Embora o corpo do menino Miguel dos Santos Rodrigues, sete anos, não tenha sido encontrado, o Ministério Público (MP) está convicto de que está diante de crime premeditado. O motivo para o assassinato, no entendimento da acusação, seria a criança ser considerada empecilho para a relação da mãe e da madrasta. Por isso, o garoto teria sido submetido a castigos, espancado, dopado e depois arremessado no Rio Tramandaí. Yasmin Vaz dos Santos Rodrigues, 26 anos, e a madrasta, Bruna Nathiele Porto da Rosa, 23, estão presas. As duas foram denunciadas por homicídio triplamente qualificado, tortura e ocultação de cadáver.
Yasmin e Bruna mantinham relacionamento há pouco mais de um ano. Nesse período, a mãe do menino deixou o município de Paraí, na Serra, onde vivia com o filho, e chegou a residir em Porto Alegre, onde morava a companheira. Em abril deste ano, as duas foram viver em Imbé, no Litoral Norte, em uma pousada. Cerca de 15 dias antes do crime se mudaram novamente para outra pousada. É neste lapso de tempo que, segundo o entendimento da acusação, Miguel passou a ser apontado como motivo de brigas e desentendimentos do casal.
— Elas começaram num relacionamento muito intenso, se vê nas mensagens. Aquela criança, em determinado momento, passou a se tornar entrave para o relacionamento. Estavam buscando constituir nova família e ele não faria parte dessa nova família. Todas as evidências que foram colhidas permitem concluir que houve planejamento e motivação — afirma o promotor André Luiz Tarouco Pinto.
Inicialmente, as duas teriam passado a punir Miguel com castigos físicos e psicológicos. O menino, segundo a acusação, ficava preso em um armário ou em um poço de luz, como forma de punição por atos que elas não aceitavam, não recebia alimentos adequados e era acorrentado. O garoto ainda era obrigado a escrever frases ofensivas sobre si mesmo. Em um dos vídeos obtidos pela polícia, o menino aparece trancado no armário.
— Analisando provas, imagens, vídeos, mais o que não foi divulgado, a gente vê intenso sofrimento daquela criança, o pedido de atenção, de carinho, que ele fala que quer de novo a atenção da mãe, que quer carinho, que quer lanchinho. Quando ouve isso, é de cortar o coração — diz o promotor, emocionado.
Para Tarouco, uma soma de atos levou à morte do menino. Todas eles estariam relacionados ao fato de que as duas queriam se desfazer do garoto. A conclusão do MP se baseia em provas colhidas durante a investigação da Polícia Civil e nos depoimentos das presas – Yasmin inicialmente confessou o crime, mas atualmente se declara inocente, enquanto Bruna afirmou à polícia que não teve participação na morte. Entre as evidências obtidas, estão, por exemplo, trocas de mensagens.
— Bruna se queixava em mensagens e dizia que o Miguel estava sendo um entrave para a relação, que era “um lixo”. Ela, inclusive, usou essa expressão — afirma.
Para o promotor, os castigos evoluíram até que no dia 26 de julho houve uma mudança de comportamento da mãe e da madrasta – consideradas ambas autoras do crime. Nesta data, teriam passado a agir de forma a matar o menino. É neste dia que Bruna relata que Yasmin teria espancado o filho e, mesmo com ele apresentando lesões graves na cabeça, teria mantido o garoto trancado. Ao longo de dois dias, teria administrado medicação para que ele ficasse quieto. Ao entardecer do dia 28, Miguel teria morrido.
— Num primeiro período, elas tinham intenção de proferir castigos de maneira demasiada. A partir do dia 26, até 29, os atos não são mais meramente para simples castigo, mas sim objeto de um plano para que conseguissem se livrar da criança. Isso se consegue extrair dos diálogos, dos relatórios de análises de dados. A criança morreu em razão dessa intenção delas de se livrar dela — sustenta o promotor.
Sobre a possível participação de outra pessoa, o promotor afirma que não foi encontrada evidência até o momento. Em algumas mensagens, Bruna cita um nome masculino. Ela alegou em depoimento que se trata de “voz imaginária”. A investigação da Polícia Civil continua na tentativa de colher outras evidências. A reconstituição do crime, tecnicamente chamada de reprodução simulada dos fatos, ainda deverá ser realizada.
Corpo
O MP não considera fundamental a localização do corpo do menino para o seguimento do processo, embora fosse possível, por meio de análises periciais, responder outras questões sobre o crime. A necropsia poderia apontar, por exemplo, a causa da morte e se o garoto vinha sofrendo outras agressões. Os bombeiros seguem em buscas pelo corpo de Miguel. Acredita-se que ele tenha sido arrastado pela correnteza do rio em direção ao mar.
— Acompanhamos as buscas com grande expectativa. Seria um gesto inclusive de atenção, de carinho. Poder prestar uma última homenagem a essa criança. Possibilitaria sepultamento digno — diz o subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Institucionais do MP, Júlio Cesar de Melo.
Durante coletiva à imprensa, o subprocurador-geral lembrou outros casos que chocaram o Estado, por envolverem o assassinato de criança. Recordou o caso do menino Bernardo Boldrini, assassinado em Três Passos, no qual o pai e a madrasta foram condenados, e de Rafael Mateus Winques, encontrado morto em Planalto no ano passado, após a mãe confessar o crime.
— Esses crimes bárbaros vêm sendo perpetrados por quem deveria dar maior proteção e amparo a essas crianças. Fatos covardes cometidos por quem deveria dar amor, carinho e proteção. No caso, que estamos tratando, o caso Miguel nos ressentimos. O fato nos choca, revolta e causa indignação. Cometido longe dos olhares de amigos, de coleguinhas de escolas. Longe inclusive de olhar de vizinhos, o que impediu a todos nós de ouvir os gritos impotentes e inaudíveis dessa indefesa vítima — ressalta Melo.
A denúncia
Yasmin e Bruna foram denunciadas pelo MP pelos crimes de homicídio triplamente qualificado (por motivo torpe, emprego de meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa da vítima). A Promotoria acrescentou uma qualificadora, já que a Polícia Civil havia feito o indiciamento por meio cruel e recurso que impossibilitou defesa da vítima. O motivo torpe se dá justamente pela motivação, no entendimento do MP. Elas também respondem por ocultação de cadáver e tortura.
O que diz a defesa de Yasmin
O advogado Jean Severo, que integra a equipe de defesa da mãe do menino, afirmou que já esperava pela denúncia. Yasmin, segundo o advogado, afirma ser inocente. Em manifestações anteriores, a defesa já havia afirmado que a cliente diz que foi coagida para confessar o crime. A Polícia Civil nega as acusações e afirma que ela estava acompanhada de advogado, além de ter o depoimento gravado em vídeo.
“Já era esperado que a denúncia fosse feita nestes moldes com estas imputações vamos fazer a resposta à acusação e Yasmin vai relatar tudo o que aconteceu para o magistrado quando do seu interrogatório. Yasmin se declara inocente.”
O que diz a defesa de Bruna
As advogadas Fernanda Ferreira e Helena Von Wurmb encaminharam nota à reportagem nesta terça-feira.
"Quanto às provas produzidas até o presente momento fica claro que nenhuma serve a comprovar nenhum envolvimento da Bruna no homicídio do Miguel. Assim como elas afirmam, reafirmamos, a Bruna não teve nenhum envolvimento na morte do menino. Seguimos aguardando o resultado da perícia médica da Bruna para maiores posicionamentos, visto que até o momento ela se encontra em tratamento e impossibilitada de sair do Instituto Médico Psiquiátrico."