Quem nunca pensou em alguma solução mágica para emagrecer bastante em pouco tempo? Seria a fórmula ideal, mas vamos convir que, em matéria de saúde, milagres não existem. Não se trata de desmerecer os esforços de quem busca satisfação com a própria aparência. O que vale, aqui, é ficar alerta para verificar a eficácia de práticas e medicamentos que eventualmente prometam uma solução quase imediata, pois seus usos indiscriminados ou sem necessidade podem trazer riscos para a saúde.
O alerta é importante, especialmente no Brasil, apontado como um dos 10 países em que a população tem menor confiança no corpo. A pesquisa sobre imagem corporal foi promovida pela Universidade Anglia Ruskin, da Inglaterra, com mais de 56 mil pessoas de 65 países. A busca pelo milagre da beleza leva ao uso de substâncias inadequadas.
— Esses medicamentos milagrosos nunca serão eficazes no longo prazo. Muitas dessas promessas estão associadas a produtos que ainda não têm comprovação científica robusta sobre a eficácia — alerta a médica endocrinologista Livia Mastella, cooperada da Unimed Porto Alegre.
Em estudo promovido em parceria pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF) com o Instituto Datafolha, em 2022, 24% dos 2.086 entrevistados com mais de 16 anos revelaram já ter recorrido a alguma substância que os ajudassem a perder peso. O mais procurado foi o chá, citado por 19%, seguido por suplementos alimentares e fitoterápicos (9% cada) e alopáticos, com 6%.
Neste último grupo, estão as substâncias que prometem acelerar o metabolismo, suprimir o apetite ou bloquear a absorção de gordura. O estudo revelou que 15% dos entrevistados que utilizaram esse tipo de solução obtiveram os medicamentos por meio de amigos e conhecidos, 12% compraram em sites ou blogs e 10% pelas redes sociais. Isso vai contra a orientação de sempre contar com supervisão de profissionais capacitados para esse acompanhamento.
Antes de fazer uso de tais medicamentos, é indicada uma consulta de rotina e exames iniciais, de acordo com cada caso, respeitando as queixas, as metas e o histórico da pessoa. Ter clareza sobre o propósito também é importante, pois, segundo Livia, a perda de 5% a 10% do peso corporal diminui de forma significativa o risco de diabetes e doenças cardiovasculares. Por isso, a adesão a um projeto consistente é fundamental para o sucesso do tratamento.
— Existem medicamentos registrados e adequados, que servem para auxiliar, prescritos por médicos e sob supervisão, sempre acompanhados pela mudança de comportamento alimentar e realização de atividade física rotineira — observa a endocrinologista.
Obesidade é questão de saúde pública
Chamar a atenção para os riscos do uso indiscriminado de medicamentos para combater a obesidade não significa ignorar o problema. Assim como um tratamento inadequado, a obesidade é uma questão de saúde pública que deve ser enfrentada.
Pesquisa recente apontou que quase metade dos brasileiros adultos (48%) apresentará quadro de obesidade até 2044, enquanto outros 27% terão sobrepeso. Atualmente, 34% da população adulta é obesa e 22% está com sobrepeso. Os dados são do estudo conduzido pelo pesquisador Eduardo Nilson, em colaboração com colegas do Programa de Alimentação, Nutrição e Cultura da Fiocruz Brasília, apresentado no Congresso Internacional de Obesidade em junho.
A estimativa é de que 83 milhões de brasileiros tenham sobrepeso e cerca de 47 milhões sofram de obesidade em 2044. O estudo segue uma tendência já observada: entre 2006 e 2019, a prevalência de obesidade praticamente dobrou, alcançando 20,3% da população adulta.
— A expansão dos medicamentos e tratamentos é muito importante porque a obesidade é uma doença crônica e deve ser tratada de forma eficaz e responsável. Não somos contra o tratamento medicamentoso, mas o problema está na promessa de emagrecimento fácil, sem alteração da rotina e sem a prática de exercícios. Isso pode se tornar uma armadilha para quem busca resultados saudáveis — alerta Livia, que considera o problema uma epidemia, principalmente por ser um fator de risco para doenças como diabetes tipo 2, problemas cardiovasculares e alguns tipos de câncer.
Livia pede atenção redobrada com medicamentos vendidos sem indicação médica pela internet, com propagandas que prometem resultados rápidos e fáceis. Muitos dos que são oferecidos e comercializados desta forma suspeita são usados para tratamentos de condições crônicas – como a própria obesidade, esteatose hepática (popularmente chamada de gordura no fígado) ou diabetes.
O uso indevido desses medicamentos também prejudica a imagem de substâncias que, quando usadas adequadamente, têm sua indicação específica. No caso da esteatose hepática, por exemplo, os medicamentos ajudam na redução da absorção intestinal de gordura, o que leva à perda de peso como consequência do tratamento primário, já que diminui a ingestão calórica da pessoa.
Remédio esquecido na geladeira serviu como ponto de partida
Por conta dos riscos e da necessidade de manutenção a longo prazo, o tratamento da obesidade deve se basear na modificação do comportamento alimentar e no aumento da atividade física. Foi o que fez o servidor público Fábio Augusto Springer, 47 anos, quando perdeu um familiar e refletiu sobre a brevidade da vida. Até então, seu foco estava na carreira, no casamento e nos filhos.
— Minha rotina era de trabalho em escritório, oito horas por dia, e almoço em bufê livre — resume.
As caminhadas, embora frequentes e com percursos superiores a 10 quilômetros, eram insuficientes para ele. Com 1m85cm, não conseguia pesar menos do que 130kg. Diante da dificuldade, sua endocrinologista sugeriu o uso de medicamentos.
— Eu dizia que era um gordinho saudável, mas ela explicou que eu era obeso e ainda não havia tido problemas de saúde, mas muito provavelmente teria. Isso me assustou. Prometi que, em dois meses, voltaria mais magro, mas não consegui. Ganhei um cupom de desconto para o remédio e comprei, mesmo achando caríssimo e me sentindo envergonhado — conta.
Isso foi em dezembro de 2021. Fábio então fez mais uma promessa: após o período de festas, começaria o novo tratamento. Nesse meio-tempo, refletindo, achou que seria mais produtivo investir o valor em um tênis adequado e começar a correr – literalmente – em busca de um sonho antigo: concluir uma maratona.
Nos dois primeiros meses, perdeu 10kg. As caminhadas deram lugar a um trote suave, que evoluiu para uma corrida de alguns quilômetros, escalando até a meia maratona, conforme o peso ia diminuindo e a resistência física aumentava. O acompanhamento de nutricionista, endocrinologista e, depois, do treinador do grupo de corrida do qual ele faz parte ajudaram a estabelecer uma rotina adequada para seu caso.
Na maratona de Porto Alegre deste ano, depois de correr metade do trajeto em duas edições consecutivas, Fábio conseguiu completar o percurso de 42km pela primeira vez. Já pesava os 95kg que tinha como objetivo e, mesmo com o calor escaldante daquele domingo, ele conseguiu.
— Meus filhos hoje têm 18 anos e, em 2021, jogavam futebol nas categorias de base do Novo Hamburgo. Um deles me contou, tempos depois, que teve vergonha quando eu comprei o medicamento, mas que hoje tem muito orgulho de eu ter conseguido — conta.
Aliás, o remédio comprado naquele dezembro jamais foi aplicado. Estragou na geladeira, que também parou de funcionar e foi embora com o remédio dentro. Para se manter saudável, Fábio prefere o acompanhamento dos profissionais da saúde, que o ajudam até mesmo a lidar com seus “inimigos”.
— Em alguns casos, o medicamento é importante, mas a mudança só se mantém se a pessoa mudar a cabeça e, principalmente, souber quais gatilhos a fazem comer demais. Para mim, isso está bem mais claro e sei como agir com eles — conclui.
Riscos do uso indevido
A médica endocrinologista cooperada da Unimed Porto Alegre Maria Cristina Gomes Matos comenta que os efeitos mais comuns do uso dos medicamentos alopáticos para emagrecimento são de ordem gastrointestinal, como náuseas, vômitos e constipação. Entre os mais utilizados está a semaglutida, que reduz o apetite e a ingestão calórica. Tudo isso pode ocorrer com medicamentos conhecidos, mas há um problema ainda maior: na pesquisa do CFF e do Datafolha, menos de 5% dos entrevistados indicaram como fator de escolha o registro na Anvisa.
— O grande problema é não precisar de receita controlada. Temos recebido pacientes com reações alérgicas, muitas vezes em função da falta de cuidado na aplicação, que geralmente é subcutânea — relata Maria Cristina.
A resposta aos medicamentos, segundo ela, varia muito de um paciente para outro. Alguns são os chamados “super respondedores”, perdendo bastante peso de forma rápida. Outros respondem dentro da média. Um terceiro e menor grupo não apresenta qualquer resultado.
— Como esses medicamentos são inseridos de forma gradativa, a fim de minimizar os efeitos adversos, as pessoas que não têm orientação apressam o aumento das doses, potencializando também justamente esses efeitos adversos — alerta a endocrinologista.
Entenda o perigo
Danos ao fígado e transtornos psiquiátricos estão entre os riscos do uso indiscriminado de medicamentos para emagrecer. Confira estes e outros potenciais problemas, alertados pelo Conselho Federal de Farmácia:
- Dependência – O uso prolongado desses medicamentos pode levar à dependência, fazendo com que o indivíduo sinta a necessidade de continuar usando
- Problemas cardiovasculares – Há risco de acelerar a frequência cardíaca, aumentar a pressão arterial e provocar um aumento do risco de eventos cardiovasculares
- Transtornos psiquiátricos – O uso também pode induzir transtornos psiquiátricos como ansiedade e insônia
- Problemas nutricionais – Os medicamentos usados para emagrecer podem interferir na absorção de nutrientes importantes, como vitaminas e minerais, e levar a deficiências nutricionais
- Danos ao fígado – Alguns medicamentos para emagrecer podem causar danos ao fígado, especialmente se usados em doses elevadas ou por um longo período de tempo
Fonte: Conselho Federal de Farmácia
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