Em janeiro, a meta era perder alguns quilos, fazer uma reeducação alimentar e tornar os exercícios físicos parte da rotina. Os meses foram passando e o plano quase não foi seguido. Em novembro, o desespero começa a bater. A temporada de praia e piscina se aproxima e a pressão para atingir resultados estéticos aumenta. Na esperança de compensar o tempo perdido, entra em ação o projeto verão.
— Quando eu comecei na academia, foi basicamente nessa ideia do projeto verão. Eu odiava academia e qualquer outro esporte, mas eu estava muito insatisfeita com o meu corpo e resolvi começar a treinar no final de agosto de 2021. Eu queria fazer todos os exercícios de abdominal possíveis que nunca tinha feito e queria comer apenas o essencial. Tudo da noite para o dia — relata a administradora Eugênia Duarte, 24 anos.
Segundo especialistas, muitas pessoas acabam encarando o desafio de adotar dietas restritivas e aumentar a intensidade e a frequência dos treinos. Carla Piovesan, nutricionista e professora do curso de Nutrição da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), e Fernando Ubiratan da Silveira, professor do curso de Educação Física da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), garantem que esse comportamento pode ser prejudicial à saúde.
Nas redes sociais, como Instagram e TikTok, a hashtag "Projeto Verão" conta com milhares de publicações. Em alguns conteúdos, adeptos compartilham dietas, treinos, frases motivacionais e o progresso no desafio. Em outros, influenciadores e especialistas da área da saúde e bem-estar falam sobre o perigo dessas iniciativas.
Carla explica que, para acelerar os resultados, é comum as pessoas copiarem dietas de famosos, eliminarem alguns grupos alimentares importantes – como o carboidrato, por exemplo – ou adotarem uma alimentação muito restritiva e diferente do habitual. Nestes casos, a saúde pode sofrer com a mudança em poucos dias.
— Há um perigo de carência nutricional, insuficiência de vitaminas e minerais. Pode estar consumindo menos cálcio ou menos vitaminas de algum grupo, e isso pode levar a uma série de doenças. Dependendo da pessoa, a curto prazo, há risco de hipoglicemia, redução de imunidade e lesão — aponta a nutricionista.
A falta de nutrientes, segundo o professor de Educação Física da Unisinos, pode comprometer a força muscular, a recuperação e a saúde óssea. Se a dieta restritiva for combinada com um aumento nas cargas do treino de musculação ou aeróbico e com execução incorreta dos exercícios, o risco de lesão é ainda maior. Silveira cita, ainda, outros problemas que podem surgir com a intensificação da rotina de atividades físicas:
— O overtraining, que é o treinamento excessivo, compromete o desempenho físico e pode causar dor muscular e articular, fadiga crônica, aumento de pressão arterial, irritabilidade, insônia, diminuição na capacidade de concentração e lesão muscular. Também temos que considerar os impactos psicológicos, como ansiedade e depressão.
Pressão estética
Para os especialistas, a motivação para o projeto verão é exclusivamente estética. O profissional de educação física entende que, nesta época do ano, as pessoas ficam preocupadas com o corpo porque as roupas curtas ou de banho podem deixar as insatisfações à mostra. Carla, da PUCRS, acredita que existe um movimento que vende a ideia de ser necessário ter um corpo perfeito para ir à praia ou à piscina.
Do mesmo jeito que existe uma época do ano para comprar enfeites de Natal, se cria uma época para comprar dietas. Essa ideia serve para fomentar uma eterna insatisfação com a imagem, mas o corpo perfeito não existe
CARLA PIOVESAN
Nutricionista e professora da PUCRS
Silveira acrescenta que a pressão estética pode gerar uma relação disfuncional com a alimentação e o exercício físico. Neste contexto, os adeptos a esse tipo de desafio podem desenvolver distúrbios alimentares e de imagem, como bulimia, anorexia e vigorexia – transtorno caracterizado pela obsessão com os músculos e por parecer forte –, por exemplo.
Hábitos saudáveis
A administradora Eugênia Duarte conta que foi o projeto verão de três anos atrás que a ajudou a incluir as atividades físicas na rotina. Atualmente, o normal da jovem é treinar seis vezes por semana, em qualquer estação do ano.
Os especialistas acreditam que o apelo pode ser positivo para fazer mudanças saudáveis na rotina, com o acompanhamento adequado e sem pressa. Silveira defende:
— É uma época que pode promover a cultura do bem-estar, para dar ênfase na importância do processo contínuo de cuidado com a saúde. Não para simplesmente enfatizar a aparência física por um determinado período. É importante pensar em um projeto quatro estações. Que o verão seja só um estímulo para dar o primeiro passo para a adoção de um estilo de vida saudável.
Para quem quiser começar, Silveira sugere procurar um profissional de educação física e montar uma rotina de treinos – seja musculação, corrida ou qualquer outro esporte – que faça sentido para um iniciante, com progressão gradativa. Durante o processo, é importante manter metas reais e atingíveis.
Isso também se aplica para quem quer perder peso. A estimativa da nutricionista é de que pessoas em processo de emagrecimento percam, em média, de 500 gramas a um quilo de gordura por semana. Mais do que isso pode significar perda de líquidos e de massa magra, o que não configura um emagrecimento saudável:
— Uma redução de peso adequada, sem restrições malucas, seria de, no máximo, quatro quilos por mês, dependendo da pessoa. Toda vez que a gente faz grande restrições e perde peso de forma desequilibrada, a tendência é de que, quando retomar o consumo habitual, a gente recupere o peso perdido e mais um pouco. E aí a pessoa entra em um ciclo: faz uma restrição inadequada, emagrece, volta ao padrão antigo e engorda. É o efeito sanfona.
A dieta balanceada também não é mais um problema para a Eugênia, que afirma comer adequadamente o ano inteiro. Os hábitos adquiridos no início do projeto verão permanecem até hoje na vida da administradora.
— Foi a melhor coisa que me aconteceu, no fim das contas. Porque acabou virando rotina e hoje faço dieta e vou na academia sem esforço nenhum. É normal para mim, não é algo doloroso — conta.