A cada dia de setembro, em média, 163 pessoas foram enganadas por golpistas no Rio Grande do Sul. Os dados – divulgados na semana passada pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) do Estado – confirmam que os estelionatos seguem em alta – aumento percebido desde março. No nono mês do ano, foram registrados 4.892 casos de golpes – 143,3% a mais do que no mesmo período de 2019, quando foram 2.010. Neste cenário, a internet é um dos meios mais utilizados por criminosos para criar e disseminar trapaças.
Foi no fim de setembro que um corretor de 41 anos, morador de Porto Alegre, viu-se alvo de estelionatários – ele pediu para não ser identificado na reportagem. Descobriu, por meio da esposa, que outra pessoa estava usando sua foto, nome e até mesmo a frase do perfil em nova conta de WhatsApp – criada com outro número de celular. O golpista tentou fazer com que a mulher lhe enviasse dinheiro, dizendo que precisava fazer um pagamento e seu limite de transferências havia excedido. Ela, imediatamente, percebeu o golpe.
— A minha esposa sabia que aquele não era meu número, que eu não tinha trocado. E, por isso, obviamente não fez o depósito — conta.
Imediatamente, o corretor publicou em suas redes sociais um alerta para que ninguém mais caísse na trapaça. Ao verificar o número, que também era do Rio Grande do Sul, percebeu que a foto já havia sido apagada, possivelmente porque o golpe já tinha sido identificado. Ele suspeita que o criminoso possa ter tido acesso aos detalhes da sua conta por meio de outro golpe. Dias antes, um familiar teve o WhatsApp clonado – modalidade um pouco diferente, na qual os bandidos conseguem acessar a conta da vítima, após obterem o código de verificação.
— Acredito que ele viu minha conta no grupo da família e fez a cópia. Tentou contato com a minha avó, chamando ela de "vó" mesmo. Felizmente não gerou prejuízo para ninguém, pelo que chegou até mim — diz.
O corretor registrou o caso por meio da Delegacia Online, como tentativa de estelionato, e anexou os prints das conversas. Não se desfazer das provas, como mensagens trocadas com o golpista, é uma das orientações dos especialistas para contribuir com as investigações. Alertar amigos e outras pessoas próximas pelas redes sociais também é importante.
Irmãs
Um caso semelhante aconteceu com duas irmãs: uma autônoma, de 49 anos, moradora de Canoas, e uma funcionária pública, de 52 anos, de Novo Hamburgo. Um golpista criou uma conta falsa no WhatsApp em nome da autônoma e fez contato com irmã, pedindo que ela fizesse uma transferência de R$ 3,4mil.
“Trocou de número?”, questionou a irmã.
“Sim, troquei porque meu telefone caiu na água e estragou”, respondeu o golpista.
— Ela não desconfiou porque a minha foto estava aparecendo no celular. A pessoa, se passando por mim, disse que precisava de um favor, que estava com o cartão bloqueado. A minha irmã nem questionou, estava indo fazer o depósito. A pessoa estava pressionando, dizendo que precisava logo — conta.
A pessoa, se passando por mim, disse que precisava de um favor, que estava com o cartão bloqueado. A minha irmã nem questionou, estava indo fazer o depósito
AUTÔNOMA
Vítima de golpistas
Por sorte, a autônoma enviou uma mensagem para a irmã de seu telefone. Ela respondeu dizendo que estava dirigindo e pediu que ela parasse de ligar de forma insistente.
“Não estou te ligando. Não sou eu, isso é golpe”, respondeu a irmã.
Foi quando ela se deu conta que alguém estava usando seu nome para enganá-la. Com medo de que mais pessoas pudessem ser vítimas, ela fez um alerta em suas redes sociais e registrou o caso pela Delegacia Online.
— Meu medo era que a mesma coisa pudesse acontecer com algum amigo, algum outro parente. E isso pudesse trazer algum transtorno. A coisa com minha irmã só não se concretizou porque enviei a mensagem para ela do meu número — diz.
Prevenção
Atenta ao aumento dos casos de estelionato, especialmente pela internet, a Polícia Civil lançou em junho uma cartilha com as principais golpes e orientações sobre como não ser vítima deles. De maneira geral, os estelionatários buscam lucro fácil e rápido, e prometem à vítima alguma recompensa, o que já deve ser alerta para uma possível fraude. Uma ligação, para se certificar de que é a pessoa, pode ser a forma de evitar um golpe.
— A principal dica que posso dar é sempre desconfiar do que está acessando e com quem está falando. É essencial usar outros meios para comprovar que a pessoa é quem diz ser — orienta o delegado André Anicet, da Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos, do Departamento Estadual das Investigações Criminais (Deic).
Segundo o policial, uma das modalidades que segue fazendo vítimas frequentes é o golpe dos nudes. Neste tipo de crime, até dados de policiais – como delegados – são usados pelos golpistas para tentar enganar as vítimas (confira abaixo como funciona este e outros golpes).
Em golpes aplicados pela internet, conforme o policial, muitas vezes os autores estão fora do Estado, o que dificulta a apuração para chegar à autoria. No início de setembro, a Polícia Civil de Goiás desencadeou operação de combate aos golpes por WhatsApp. A investigação descobriu que grupos criminosos, de dentro das cadeias, tinham acesso a bancos de dados sobre pessoas de diferentes locais e usavam essas informações para criar falsos perfis das vítimas e obter dinheiro mediante a fraude. Foram cumpridos mandados em Goiás e Minas Gerais.
— A maioria das contas de depósito eram lá — explica Anicet.
A pena prevista pela legislação brasileira para quem comete estelionato é de um a cinco anos de reclusão.
Os dados
Os números apresentados pela SSP indicam que os estelionatos apresentaram crescimento desde o início do ano. Mas a diferença começou a se acentuar em março, atingindo o ápice em junho, com elevação de 236,5% em relação ao mesmo período do ano passado. O fato de as pessoas estarem mais em casa e conectadas à internet durante o período da pandemia é apontado como um dos fatores para o aumento. Desde julho, embora ainda haja aumento significativo, essa diferença vem reduzindo. Nos primeiros nove meses deste ano, foram 40.604 golpes registrados no RS – no mesmo período do ano passado foram 19.110.
Alguns tipos de golpes
Clonagem de WhatsApp
O golpista entra em contato por telefone com alguma desculpa para saber o número de um código que será enviado para a vítima por SMS. Finge ser representante de site de vendas, por exemplo, ou promete um brinde. O criminoso tenta logar no WhatsApp da vítima, o que faz com que o aplicativo envie mensagem com código de verificação para o telefone dela. Quando recebe, a vítima passa o número para o golpista, sem perceber que é o código de acesso ao WhatsApp. Assim, ele consegue capturar a conta da vítima. Outro golpe semelhante é a criação de perfil falso, onde o estelionatário afirma que mudou de número e passa a pedir dinheiro para familiares e amigos da vítima.
Nudes
Com perfis falsos criados em sites de relacionamentos, como o Facebook, o criminoso se passa por mulheres jovens, mirando, principalmente, homens de meia idade, cujas redes sociais sejam abertas. A jovem troca fotos íntimas com o alvo. Na sequência, outra pessoa entra em cena, afirmando que o homem estava conversando com uma menor de 18 anos e exigindo dinheiro para não comunicar o caso à polícia ou não divulgar as fotos da vítima. Esse golpista pode se identificar como pai, policial ou mesmo advogado.
Motoboy
O criminoso liga para a vítima afirmando ser da administradora de cartão de crédito. Ele diz que uma compra de valor alto foi realiza em nome da pessoa e pergunta se pode autorizar a compensação, e a vítima, assustada, pede para cancelar. O golpista solicita os dados do cartão e pede o código de segurança no verso do cartão. Solicita que a pessoa quebre o cartão e envie a parte quebrada que tem o chip. O estelionatário diz que a empresa enviará um motoboy até a casa para buscar o cartão. A vítima entrega o cartão e o criminoso usa o cartão para fazer compras pela internet.
Compra e venda
Quem vende objetos pela internet pode acabar sendo alvo dos golpistas. A principal estratégia é forjar a transferência de valor e tentar convencer a vítima a entregar a mercadoria antes que perceba a falcatrua. Tanto pode ser usado o envelope vazio - onde o estelionatário faz o depósito, mas sem dinheiro dentro - como pode enviar um falso comprovante de transferência. Da mesma forma, quem compra pela internet precisa verificar o histórico do vendedor e se certificar de que está adquirindo o produtor de alguém confiável.
Dados e senhas
A internet é um dos meios que os criminosos se aproveitam para tentar obter dados pessoais das vítimas - e usar em outros golpes - ou mesmo conseguir senhas e bloquear aplicativos. Muitas vezes basta acessar um link para que isso aconteça. Outro crime envolve a criação de falsos sites de leilão, onde a vítima pensa estar adquirindo um bem, como um veículo, por valor bem abaixo do mercado. Ela recebe inclusive a carta de arrematação e faz o depósito em dinheiro. Mas não está comprando nada e sim sendo enganada.
Como se proteger
- Golpistas, em geral, oferecem alguma vantagem para atrair a vítima e têm pressa para obter a vantagem. Fique atento a isso.
- Desconfie de ligações de pessoas desconhecidas e nunca repasse informações pessoais.
- Durante a venda de item, só entregue o produto após o dinheiro entrar na conta ou receber o valor. Não confie em comprovantes de transferência porque eles podem ser falsificados.
- Se tiver um familiar idoso, oriente a pessoa sobre os golpes mais comuns e como se prevenir deles.
- Caso seja vítima, registre a ocorrência. É possível utilizar a Delegacia Online.
Fonte: Polícia Civil do RS.