Um caso que chegou à polícia como um possível desaparecimento, revelou um crime estarrecedor e descortinou uma série de violências sofridas por um menino de sete anos. Duas mulheres estão presas no Litoral Norte, após terem confessado que Miguel dos Santos Rodrigues foi espancado, dopado e arremessado em um rio na semana passada. Desde que as duas admitiram a morte, são realizadas buscas pelo corpo do menino.
Em 15 pontos, entenda os detalhes da apuração.
Como caso chegou à polícia?
Na quinta-feira (29), Yasmin Vaz dos Santos Rodrigues, 26 anos, procurou a Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento de Tramandaí. A mulher disse que o filho Miguel, sete anos, havia desaparecido dois dias antes. Alegou que só decidiu registrar naquele dia porque pesquisou na internet que era necessário aguardar 48 horas para informar desaparecimentos (esse tipo de registro deve ser feito de forma imediata).
O que levou a polícia a desconfiar da mãe?
Alguns pontos do relato de Yasmin, como a demora para registrar o caso, levantaram suspeitas. Policiais foram até a pousada onde ela residia com a companheira, Bruna Nathiele Porto da Rosa, 23 anos. Segundo a polícia, Bruna disse algumas palavras soltas, que remetiam ao enteado, mala e rio. Por fim, as duas relataram que o garoto estava morto e que o corpo dele havia sido arremessado no Rio Tramandaí. A mãe foi presa em flagrante pelos crimes de homicídio, ocultação de cadáver e resistência.
Por que a companheira da mãe não foi presa em flagrante?
Inicialmente, a polícia suspeitou de que Bruna pudesse sofrer de problemas mentais, pela forma como ela se comportou no dia em que Yasmin foi presa. A polícia então solicitou que fosse realizada uma análise psiquiátrica. O médico concluiu que ela possui leve grau de autismo. Enquanto isso, a polícia seguia apurando qual a responsabilidade dela no crime.
Por que a companheira foi presa no domingo?
A polícia conseguiu autorização para acessar conteúdos no celular de Bruna. Mensagens e vídeos obtidos no aparelho levaram os policiais a concluírem que ela teve, no mínimo, participação nos maus-tratos ao garoto. Em vídeos, a mulher aparece ameaçando espancar o menino e mantendo o garoto trancado dentro de um armário. A forma como ela fala no vídeo, com boa desenvoltura, formando raciocínios e frases, diverge, segundo a polícia, de como ela havia se apresentado no dia da prisão de Yasmin. Bruna foi presa de forma temporária.
As duas confessaram o crime?
Não. Yasmin alega que espancou o filho, ministrou medicamento (fluoxetina) porque ele estava gemendo de dor, e depois decidiu jogar o corpo no rio. A mãe afirma ainda que não tem certeza se ele estava morto quando foi jogado. Já Bruna tem pontos divergentes no depoimento. Ela diz que Yasmin espancou o menino na segunda-feira, e que, muito machucado, o garoto morreu ao entardecer de quarta-feira. Depois disso, Yasmin teria quebrado membros da criança para que ele coubesse na mala. Bruna nega ter participado do crime.
Como teria sido feito trajeto até o rio?
As duas mulheres alegam que o corpo de Miguel foi colocado dentro de uma mala. Elas relatam que na madrugada de quinta-feira usaram ruas paralelas para seguir da pousada onde viviam, na Rua Sapucaia, até as margens do Rio Tramandaí. O trajeto é de cerca de dois quilômetros. No local, teriam aberto a mala e jogado o corpo da criança. Yasmin inclusive refez o percurso na semana passada, indicando aos policiais por onde teria passado.
O que teria motivado o crime?
Em depoimento, Yasmin relatou que se irritava com o fato de o menino não comer ou de comer o que não podia, por ser intolerante a lactose. Segundo o delegado Antônio Carlos Ractz Júnior, a mulher se referia ao filho como mal-educado e não demonstrava afeto pela criança. Em mensagens obtidas no celular de Bruna, ela fala sobre o garoto dizendo que ele atrapalhava o relacionamento das duas.
Pode haver participação de mais uma pessoa no crime?
Nas mensagens obtidas no celular de Bruna, a polícia identificou o nome de um homem. Ela afirma para Yasmin que esse homem teria dito para que ela prendesse o garoto com mais força para que ele não se soltasse. Em depoimento, Bruna alegou que esse é o nome de uma voz imaginária. A polícia, no entanto, tenta identificar quem eram as pessoas que mantinham contato com as duas mulheres para saber se uma terceira pessoa pode ter participação.
Por que vizinhos não denunciaram os maus-tratos?
As duas mulheres residiam desde 15 de julho em uma pousada em Imbé, na área central do município, perto da prefeitura. A proprietária do imóvel diz que elas sequer informaram que o menino morava com elas. Yasmin teria dito que o filho estava com a avó materna. A polícia afirma que elas mantinham Miguel trancado em um armário. Há possibilidade de que já estivessem usando medicamentos para manter o menino dopado. Um vizinho, no entanto, segundo o delegado, disse ter ouvido gritos na terça-feira, mas isso só foi comunicado após o crime vir à tona. A polícia ainda está buscando ouvir antigos vizinhos das mulheres, em outra pousada.
O Conselho Tutelar acompanhava o caso?
O Conselho Tutelar de Imbé afirma que a primeira vez que foi chamado por algum caso envolvendo o menino foi quando a mãe buscou a DP para relatar o desaparecimento. Até o momento, segundo o conselho, não havia denúncias sobre possíveis maus-tratos.
Os maus-tratos não foram percebidos na escola?
O menino estava matriculado no 2º ano da Escola Municipal Olavo Bilac, no bairro Harmonia, em Imbé, desde maio. O menino, no entanto, não frequentava as aulas de forma presencial, em razão da pandemia. As atividades eram realizadas de forma remota. Antes de residir em Imbé, o menino teria estudado na Serra, onde residia.
Familiares não perceberam os maus-tratos?
A polícia apura o que os familiares sabiam sobre a situação em que vivia o menino e porque não interviram. Os familiares de Yasmin residem em Paraí, na Serra, e os de Bruna em Porto Alegre. As duas se conheceram pela internet e se relacionavam há pouco mais de um ano. Elas teriam ido para o Litoral Norte no começo deste ano, em razão de uma oferta de emprego. A avó materna de Miguel havia ingressado um mês e 20 dias antes do crime com pedido para ficar com a guarda do garoto.
Por que a polícia acredita que o garoto está morto?
Essa conclusão se baseia tanto nos depoimentos das duas mulheres, que relatam que ele está morto, como em alguns pontos que foram verificados pelos policiais. Na casa, um azulejo, onde o menino teria batido a cabeça enquanto era espancado foi encontrado quebrado. O armário, onde ele era mantido trancado, foi desmontado. Além disso, o menino não foi mais localizado.
Há certeza de que o corpo foi arremessado no rio?
As duas mulheres, em depoimento, mantiveram a versão de que o corpo do menino foi jogado no Rio Tramandaí. A polícia apura essa versão, mas acredita que o garoto tenha sido mesmo arremessado nas águas. A mala que elas contam ter sido usada para o transporte foi encontrada em uma lixeira próxima do rio. Os bombeiros seguem fazendo buscas para tentar localizar o corpo da criança.
Quais os próximos passos?
A polícia segue investigando desde quando o menino era vítima de maus-tratos e até mesmo tortura física e psicológica. Também investiga se mais alguém pode ser responsabilizado pelo crime. A casa onde elas moravam passou por perícia e a Polícia Civil vai solicitar uma reprodução simulada dos fatos. Os celulares das duas serão analisados de forma minuciosa para tentar buscar pistas e provas sobre os maus-tratos sofridos pelo menino. As duas seguem presas.
Contrapontos
O advogado Bruno Vasconcelos, até então responsável pela defesa de Yasmin, informou na tarde desta terça-feira (3) que deixará a defesa da presa. Em nota, o advogado disse que comunicará o juízo competente que não atuará mais na defesa técnica dela e que não comentará o caso. GZH entrou em contato com o Tribunal de Justiça para saber se uma nova defesa foi constituída e aguarda retorno.
A advogada Josiane Tristão Silvano, que defende Bruna, informou que está analisando o inquérito e as provas e que só deve se manifestar após conversar novamente com a cliente.