Nesta semana, Yasmin Brunet revelou, no BBB 24, que lida com compulsão alimentar. O tópico gerou uma onda de comentários nas redes sociais, com algumas pessoas afirmando se identificar com o quadro e relatando suas próprias realidades. Trata-se, porém, de um comportamento sério, que, em diversos casos, necessita de auxílio psiquiátrico e psicológico.
A compulsão alimentar é um sintoma, conforme Miriam Brunstein, psiquiatra, psicoterapeuta e coordenadora do Programa de Transtornos Alimentares em Adultos do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Ela caracteriza-se por dois componentes: uma sensação de perda de controle sobre a comida, levando a comer exageradamente, muito além do normal em curto período de tempo; e, no caso da compulsão subjetiva, uma sensação de perda de controle, mas sem ocorrer, de fato, o excesso – a pessoa, que às vezes já enfrenta uma restrição, come mais do que imaginaria, mas sem configurar excesso.
O sintoma pode aparecer isoladamente, por inúmeras razões, como ansiedade ou estresse, sendo um sinal de alerta de que existe alguma questão emocional difícil.
— Pode ser mais circunscrito, eventual: em um episódio de ansiedade, ter algumas compulsões, e depois passa a crise e volta a um padrão mais regular de alimentação. Óbvio que se há isso como sintoma, se apresenta esse tipo de episódio, de situações mais esporádicas, eventualmente pode se agravar — alerta Miriam.
Além disso, o sintoma também pode fazer parte de quadros psíquicos, nos transtornos alimentares – relacionados também a dificuldades emocionais, mas caracterizando adoecimento psiquiátrico. A compulsão existe nos principais quadros de transtornos alimentares, frisa a médica:
- Transtorno de compulsão alimentar, com episódios repetidos de compulsão, inclusive no mesmo dia, podendo aumentar o peso e gerar obesidade
- Bulimia, com episódios de compulsão, que a pessoa busca compensar com comportamentos também inadequados ou disfuncionais, como o uso laxante, provocando vômitos ou com excesso de exercício
- Anorexia nervosa, em que há predomínio de restrições alimentares, mas momentos de descontrole, geralmente com compulsões subjetivas
A causa da compulsão alimentar é multifatorial, conforme a médica. Por vezes, os pacientes herdam uma predisposição genética para comportamentos alimentares mais irregulares ou para aumento de peso e obesidade – o que gera dificuldades na relação com o corpo e a comida, por questões de padrões socialmente aceitos.
Pode haver ainda múltiplas situações emocionais, como baixa autoestima; relações familiares conturbadas; familiares também com alimentações alteradas e irregulares; vivência de sofrimentos, como abuso sexual ou negligência ou fragilidades emocionais por contextos psicossociais. Portanto, há uma série de ingredientes emocionais que podem gerar tanto o sintoma quanto, eventualmente, o transtorno alimentar.
Transtorno de compulsão alimentar
O transtorno de compulsão alimentar, por sua vez, é fortemente marcado por baixa autoestima, uso da alimentação para lidar com o estresse emocional, desregulação extrema da consciência dos sinais do corpo como apetite e mecanismos de saciedade, além de reatividade excessiva a estímulos alimentares. Segundo Marcelo Leães, psicólogo do Centro de Tratamento da Obesidade da Santa Casa de Misericórdia, que inclui o Grupo de Tratamento do Comer Emocional, o transtorno atinge de forma muito parecida tanto o público masculino quanto o feminino.
Existe uma conexão entre os hábitos alimentares e os padrões de recompensa cerebral, ou seja, a busca por conforto emocional pode levar à busca por alimentos como uma forma de gratificação.
MARCELO LEÃES
Psicólogo
— É geralmente acompanhado de importante sofrimento psíquico, associado a quadros depressivos e ansiosos, caracterizados por uma importante preocupação com a forma corporal e controle do peso, além de uma forte sensação de culpa e sentimento de fracasso — explica.
Todos os transtornos alimentares são caracterizados por alimentação irregular, com alguma tentativa de restrição e descontrole alimentar – há uma difícil relação com a comida e o corpo, explica a psiquiatra Miriam Brumstein. Além disso, os transtornos são adoecimentos emocionais, e não clínicos, endocrinológicos ou gástricos, ainda que, em algumas situações, possam estar associados. Muitos podem ter consequências na saúde física.
Procurando ajuda
— O estigma social e o sofrimento individual fazem com que muitas pessoas demorem muito tempo para procurar ajuda, contribuindo para o agravamento dos sintomas — aponta Leães.
Conforme Miriam, os sinais de alerta são os indícios do grau de sofrimento da pessoa – que pode ficar mais triste, isolada, irritável e sem participar de eventos sociais, já que envolvem comida ou exposição do corpo. Há, ainda, dificuldade nas relações interpessoais, com conflitos, e insatisfação constante com o corpo – levando, por vezes, a comportamentos disfuncionais, mas também a alguns mais socialmente aceitos, como a realização de inúmeros procedimentos estéticos e dietas.
— Os grandes desafios dos transtornos alimentares é que tem muitas questões culturais que são reforçadoras: a ditadura pelo corpo magro, o excesso de oferta de comida, a baixa qualidade nutricional, a ditadura do “comer sadio” — pontua.
O diagnóstico do transtorno de compulsão alimentar é feito pelo psiquiatra. O tratamento mais efetivo é o psicológico, por meio de psicoterapia, com um especialista em transtorno e compulsão alimentar. É recomendado realizar o tratamento com uma equipe multidisciplinar, composta por psicólogo, psiquiatra, nutricionista comportamental e outros clínicos.
No caso de um sintoma eventual de compulsão alimentar, a pessoa pode melhorar espontaneamente ou precisar de ajuda. A abordagem terapêutica funciona bem, segundo a médica do Hospital de Clínicas – e, de todo modo, pode ser uma oportunidade para buscar apoio emocional e se conhecer melhor. Tanto na compulsão quanto no transtorno, o uso de remédios ajuda a aliviar os sintomas, mas a pessoa segue vulnerável a novos episódios.
Fome emocional
Nas redes sociais, algumas pessoas se identificaram com o quadro enfrentado por Yasmin Brunet. Entre as citações, também surge o conceito de fome emocional. Também chamado de comer emocional, trata-se de um comportamento em que a pessoa come mesmo sem fome fisiológica, segundo o psicólogo Marcelo Leães.
— Muitas vezes, ocorre quando as pessoas tentam lidar com seus sentimentos por meio da comida. Existe uma conexão entre os hábitos alimentares e os padrões de recompensa cerebral, ou seja, a busca por conforto emocional pode levar à busca por alimentos como uma forma de gratificação imediata — explica.
Os grandes desafios dos transtornos alimentares é que tem muitas questões culturais que são reforçadoras: a ditadura pelo corpo magro, o excesso de oferta de comida, a baixa qualidade nutricional, a ditadura do “comer sadio”.
MIRIAM BRUNSTEIN
Psiquiatra e psicoterapeuta
Isso pode acontecer tanto por sentimentos difíceis – como ansiedade, preocupação intensa, pensamento acelerado, resposta ao estresse – quanto por sentimentos positivos – como em uma comemoração, situações sociais, celebração, aniversário, entre outros.
— É importante ressaltar que ambos demonstram que a relação com a comida ou com o comer é sintomática e, por isso, merecem ser cuidados — aponta.
Nesse sentido, a atenção plena é proposta como uma ferramenta eficaz para interromper esses padrões automáticos, além de ajudar as pessoas a desenvolver uma consciência mais clara de seus impulsos alimentares, segundo o psicólogo.
De acordo com a psiquiatra Miriam Brunstein, o sintoma está dentro do espectro do chamado comer transtornado — uma alimentação irregular, com uma relação difícil ou negativa com a comida. Não chega a configurar um transtorno ou adoecimento mais estruturado, mas está dentro do contexto de dificuldade na alimentação – para definir se trata-se de transtorno, é necessário avaliar o grau de prejuízo e recorrência. É recomendado que se busque ajuda antes que o problema se torne tão recorrente e intenso que se caracterize como uma doença ou transtorno.