortura; recurso insidioso que tornou impossível a defesa da vítima e, prevalecendo-se da situação de serviço, e falsidade ideológica, condutas previstas no Código Penal Militar. Ainda, foram indiciados pelo crime militar, por extensão, de ocultação de cadáver.
Em relação às condutas transgressionais praticadas pelos indiciados verificou-se, em tese, a prática de transgressão grave da disciplina policial militar após inobservância dos preceitos institucionais previstos no Estatuto dos Militares Estaduais do RS: amar a verdade e a responsabilidade como fundamento da dignidade pessoal; exercer com autoridade, eficiência e probidade as funções que lhe couberem em decorrência do cargo; respeitar a dignidade da pessoa humana; cumprir e fazer cumprir as leis, os regulamentos, as instruções e as ordens das autoridades competentes; empregar as suas energias em benefício do serviço; proceder de maneira ilibada na vida pública e na particular; zelar pelo bom nome da Brigada Militar e de cada um dos seus integrantes, obedecendo aos preceitos da ética do servidor militar; zelar pela probidade e a lealdade em todas as circunstâncias; e zelar pelo rigoroso cumprimento das obrigações e das ordens.
Ainda, identificou-se, em tese, a prática de transgressões disciplinares previstas no Regulamento Disciplinar da Brigada Militar, a saber: condutas dolosas tipificadas como crimes, atentatórias ao sentimento do dever ou à dignidade policial-militar; faltar com a verdade; trabalhar mal, intencionalmente; deixar de cumprir ordem regulamentar ou legal; com agravantes de conluio de duas ou mais pessoas; durante a execução de serviço; e em presença de público.
Diante de tais condutas irregulares também será instaurado Conselho de Disciplina, instrumento que avaliará a capacidade dos investigados de permanecer nas fileiras da Instituição.
A Brigada Militar está atenta ao ocorrido e seus desdobramentos, uma vez que o fato não reflete o papel da Instituição e de seus integrantes, que é de aplicar a lei e salvar vidas.
A Instituição frisa que desvios de conduta protagonizados por militares estaduais sempre serão tratados com rigor, buscando a justiça para com a sociedade e também para com a esmagadora maioria de sua tropa, composta por policiais corretos, honrados e que prestam bons serviços à comunidade.
A Brigada Militar reitera às pessoas que busca diuturnamente a preservação dos seus valores, cultivados ao longo de seus 184 anos, e que buscará, além da responsabilização dos autores dos crimes, instrumentos institucionais de seleção, capacitação contínua, correição e quaisquer outros que possam evitar que casos como esse ocorram novamente, renovando mais uma vez seu lema, de ser A FORÇA DA COMUNIDADE."