A Polícia Civil prendeu na manhã desta sexta-feira (12), em Passo Fundo, norte gaúcho, seis integrantes de uma organização criminosa. Os investigados têm aplicado há anos o golpe do bilhete premiado em nove Estados brasileiros. Desta vez, também estão sendo responsabilizados por lavagem de dinheiro.
No ano passado, depois de lesarem vítimas em mais de R$ 500 mil em apenas duas semanas, na Grande Curitiba, no Paraná, os estelionatários passaram a usar a maior parte do dinheiro para comprar dólares e euros, além de fazer depósitos em contas bancárias de laranjas no Rio Grande do Sul.
O delegado Diogo Ferreira, responsável pela operação e titular da Delegacia de Repressão de Ações Criminosas Organizadas (Draco) de Passo Fundo, diz que a investigação começou logo depois de agosto de 2020, quando souberam que os suspeitos haviam se instalado em cidades da Região Metropolitana de Curitiba para aplicar o golpe do bilhete. Ao todo, em apenas duas semanas, nove vítimas foram identificadas, a maioria idosos. Uma delas teve prejuízo de R$ 230 mil.
— Todos os suspeitos já foram investigados e alguns até indiciados por nós, desde a chamada Operação Pólis, de 2018, quando cumprimos 127 ordens judiciais. Desde então, temos prendido estes suspeitos que seguem agindo no Rio Grande do Sul, mas também passaram a atuar em Santa Catarina, Paraná, Paraíba, Sergipe, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo — explica Ferreira.
Somente em 10 inquéritos nos últimos três anos, mais de 250 golpistas do norte gaúcho foram indiciados, com valores passando de R$ 55 milhões em lavagem de dinheiro. Em uma das investidas contra o grupo, foi apreendido um Chevrolet Camaro. O veículo adquirido com dinheiro ilícito foi repassado pela Justiça para a Polícia Civil e nesta sexta-feira foi usado na operação policial em Passo Fundo.
Operação
Ferreira destaca que foram cumpridos seis mandados de prisão preventiva, nove de busca e oito de sequestro de veículos em Passo Fundo e Curitiba na chamada Operação Orange X. Um dos suspeitos não estava no local investigado e foi detido dentro de um carro em estrada da região.
Um dos mandados de busca foi cumprido em hotel de Passo Fundo, onde ficava o líder da quadrilha, e outro em uma casa com piscina usada por outro integrante.
Ao todo, foram apreendidos 11 veículos — avaliados em R$ 500 mil, joias, ouro e R$ 7,2 mil, bem como algumas notas de euros e dólares. Além disso, foi solicitada a quebra do sigilo bancário de quatro contas de laranjas.
A operação contou com apoio da Polícia Civil e Polícia Rodoviária Federal (PRF) do Paraná.
Lavagem de dinheiro
O Núcleo de Lavagem de Dinheiro da Draco constatou a existência de um elaborado esquema criminoso para usar os valores adquiridos com os golpes. Primeiro, o dinheiro era depositado em contas bancárias de laranjas residentes em Passo Fundo. Depois disso, era enviado para casas de câmbio em várias cidades do país para a aquisição principalmente de dólares, mas também de euros.
Em uma terceira etapa, os valores eram repassados para contas bancárias de outros laranjas, também no norte gaúcho. Por último, o dinheiro era sacado por integrantes da quadrilha, que usavam na compra de imóveis e veículos, além de uso pessoal.
— Todos os presos, apesar de usarem veículos bons e estarem em imóveis de alto padrão, não exercem atividades lícitas. O crime é o meio de vida desses indivíduos que citam aos quatro cantos que não precisam nem pretendem trabalhar licitamente — diz Ferreira.
Escutas telefônicas
A Justiça autorizou a divulgação de algumas escutas telefônicas. Em um dos trechos, em uma conversa ente golpista e idoso que foi vítima no Paraná, os criminosos divulgam até uma música da Caixa Econômica Federal (CEF) para dar a ideia de uma situação lícita ou autorizada pelo banco. Mas tudo é simulação e, depois de ser abordada por integrantes do grupo em via pública, a vítima conversa com um suposto funcionário da CEF e repassa dados bancários para a transferência de dinheiro.
Em outra escuta telefônica, os golpistas falam entre si para confirmar se a vítima depositou o dinheiro.
Como funciona o golpe do bilhete premiado
A forma mais comum de abordagem é aquela em que um estelionatário se aproxima de uma vítima perto de bancos ou praças. Os alvos principais dos bandidos são pessoas idosas ou que aparentem boa situação financeira. O criminoso se passa por uma pessoa pobre e analfabeta, e pergunta para a vítima, inicialmente, onde fica a agência da CEF mais próxima, porque tem um bilhete premiado e precisa trocá-lo.
Em seguida, um segundo estelionatário se aproxima. Com roupas sociais, se oferece para ajudar o outro criminoso, simulando uma ligação telefônica para o banco. Na sequência, surge o terceiro criminoso, que se apresenta como funcionário da Caixa. A partir daí, há a confirmação com o telefone no viva voz, de forma que a vítima possa ouvir, dos números sorteados e do valor do falso prêmio.
O bancário informa a documentação e condições para sacar o dinheiro. Depois disso, o primeiro estelionatário - que aparenta ser pouco instruído - diz não ter documentos e pede ajuda à vítima e ao comparsa para receber o prêmio. Ele promete repartir o dinheiro com quem auxiliar, mas exige uma quantia financeira antecipada para garantir que não seja "roubado" pelas pessoas que o estão ajudando.
Seduzida pela possibilidade de receber parte do prêmio, a vítima se oferece para comprar o bilhete e é levada até uma agência bancária para sacar um valor estipulado e dar como garantia. Após a vítima entregar a quantia em espécie, os criminosos desaparecem e o golpe é concluído. Em alguns casos, a vítima até percebe que pode ser um golpe, mas é ameaçada psicologicamente pela quadrilha.