Ao longo de duas horas, Bruna Nathiele Porto da Rosa, 23 anos, narrou à Polícia Civil como teriam sido os últimos dias vividos pelo enteado, Miguel dos Santos Rodrigues, de apenas sete anos, desaparecido no Litoral Norte. Na semana passada, a mãe da criança, Yasmin Vaz dos Santos Rodrigues, 26 anos, já havia confessado ter arremessado o filho no Rio Tramandaí.
As duas mulheres estão presas, suspeitas de terem torturado e assassinado o garoto. Buscas pelo corpo são realizadas na orla, numa área de cerca de 90 quilômetros.
Bruna foi ouvida novamente no domingo (1º), após a Polícia Civil acessar conteúdos do telefone celular dela, que havia sido apreendido. Na semana passada, somente Yasmin tinha sido presa. À época, a polícia não lavrou o flagrante por homicídio porque havia suspeitas de que Bruna pudesse sofrer de problemas mentais.
Bruna foi submetida a uma análise psiquiátrica e, conforme a polícia, a avaliação indicou que ela possui grau leve de autismo. Os vídeos e mensagens encontrados no aparelho levaram os agentes a concluírem que ela teve participação, no mínimo, nos maus-tratos ao garoto.
Um ponto que chamou a atenção da polícia é um nome masculino, citado em troca de mensagens. Na conversa, a madrasta comunica a mãe do menino que o garoto se soltou — as duas confessaram que mantinham a criança trancada em um guarda-roupas, e imagens obtidas no celular mostram o menino dentro do armário, sendo ameaçado.
Na mensagem, Bruna escreve o nome de um homem, dizendo que ele prendeu o menino de novo e deu comida para ele. "Ele mandou te dizer pra ti prender mais forte daí", escreveu a companheira. Quando confrontada pelos agentes, ela negou que outra pessoa tenha participado das torturas.
— Ela alega que esse nome é de uma voz imaginária. Que teria amigos imaginários, com quem conversa. É o que ela diz. Mas estamos investigando quem frequentava o apartamento — afirma o delegado Antônio Carlos Ractz Júnior, que se diz convencido de que Miguel está morto.
A polícia está buscando descobrir quais pessoas tinham contato com as mulheres e quem pode ser o homem apontado nas mensagens — caso isso se confirme, pode indicar a participação de uma terceira pessoa nos maus-tratos.
As duas moravam há cerca de duas semanas com a criança em uma pousada, na área central de Imbé, onde mantinham o menino escondido. Miguel não saía para a rua para brincar com as outras crianças que moram no local e não era visto pelos demais moradores. Quando alugou o lugar, em 15 de julho, Yasmin afirmou à proprietária da pousada que o filho estava com a avó materna.
Azulejo quebrado
Ainda no domingo, os policiais retornaram à pousada para conferir alguns pontos do relato da madrasta. Quando ouvida, Bruna contou que na segunda-feira Yasmin empurrou o garoto com força, fazendo com que ele batesse a cabeça contra um azulejo. No mesmo dia, ela teria espancado a criança no banho — o menino teria morrido dois dias depois, ao anoitecer de quarta-feira. Os agentes constaram que realmente o azulejo estava partido, como se tivesse sido alvo de uma pancada forte.
Também no relato, Bruna disse que o menino passou a maior parte dos últimos dois dias de vida trancado no armário. O guarda-roupas teria sido desmontado por Yasmin após desaparecer com o corpo do filho. Em um dos vídeos obtidos pela polícia, a criança diz que tenta chamar a atenção da mãe para que possa ficar "solta". Na mesma gravação, Bruna ameaça espancar Miguel.
— Ela disse que a maior parte do tempo ele ficou preso ali em pé, sem coberta nem nada — afirma a escrivã Náthila Nascimento, que ouviu o depoimento da madrasta.
Ao longo da oitiva, segundo a policial, Bruna não demonstrou emoção com o relato, mas estava apavorada com a possibilidade de ser presa. Ela relatou que a mãe do menino teria ministrado comprimidos de antidepressivo e que o menino teria morrido na quarta-feira. A mulher alega que não participou da morte e que quem colocou o corpo do garoto na mala foi a mãe. Para que ele coubesse na mala, ela teria quebrado os membros do menino com as mãos.
— A mãe também inocenta a companheira do crime. Mas ela, no mínimo, viu uma criança sendo espancada e morta, e não fez nada — diz o delegado.
Buscas ao corpo
Sobre a possível localização do corpo, Bruna manteve o relato que já havia sido apresentado pela mãe do garoto, de que ele teria sido arremessado no Rio Tramandaí. Na manhã desta segunda-feira (2), um par de chinelos de tamanho 34 foi encontrado por um pescador em frente à guarita 134, em Imbé, próximo da ligação com o rio. Conforme o delegado, há possibilidade de que o calçado realmente pertença ao menino.
— As duas mantiveram esse mesmo relato, de que arremessaram o corpo dele no rio — afirma.
Para o policial, a localização do corpo do garoto é considerada fundamental para que a prova pericial possa indicar como se deu a morte e que tipo de maus-tratos sofria. Os celulares das mulheres serão analisados de forma mais detalhada para tentar encontrar novos materiais que ajudem a entender há quanto tempo o menino era submetido a torturas físicas e psicológicas. A polícia também pretende ouvir vizinhos e proprietários da primeira pousada onde elas residiram ao chegar a Imbé. As duas estão presas no Presídio Estadual de Torres.
Contrapontos
GZH tentou contato com Josiane Tristão Silvano, que defende Bruna Nathiele Porto da Rosa, mas não conseguiu falar com a advogada. O telefone de Josiane não consta no cadastro da Ordem dos Advogados do Brasil. Foi enviada mensagem por meio de um perfil em rede social, mas até a publicação desta reportagem, não houve retorno.
O advogado da mãe, Bruno Vasconcelos, disse que iria se manifestar somente nos autos.