No início da noite de 29 de julho, Yasmin Vaz dos Santos Rodrigues, 26 anos, procurou a polícia no Litoral Norte relatando que o único filho, Miguel dos Santos Rodrigues, sete anos, havia desaparecido. Horas depois, a mulher confessaria um crime que estarreceu os policiais e chocou o Estado.
A mãe contou ter espancado a criança, dopado-a com medicamentos, e arremessado o corpo no Rio Tramandaí. Assim como ela, a companheira, Bruna Nathiele Porto da Rosa, 23, também está detida. As duas respondem na Justiça pelo assassinato do garoto, que até agora não teve o corpo encontrado. Mesmo com o processo já em curso, a Polícia Civil segue reunindo novas provas.
A investigação é conduzia pelo delegado Antônio Carlos Ractz Júnior, que atua há mais de 20 anos na polícia. Em uma rede social, no dia 5 de agosto, definiu aquela como a pior semana de sua vida. “Queria que tudo fosse mentira. Queria ter evitado”, desabafou.
Dias depois, o policial indiciou Yasmin e Bruna pelos crimes de homicídio duplamente qualificado, ocultação de cadáver e tortura. Yasmin foi encaminhada para a Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba, enquanto Bruna chegou a permanecer na mesma prisão, mas foi levada para o Instituto Psiquiátrico Forense após tentativa de suicídio. Ambas estão presas de forma preventiva.
Além dos depoimentos das duas, já foram localizados indícios do crime, como imagens de câmeras, pesquisas na internet e trocas de mensagens (veja mais abaixo). Mas a investigação segue, para tentar obter outras provas — e um dos caminhos é a análise do que foi extraído dos telefones das duas.
No celular de Yasmin foram encontradas 60 mil imagens, 3,8 mil áudios e 882 vídeos. Do aparelho de Bruna, foram extraídas 46 mil imagens, 662 áudios e 661 vídeos. Também são analisados e-mails e mensagens em redes sociais.
— São milhares de arquivos, e todos estão sendo analisados. E tudo que encontramos até agora reforça o que já tínhamos concluído — afirma o delegado.
A polícia ainda pretende ouvir mais pessoas que possuem relações com as duas e solicitou que seja realizada a reprodução simulada dos fatos, popularmente conhecida como reconstituição. Por meio dela, a apuração pretende esclarecer alguns pontos sobre a dinâmica do crime.
A defesa de Yasmin, no entanto, já afirmou que ela não participará da perícia e que só falará sobre o caso em juízo. Já a defesa da madrasta diz que não se opõe à realização do procedimento, desde que haja liberação médica para que ela participe.
O Ministério Público denunciou a mãe e a madrasta pelos mesmos crimes apontados pela polícia, mas entendeu que o homicídio foi triplamente qualificado. O promotor André Luiz Tarouco entendeu que, além do recurso que impossibilitou a defesa da vítima e do meio cruel, o crime também foi cometido por motivo torpe. Para a acusação, foi o fato de Miguel ser considerado um entrave para o relacionamento das duas que sentenciou a morte do garoto.
— Todos os elementos probatórios continuam reforçando essa constatação de que o menino era empecilho para a convivência do casal — diz o promotor.
A denúncia foi aceita pela Justiça no dia 16 de agosto, e as duas se tornaram rés no processo. Depois disso, o juiz da 1ª Vara Criminal de Tramandaí, Gilberto Pinto Fontoura, determinou que Yasmin fosse citada (quando toma conhecimento formalmente dos crimes pelos quais responde e recebe prazo para se manifestar). Desde então, o processo contra a mãe segue na mesma situação, aguardando os advogados dela apresentarem resposta.
No caso de Bruna, a ação está suspensa até que haja resultado da perícia psiquiátrica a qual ela está sendo submetida. A Justiça converteu na quinta-feira (26) a prisão temporária dela (que se encerraria no dia 30 de agosto) em preventiva. “A gravidade e repercussão dos fatos, bem como o indicativo da sua periculosidade, nesse momento não permite outro encaminhamento”, argumentou o magistrado na decisão. Com isso, a prisão da madrasta passa a ter prazo indeterminado.
Buscas no Litoral
Os bombeiros chegaram nesta sexta-feira ao 30º dia de buscas ao corpo do garoto. Apesar do tempo limpo, com sol radiante, e praticamente sem vento, enfrentam mais um dia de água bastante turva (cor chocolate).
— Lamentável, quando não é uma circunstância negativa é outra. Triste — descreveu o tenente Elísio Lucrécio, comandante dos bombeiros de Tramandaí e responsável pelas buscas.
Desde que Yasmin confessou o crime, as equipes realizaram uma série de tentativas de localização. Inicialmente a operação se deu no Rio Tramandaí, onde foram empregadas embarcações, equipamentos e mergulhadores. Depois, as buscas foram ampliadas para a orla da praia, na extensão de Torres até Mostardas.
Diariamente, os bombeiros continuam percorrendo a beira-mar, em busca de pistas, mas nada foi localizado até agora. Devido ao tempo que se passou, uma das hipóteses é de que o corpo já tenha sido arrastado para longe do Litoral do Estado.
Evidências reunidas até agora
Vídeos – foram obtidas imagens que mostram o menino Miguel dentro de um armário. Os vídeos foram gravados na primeira pousada onde os três moraram em Imbé, na praia de Santa Terezinha. Em um dos momentos, a madrasta ameaça espancar o menino. Em um dos vídeos, o garoto diz que tenta chamar a atenção da mãe para que ele possa sair do guarda-roupas e para que ela volte a dar “lanchinhos” para ele. Para a acusação, isso demonstra que ele era torturado, com castigos, que incluíam ficar preso e sem comer.
Imagens de câmeras – a polícia obteve e divulgou imagens que flagram o trajeto realizado por Yasmin e Bruna na madrugada do dia 29 de julho entre a pousada onde elas viviam, na Rua Sapucaia, na área central de Imbé, e as margens do Rio Tramandaí. Uma das câmeras flagrou Yasmin transportando a mala no braço, e Bruna caminhando ao lado dela. O mesmo equipamento registrou o momento em que duas retornaram abraçadas e já sem a mala, onde estaria o corpo do menino.
Mala – A mala na qual o garoto teria sido transportado foi encontrado em uma lixeira em frente a uma residência. O local foi indicado pelas próprias presas. A mala foi encaminhada para perícia, na tentativa de localizar vestígios e segue em análise.
Mensagens – Conversas entre a mãe e a madrasta, e também de Bruna com outras pessoas, são apontadas como provas de que o menino era visto como empecilho para a relação das duas. Em uma das trocas de mensagens, segundo o Ministério Público, a madrasta se refere ao garoto como “lixo”. Para a acusação, o fato de ele ser visto como um entrave para a relação foi o motivo que levou ao crime.
Pesquisas na internet – Entre os dias 26 e 29 de julho, pesquisas foram realizadas na internet com o celular de Yasmin. Os dados foram extraídos do aparelho pela polícia. Para a acusação, são provas que ajudam a entender a dinâmica do crime. Em uma das buscas, tenta-se descobrir se a água do mar é capaz de apagar impressões digitais. Ainda no dia 26, a pesquisa se dá sobre o que fazer quando uma criança tem alucinações. Neste momento, a acusação entende que o menino já havia sido espancado e sofria com as sequelas das agressões.
Cadernos – Foram encontrados cadernos do menino, nos quais, segundo a acusação, ele era obrigado a escrever frases ofensivas. Miguel seria obrigado a copiar frases com insultos, onde escrevia "eu sou um idiota", "não mereço a mamãe que eu tenho", "eu sou ruim", "eu não presto" e "a minha mamãe é maravilhosa e eu sou péssimo".
Corrente e cadeados – A polícia aprendeu cadeados que teriam sido usados para manter o menino preso. Uma corrente foi encontrada no lixo do banheiro da última pousada onde elas moraram. Nela, havia material genético compatível com o de Miguel. A acusação afirma que a mãe e a madrasta tinham o hábito de acorrentar a criança, como forma de castigo e tortura.
Poço de luz – Os peritos recolheram um fio de cabelo dentro de uma peça atrás do box do banheiro (um poço de luz), onde, segundo a polícia, o garoto era mantido trancado. A peça tinha cerca de um metro quadrado, era escura e fria. O cabelo pertencia a Miguel.
Camiseta com sangue – Outra evidência descoberta ao longo da apuração foi uma camiseta infantil, com sangue humano. A análise do Instituto-Geral de Perícias (IGP) concluiu que o DNA é compatível com o de um filho de Yasmin — Miguel era o único dela. Para a apuração, isso indica que o menino era vítima de agressões.
Contrapontos
O que diz a defesa de Yasmin
O advogado Jean Severo, um dos que representa a mãe do menino no processo, diz que ela se declara inocente e que só apresentará a versão do que aconteceu em juízo.
– Nós obtivemos informações de que até o fato, acontecido, a Yasmin sempre foi uma boa mãe. Vai ser muito importante o que ela tem para contar no interrogatório, onde ela vai esclarecer todos os pontos – afirma.
O que diz a defesa de Bruna
GZH entrou em contato com a advogada Helena Von Wurmb, que atua em nome de Bruna, e aguarda retorno. Em manifestação anterior, a defesa havia afirmado que “quanto às provas produzidas até o presente momento fica claro que nenhuma serve a comprovar nenhum envolvimento da Bruna no homicídio do Miguel. (...) Reafirmamos, a Bruna não teve nenhum envolvimento na morte do menino”. A nota era assinada também pela advogada Fernanda Ferreira.