O mecânico Ezequiel Vargas Pimentel, 35 anos, foi a primeira pessoa a entrar na Escola Municipal Pró-Infância Aquarela após o início do ataque que resultou em uma chacina com cinco vítimas na manhã de terça-feira (4) em Saudades, no oeste catarinense.
Logo depois dele, dois funcionários de uma metalúrgica que funciona ao lado da escola ajudaram a conter Fabiano Kipper Mai, 18 anos. O homem matou a facadas três bebês – Sarah Luiza Mahle Sehn, 1 ano e 7 meses, Anna Bela Fernandes de Barros, 1 ano e 8 meses, Murilo Massing, 1 ano e 9 meses – e duas professoras – Mirla Amanda Renner Costa, 20 anos, e Keli Adriane Aniecevski, 30.
Sócio de uma oficina de motocicletas a 60 metros da escola, Pimentel ouviu barulho e gritos de socorro, e disparou em direção à creche. Entrou na escola, viu as vítimas no chão, pegou duas crianças machucadas, correu para fora e entregou uma delas para professora Aline Biazibetti, 27 anos, que é vizinha do prédio e não estava trabalhando na escola naquele turno, mas também foi despertada pelos pedidos de ajuda.
A outra criança, Pimentel levou ao hospital e depois retornou para creche, quando o Kipper já estava contido por três trabalhadores. O criminoso está hospitalizado em um hospital da região mas, segundo a polícia, não corre risco de vida.
Nascido no RS, em Ametista do Sul, e morador de Saudades há 12 anos, Pimentel conversou com GZH na tarde desta quarta-feira (5).
Em que momento você se deu conta de que algo estava acontecendo na escola?
Vim até a porta da oficina e escutei um estouro e barulho de ferro. Como tem metalúrgica aqui perto, não estranhei. Mas aí vieram gritos de socorro. Corri nos fundos da creche, tinha professoras pedindo ajuda. Saí correndo e entrei pela frente. Já tinha professoras fora da escola, gritando que tinha um cara armado matando crianças. No instinto, entrei sem nada para me defender. Uma professora me disse que ele estava no banheiro de uma sala. Na porta dessa sala, uma professora estava morta. E tinha quatro crianças feridas. E o agressor estava dentro da sala. Mas eu não sabia quem era o agressor, como ele era. Vi um homem bem vestido, achei que era um agente de educação, um cuidador, pensei que ele devia estar tentando prender o cara no banheiro.
E o que você fez?
Eu vi aquelas crianças feridas, peguei duas pelo braço e saí correndo para fora. Acho que ele não esperou que alguém iria entrar na sala, com ele junto. Eu não vi ele com a faca. Não parei para olhar para ele. Peguei duas crianças que estavam se mexendo, mas feridas. Vim até no asfalto, entreguei para uma delas para a professora que é vizinha. E corri até minha esposa, peguei o carro e fomos até o hospital com a outra criança. Coloquei ela na maca e voltei para escola. Entrei de novo e um funcionário meu mais o pessoal da metalúrgica tinham contido o agressor.
Como Fabiano foi contido?
Quando voltei do hospital, ele estava no chão, estava sangrando. No banheiro, ele estourou umas bombas de São João. Isso dava um estouro. Não sabiam se ele tinha uma arma. Ele saiu do banheiro meio zonzo e aí conseguiram pegar ele. E começou a se golpear com a faca. Quando voltei, ele estava no chão, com dois ou três na volta. Ele nem tentava reagir. Algumas vezes ele tentava provocar e dizia: me matem, me matem.
Sensação é de que não aconteceu e de que ainda não acabou. Parece que eu não consegui fazer nada. Agi da melhor forma que eu podia, mas foram cinco vítimas. Por que isso? Muita gente vem e me agradece, mas penso que isso não precisava ter acontecido. Não era para ter acontecido.
EZEQUIEL VARGAS PIMENTEL
Mecânico
Ele chegou a te ver?
Não, vi ele de costas e de lado. Ele não veio de frente para mim. Foi Deus que me deu essa coragem de evitar algo maior.
Quantas pessoas também entraram contigo na escola?
Entrei na frente. E mais um funcionário meu e outros dois da metalúrgica. Não vi quem estava vindo atrás. Fui o primeiro a entrar e já vi essa cena dos mortos, que eu queria poder apagar da minha cabeça para pelo menos poder dormir à noite. É muito difícil.
Você teve medo?
Não, e não sei porquê. Não sabia o que estava acontecendo, não sabia quem era o agressor. No momento que peguei aquelas duas crianças não senti mais medo. Eu só pensava em salvá-las.
Muita gente pode dizer: “ah, mas a creche estava desprotegida”. Mas para que proteção em uma creche? Nunca imaginamos que alguém ia fazer alguma coisa contra crianças. Isso foi planejado. Agi por instinto. Ali é uma creche que atende até dois anos. São todos indefesos.
EZEQUIEL VARGAS PIMENTEL
Mecânico
Um dia depois, como avalia tudo que aconteceu?
É complicado dizer. Não dormi. Tenho sensação de que alguém está me seguindo, sensação de que o cara está ali, vai fazer de novo. Não caiu a ficha. Estou arisco. Parece que alguém vai aparecer e fazer de novo. Sensação é de que não aconteceu e de que ainda não acabou. Parece que eu não consegui fazer nada. Agi da melhor forma que eu podia, mas foram cinco vítimas. Por que isso? Muita gente vem e me agradece, mas penso que isso não precisava ter acontecido. Não era para ter acontecido.
Entrou na escola sem nada para se defender?
Nada. Nenhuma ferramenta na mão. Tenho passe livre dentro da creche, conheço muitas das professoras. Cidade é pequena. Muita gente pode dizer: “ah, mas a creche estava desprotegida”. Mas para que proteção em uma creche? Nunca imaginamos que alguém ia fazer alguma coisa contra crianças. Isso foi planejado. Agi por instinto. Ali é uma creche que atende até dois anos. São todos indefesos. Alguma coisa eu tinha que fazer, eles não tinham como se defender.