Sem entender como um dos seus moradores foi capaz de invadir uma escola e matar a facadas cinco pessoas – três crianças e duas professoras – Saudades (SC) vive o luto após a tragédia e busca respostas para o ataque na Escola Pró-Infância Aquarela na manhã de 4 de maio. O município de 9 mil habitantes no oeste catarinense que nunca se preocupou com violência – registrou dois homicídios em cinco anos (entre 2016 e 2020) –, agora enfrenta o trauma de um crime que chocou o país.
No mesmo dia do atentado, o psicólogo Luis Picazio Neto, especialista em crises e grandes tragédias e professor da PUC-São Paulo, ofereceu ajuda à prefeitura para acompanhar as famílias dos três bebês e das duas professoras. Neto atuou na queda do avião da TAM, em 2007, que deixou 199 vítimas, no incêndio da Boate Kiss, em 2013, com 242 mortos, e no rompimento da barragem de Brumadinho, em 2019, que matou 259 pessoas. Ainda na data do crime, em Saudades, conversou com pessoas que entraram na creche e ajudaram a salvar crianças atacadas por Fabiano Kipper Mai, autor da chacina.
Neto fará atendimentos individuais online, coordenará equipes de psicólogos e fará uma palestra a distância com todos os professores da rede pública de Saudades na quinta-feira (13). Ainda em maio, o psicólogo deve ir ao município catarinense passar uma semana.
— O mais importante é ensiná-los a ter controle psicológico em uma situação de tragédia. Não existe mensagem positiva nesse momento que acalme o coração deles. Existe uma situação de luto e não tem como não vivê-lo. É o período de sentir tristeza, ausência e falta. E ao mesmo tempo ir mudando padrões de pensamento para ir transformando a dor em coisas positivas. Meu objetivo é reduzir danos futuros, para que não fiquem em depressão permanente, não evoluam para um estresse grave ou síndrome do pânico. E esse é um impacto que pode ser sentido pela cidade toda, todos se conheciam.
A secretária de Educação de Saudades, Gisela Ivani Hermann, explica que já foram feitas reuniões de acolhimento com os professores, onde puderam expressar sentimentos e o medo de que o episódio se repita. A gestora considera que os profissionais estão abalados e precisam de ajuda. O retorno das aulas está marcado para a próxima sexta-feira, dia 14.
O mais importante é ensiná-los a ter controle psicológico em uma situação de tragédia. Não existe mensagem positiva nesse momento que acalme o coração deles. Existe uma situação de luto e não tem como não vivê-lo.
LUIS PICAZIO NETO
Psicólogo
— É importante essa etapa porque eles terão de tomar coragem. Nossas crianças precisam dos professores. Não afetou só os da Aquarela, mas de todas as escolas. Alguns estão preparados para voltar agora, mas a cobrança também vem dos pais, que não querem enviar seus filhos, enquanto alguns não tem outra opção, dependem da escola. O Luis será um começo nesse processo. Hoje já consigo dormir sem pensar no ocorrido, mas ainda precisamos desse amparo — afirma a secretária.
Os efeitos de uma tragédia como a de Saudades, pontua Neto, podem trazer alteração no sono, alimentação, humor, levar à depressão, ansiedade e ao estresse pós-traumático. A atuação do psicólogo será focada em minimizar o sofrimento das famílias impactadas pelo atentado nos primeiros seis meses após o crime. A ajuda também se estenderá a Escola Estadual Rodrigues Alves, onde Fabiano cursava o terceiro ano do Ensino Médio.
— Essa escola também foi vítima. Eles ficam pensando que poderia ser com eles. Não tive contato com o Fabiano, mas existe algum motivo na cabeça dele pelo qual escolheu crianças com menos de dois anos e essa creche. Ele já era uma criança que tinha alteração de comportamento? Isso muitas vezes passa despercebido na escola. Ou os pais ignoram e não entendem que é sociopatia.
Em meio a traumas como esse, nem sempre a pessoa deprimida consegue se dar conta de que de precisa de ajuda psicológica. Por isso, a importância da iniciativa também partir do profissional. A proposta de Neto é fazer um esforço para ressignificar – sem esquecer – as perdas, mudando a forma de enxergar o que aconteceu e oferecendo capacitação para a superar suas dores.
— No momento da tragédia, acham que nunca mais vão voltar a sorrir. A saudade fica, junto a lembrança e sensação de ausência. Mas é possível aprender com profissional a transformar isso, com técnicas modernas de neurociência, com meditação, com correção de pensamento e vida saudável, transformando Saudades em um símbolo de amor e não de perda. Não se pode ficar refém de um menino de 18 anos que fez uma crueldade. A cidade não pode ficar marcada eternamente por isso.