Mesmo trabalhando dentro de casa, em Porto Alegre, durante o distanciamento social, uma advogada de 41 anos não ficou imune aos golpistas. Em poucos minutos, teve a conta de WhatsApp clonada por criminosos, que passaram a pedir dinheiro para seus contatos. Na contramão da maioria dos crimes, que recuaram no período de medidas restritivas, os estelionatos saltaram 74% em maio no Estado, em comparação com o mesmo mês do ano passado. Foram 4.017 registros. Ou seja, em média, a cada 11 minutos uma pessoa foi vítima de trapaça no Rio Grande do Sul.
Quando o telefone tocou, em 25 de maio, a advogada estava distraída, trabalhando no computador. Do outro lado, um homem se identificava como funcionário do site de vendas online no qual ela havia anunciado um carrinho de bebê dois dias antes. Ele disse que a conta dela havia sido bloqueada e, para que voltasse a ter acesso, precisaria informar o código que seria enviado a seu telefone. Foi o que ela fez. Repassou os dígitos que apareceram e, no mesmo momento, sem saber, perdeu o acesso a sua conta no aplicativo.
Enquanto a advogada tentava entender o que estava acontecendo, os estelionatários disparavam mensagens para seus contatos. Nela, se passavam pela vítima e afirmavam que estavam tentando fazer transferência bancária, mas havia excedido o limite pelo app. "Queria ver se você consegue fazer por mim, hoje mesmo te devolvo sem falta", pediam e, na sequência, informavam o valor: R$ 850. Ao acessar o site de vendas e ver uma página alertando para esse tipo de trapaça, a advogada percebeu que era golpe.
— Quando me dei conta, imediatamente informamos os amigos que qualquer mensagem que recebessem era golpe. Felizmente, não tenho conhecimento de ninguém que tenha transferido o valor — afirma a vítima, que preferiu não ser identificada.
Apesar de ter dado tempo de evitar o prejuízo financeiro, a advogada passou por transtornos. Tinha receio de que os golpistas acessassem outras informações contidas nas conversas, como documentos e contatos de clientes. Ela registrou o caso na Polícia Civil e só conseguiu ter novamente a conta do WhatsApp mais de uma semana depois.
— Aquele foi meu dia de bobeira, de não desconfiar que era um golpista. Agora, oriento as pessoas para jamais fornecer esse código quando alguém ligar. Tento deixar os outros alertas — diz.
A possibilidade de crescimento dos golpes durante o distanciamento social já causava preocupação nos órgãos da segurança pública. O estelionato serve como forma de renda para criminosos, especialmente em período onde outros crimes patrimoniais, como furtos e assaltos, vem caindo. Com menos movimento nas ruas, ganham força casos que envolvem uso de internet e telefone. Orientar as possíveis vítimas é uma das principais formas de conter os estelionatos. É por isso que a a Polícia Civil lançará hoje uma cartilha com dicas para que as pessoas não caiam nos golpes. No material, serão disponibilizadas informações sobre as principais modalidades aplicadas no Estado e como se proteger.
— Acreditamos que este momento de distanciamento, em que as pessoas estão mais conectadas, facilita a ação desses criminosos. As pessoas precisam redobrar os cuidados. Precisamos criar esse alerta, até porque, muitas vezes, o estelionato envolve promessa de vantagem, como forma de atrair a vítima — afirma a chefe da Polícia Civil, delegada Nadine Anflor.
O estelionato é um crime planejado, onde o golpista está preparado para encontrar formas de enganar alguém e conseguir vantagem. Nos casos em que o contato é feito pessoalmente, em geral, envolve pessoas capazes de envolver o alvo na trama. A vítima acredita na história, que pode conter diferentes enredos e, quando se dá conta, foi enganada. Por telefone ou internet, o crime esconde distintos perfis de criminosos, dos hackers, que criam aplicativos e links falsos para capturar dados e senhas sem precisar fazer contato, aos presidiários, que tentam encontrar meio de obter dinheiro rápido, por transferências bancárias ou recargas de telefones.
— Na internet, precisamos desconfiar de tudo e de todos, principalmente, quando não sabemos com exatidão com quem conversamos — alerta o delegado André Anicet, da Delegacia de Crimes Cibernéticos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).
Algumas modalidades incluem a extorsão, que é quando a vítima é obrigada a entregar algum valor para que não seja prejudicada de alguma forma. É o caso do chamado golpe dos nudes, onde é comum o criminoso usar inclusive imagens de policiais, com falsas carteiras funcionais, para convencer a vítima de que está sendo chantageada por um agente. Outro fator que auxilia os estelionatários é o silêncio de quem foi ludibriado, já que muitos se sentem constrangidos e evitam expor o caso. Mas a polícia reforça a necessidade de registrar o crime, para que os autores sejam identificados e não fiquem impunes, em busca de novas vítimas.
A análise dos números divulgados pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) do Estado permite verificar que 10 cidades puxam a estatística para o alto. No topo desta lista está Porto Alegre, onde o crescimento em relação a maio do ano passado é de 71% — foram 400 casos a mais — de 557 para 957. Os outros municípios são Canoas, Santa Maria, Viamão, Caxias do Sul, Gravataí, Pelotas, Passo Fundo, Guaíba e Alvorada. Juntos somam 1 mil registros a mais do que em maio do ano passado — no RS esse aumento foi de 1,7 mil.
Alguns golpes pela internet e telefone
Auxílio emergencial
Benefício concedido para os trabalhadores informais, como forma de tentar reduzir perdas de renda provocadas pela pandemia da covid-19, o auxílio emergencial também está no radar dos golpistas. Desde que a medida foi anunciada pelo governo federal, passaram a circular pela internet mensagens falsas que buscavam captar dados das vítimas. Com a liberação dos recursos, o golpe evoluiu para outra modalidade. Beneficiários tiveram as contas invadidas e o dinheiro desviado. Os golpistas se aproveitam do período entre a data de liberação e a de pagamento para trocar dados cadastrais, como e-mail e número de telefone. Com isso, ao ir a uma agência na data agendada para o saque, as pessoas cadastradas legalmente acabam percebendo que não têm mais o valor depositado porque o dinheiro já foi retirado.
Clonagem de WhatsApp
O golpista entra em contato por telefone com alguma desculpa para saber o número de um código que será enviado para o telefone da vítima por SMS. Pode dizer que é representante de algum site de vendas (onde ela fez anúncio) ou que ela receberá um brinde. O criminoso tenta logar no WhatsApp da vítima, o que faz com que o aplicativo envie mensagem com código de verificação. Quando chega no celular da vítima, ela passa o número para o golpista, que assim obtém acesso à conta. Outro golpe, semelhante à clonagem, envolve a criação de um perfil falso, onde o estelionatário afirma que mudou de número e passa a pedir dinheiro para familiares da vítima para o pagamento de algum boleto.
Nudes
Com perfis falsos criados em sites de relacionamentos, como o Facebook, o criminoso se passa por mulheres jovens e bonitas, mirando, principalmente, homens de meia idade, cujas redes sociais sejam abertas. A jovem troca fotos íntimas com o alvo. Na sequência, outra pessoa entra em cena, afirmando que o homem estava conversando com uma menor de 18 anos e exigindo dinheiro para não comunicar o caso à polícia ou não divulgar as fotos da vítima. Esse golpista pode se identificar como pai, policial ou mesmo advogado.
Motoboy
O criminoso liga para a vítima afirmando ser da administradora de cartão de crédito. Ele diz que uma compra de valor alto foi realiza em nome da pessoa e pergunta se pode autorizar a compensação, e a vítima, assustada, pede para cancelar. O golpista solicita os dados do cartão e pede o código de segurança no verso do cartão. Solicita que a pessoa quebre o cartão e envie a parte quebrada que tem o chip. O estelionatário diz que a empresa enviará um motoboy até a casa para buscar o cartão. A vítima entrega o cartão e o criminoso usa o cartão para fazer compras pela internet.
Falso depósito
Quem vende objetos pela internet pode acabar sendo alvo dos golpistas. A principal estratégia é forjar a transferência de valor e tentar convencer a vítima a entregar a mercadoria antes que perceba a falcatrua. Tanto pode ser usado o envelope vazio - onde o estelionatário faz o depósito, mas sem dinheiro dentro - como pode enviar um falso comprovante de transferência. Da mesma forma, quem compra pela internet precisa verificar o histórico do vendedor e se certificar de que está adquirindo o produtor de alguém confiável.
Como se prevenir
- Não acredite em desconhecidos que lhe abordam na rua ou por telefone. Não acesse links na internet dos quais não tem segurança. Desconfie.
- Promessa de recompensa é uma das principais estratégias usadas pelos golpistas para atrair as vítimas. Suspeite.
- Converse com familiares, amigos ou mesmo gerente de banco se tiver desconfiança. Estelionatários tentam criar meios de impedir que a vítima busque orientação, como mantê-la ao telefone, para que não seja alertada.
- Não faça depósitos bancários e nem recargas de celulares para quem não conhece.
- No caso dos leilões, verifique se os leiloeiros estão cadastrados junto ao Judiciário. As contas para depósito em leilões oficiais não são de pessoa física ou jurídica e, sim, judicial.
- No WhatsApp, habilite a verificação em duas etapas e não forneça esse tipo de código por telefone. Mas, caso já tenha sido vítima, tente rapidamente deletar o aplicativo, baixar e registrar novamente. Caso isso não funcione, se o PIN for solicitado, insira o número errado até que o app seja bloqueado temporariamente. Avise seus contatos, por meio das redes sociais ou pessoalmente, sobre o risco de alguém pedir dinheiro em seu nome. Comunique a clonagem por e-mail ao WhatsApp (support@whatsapp.com) para que a conta seja bloqueada.
- Em alugueis de imóveis, desconfie de preços abaixo do mercado, se o dono exigir adiantamento e tiver pressa para que o depósito seja feito ou mesmo se o proprietário não aceitar atender a ligações ou se recusar a receber visita do locatário, para conferir a casa.
- Se receber contato por telefonema ou mensagem de familiar pedindo ajuda, certifique-se de que é real. Converse com outros parentes antes de fazer qualquer depósito.
- Se estiver vendendo algo, não entregue o bem antes de ter certeza de que recebeu o valor do pagamento. Depósitos só são confirmados pelo banco após a conferência do envelope. Então, aguarde para enviar a mercadoria.
- Se for vítima, chame a Brigada Militar ou vá até a Polícia Civil. Tente repassar aos policiais o máximo de informações sobre os golpistas.
Fonte: Polícia Civil