— Eu consegui me priorizar, priorizar a minha saúde. E isso me ajudou muito no momento profissional que eu vinha passando. Eu estava havia 14 anos em um trabalho no qual eu era sócio e algumas coisas começaram a não se encaixar mais para mim profissionalmente. Fez muito bem para a minha saúde mental e para as minhas relações com minha esposa, família e amigos.
É assim que Thiago Montemezzo, 39 anos, resume as mudanças que ocorreram em sua vida desde 2023. Sócio de um escritório de investimentos, o gestor de finanças passou mais de uma década dedicando grande parte de sua energia ao trabalho. A "pessoa física" acabou ficando em segundo plano, e ele inclusive deixou de praticar esportes.
A virada de chave começou quando decidiu voltar para a academia, há cerca de um ano, e se concretizou em janeiro, com a saída da empresa. Além de perder 20 quilos, melhorar seu condicionamento e ingressar no triatlo (esporte que abrange natação, ciclismo e corrida), Thiago já observa diferentes benefícios em sua vida pessoal.
De acordo com especialistas, a sobrecarga na rotina traz diversos riscos à saúde física e mental — a síndrome de burnout é um exemplo. Por isso, consideram fundamental estabelecer prioridades e buscar o equilíbrio entre as atividades cotidianas.
Atualmente afastado das atividades empresariais, Thiago acredita que as mudanças, em especial o retorno aos esportes, ajudaram a evitar que desenvolvesse algum problema psicológico, como depressão e ansiedade. O gestor de finanças conta que desde a infância gostava de praticar exercícios físicos, mas o foco na vida profissional fez com que abandonasse o hábito e parasse de cuidar da saúde. Assim, chegou aos 106 quilos na época da pandemia e se sentia “mentalmente desgastado”.
A rotina de exercícios foi retomada em setembro do ano passado, com o apoio de uma nutricionista e um consultor de treinos. Thiago passou a adaptar seus horários para garantir as idas à academia:
— Comecei a me priorizar no sentido de, quando terminava o meu expediente, eu parava e ia treinar. Porque muitas vezes eu seguia trabalhando. Como não era CLT, eu não batia ponto, então eu trabalhava (após o fim do expediente). Teve muitos anos que eu trabalhei inclusive durante os sábados. Mas consegui me regrar quanto a isso.
Neste ano, após sair da empresa da qual era sócio, o gestor de finanças também começou a acompanhar a esposa nos treinos de corrida e a treinar triatlo com a Cia dos Cavalos. Além disso, se inscreveu no MBA em busca de aperfeiçoamento técnico. O período afastado do trabalho deve se estender até janeiro, quando buscará novos desafios.
Thiago garante que o movimento inicial para a mudança foi muito racional e que está satisfeito com o rumo que sua vida está tomando:
— Tenho me reconectado muito mais com quem é o Thiago na essência. Óbvio que é um movimento difícil, não é simples, mas vejo como extremamente acertado. O rumo que a minha vida tem tomado em termos de qualidade está muito alinhado com o que eu busco e com o que eu quero. Vejo que a minha vida faz muito mais sentido sendo mais saudável, cuidando da minha cabeça e do meu corpo, porque isso impacta no Thiago do trabalho também.
Autoconhecimento é a chave
Para adotar mudanças como Thiago fez, especialistas consideram o autoconhecimento uma peça fundamental. Ou seja, a pessoa precisa saber quem é e o que realmente quer para definir suas prioridades. O problema, na visão da psicóloga e professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Ieda Rhoden, que é doutora em ócio e potencial humano, é quando as priorizações são baseadas em pressões externas.
— Quem pressiona mais costuma levar a resposta positiva. Às vezes é o trabalho que pressiona mais, porque tem um jogo muito forte de relações de poder, às vezes é a família ou um relacionamento amoroso. Então, a pessoa tem que se conhecer muito bem para não cair nessa armadilha de acabar priorizando coisas em função dos desejos ou das necessidades dos outros — reflete a especialista.
Isso não significa, contudo, que a pessoa tenha que ser centrada em si mesma. Ieda comenta que o indivíduo pode constatar, por exemplo, que para ser feliz precisa fazer alguém feliz, então, essa passa a ser sua prioridade.
Temos uma tendência a dizer sim para todas as oportunidades que acreditamos ser incríveis, porque não queremos ser malvistos. Aprendi que dizer não é negociar prazos, entender a nossa prioridade e conhecer o nosso poder de escolha. Também é aceitar que não dá para fazer tudo ao mesmo tempo.
ROBERTA ALVAREZ
Executiva de gestão de pessoas e palestrante
O autoconhecimento é um dos pontos destacados pela executiva de gestão de pessoas e palestrante Roberta Alvarez, 43 anos, quando compartilha suas experiências. Em 2016, enquanto morava no México e era diretora de recursos humanos de uma multinacional, a carioca foi diagnosticada com síndrome de burnout — um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico.
Na época solteira e sem filhos, Roberta ignorou os sinais que seu corpo dava, como a dor de cabeça frequente, a oscilação de pressão e o cansaço extremo, para se dedicar 100% à carreira. Atleta amadora, a executiva também deixou a prática de esportes de lado nesse período:
— A pressão por resultados, as mudanças culturais, as transformações dentro da empresa e o desafio me exigiram muito, e eu não tive nenhuma responsabilidade com a minha saúde mental na ocasião. Eu me negligenciei de fato, não cuidei dos meus pensamentos, da minha saúde mental e essa autorresponsabilidade ficou muito aquém do que deveria ter sido no momento.
Diante do diagnóstico, a carioca percebeu que precisava começar a se colocar em primeiro lugar. Foi então que decidiu retornar ao Brasil para ficar mais perto da família e voltar para sua rotina esportiva.
— Entendi que precisava aprender a dizer não, a me conhecer muito mais e a entender que eu não poderia abrir mão do que me fazia bem. Eu não estava feliz naquela minha jornada, entendi que a minha felicidade não estava atrelada estritamente e unicamente à jornada profissional. Acredito que felicidade é quando temos escolhas e podemos fazer essas escolhas e perseguir nossas paixões e interesses — relata.
Roberta diz que, ao mudar, conseguiu olhar melhor para si e cuidar da sua saúde. Segundo ela, ao se descobrir e encarar suas habilidades e pontos a melhorar, a pessoa consegue ter propriedade para definir o que lhe faz bem e quais prioridades são inegociáveis.
— Temos de entender aquela famosa frase de que a máscara de oxigênio é primeiro em si mesmo. Não se trata de egoísmo, é amor próprio e até altruísmo. Não conseguimos ajudar ninguém se não estivermos bem. Faço questão de compartilhar sobre essa relevância de nos respeitarmos mais, de dizermos não para os outros para podermos dizer sim para nós mesmos e começarmos a nos incluir na própria agenda — reforça a palestrante, que hoje também é casada e mãe de três filhos.
Aprender a dizer não
De acordo com Roberta, todas essas mudanças em sua vida pessoal e profissional fizeram com que precisasse dizer muitos “nãos” nos últimos anos — inclusive para oportunidades. Ela enfatiza que esse não é um processo simples, mas envolve a prática de elencar as prioridades do momento, eliminando os excessos e os “ruídos” sobre os quais não temos controle:
— Temos uma tendência a dizer sim para todas as oportunidades que acreditamos ser incríveis, porque não queremos ser malvistos, então vamos dizendo sim para todo mundo. Aprendi que dizer não é negociar prazos, entender a nossa prioridade e conhecer o nosso poder de escolha. Também é aceitar que não dá para fazer tudo ao mesmo tempo.
Juliana da Rosa Pureza, doutora em psicologia e professora da graduação e do mestrado em psicologia da Universidade Feevale, aponta que a dificuldade de se priorizar e estabelecer limites está relacionada a fatores externos e internos. Há quem tenha problemas para dizer não, com medo de desagradar, mas algumas pessoas também não conseguem se permitir internamente, em função da autocobrança e da comparação com os outros.
— Existe esse perfil interno de sentir que tem que dar conta de muitas coisas, de se criticar, se exigir muito, ter muita ansiedade, não conseguir desligar. Isso é um perfil contemporâneo. Claro que atravessa a história individual de cada um, mas é cada vez mais frequente na prática clínica essa queixa do cansaço e do esgotamento, e tem relação com a forma como nos organizamos em sociedade — comenta a especialista.
Temos que realmente aprender a avaliar o contexto, a se posicionar e a expor os limites. Se eu não consigo, eu não consigo. Temos que aprender a frustrar o outro, sem que isso nos destrua, porque não é um sinal de fraqueza, é um sinal de humanidade. Todos os seres humanos têm limites. Problemático é você achar que é uma super-heroína.
IEDA RHODEN
Psicóloga, doutora em ócio e potencial humano e professora da Unisinos
Conforme a professora da Feevale, o livro Sociedade do Cansaço, do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, é uma das obras que abordam o assunto, citando esses fatores externos que muitas vezes fazem com que as pessoas entendam que precisam sempre fazer mais, sem poder parar e descansar, levando ao esgotamento. A especialista ressalta que é preciso considerar a subjetividade de cada indivíduo, mas, de forma geral, essa situação costuma gerar quadros de ansiedade — que, quando prolongada, pode se desdobrar para quadros de depressão, estresse e até burnout, condições em evidência no Setembro Amarelo, mês dedicado à conscientização sobre a saúde mental para a prevenção do suicídio:
— Esse sentimento de não poder parar, de ter que estar o tempo inteiro pensando e produzindo, gera aceleração, preocupação, medo e tensão muscular. Tudo isso vai aumentando os nossos níveis de cortisol e adrenalina. E a pessoa sente um prejuízo subjetivo, como a perda de prazer e de eficácia nas atividades, normalmente prejudica o desempenho no trabalho e nas relações, fica mais suscetível a doenças também.
Busca por equilíbrio
Para a psicóloga e professora da Unisinos Ieda Rhoden, a falta de equilíbrio é o principal fator de adoecimento das pessoas atualmente. A doutora em ócio e potencial humano lembra que a vida é multifacetada — com trabalho, família, amigos, envolvimento com a comunidade, espiritualidade ou religiosidade, política — e que é preciso equilibrar a distribuição de investimento de tempo.
— Se a pessoa ocupar sua vida com uma única dimensão, por exemplo, viver só para o trabalho, com certeza ela vai adoecer mais cedo ou mais tarde. Às vezes, essa conta vem muitos anos depois, não vem no momento. O equilíbrio entre as várias facetas da vida é muito importante para a saúde mental — comenta Ieda.
Diante da rotina intensa, a especialista destaca que as pessoas precisam se perguntar o que estão fazendo para manter seus relacionamentos, amizades, espiritualidade e relações com a comunidade. Esses são pontos importantes da vida, que precisam ser cuidados, mas sem que se torne uma obrigação ou um fardo. Assim, reforça a necessidade de estabelecer limites e não tentar agradar a todos.
— Temos que realmente aprender a avaliar o contexto, a se posicionar e a expor os limites. Se eu não consigo, eu não consigo. Temos que aprender a frustrar o outro, sem que isso nos destrua, porque não é um sinal de fraqueza, é um sinal de humanidade. Todos os seres humanos têm limites, temos que admitir isso e conviver em paz com esses limites, porque é da vida. Problemático é você achar que é uma super-heroína ou um super-herói que dá conta de tudo — sustenta Ieda.
A especialista aponta, ainda, a importância de avaliar o ritmo com o qual está fazendo suas atividades, se a rotina está muito automatizada e os compromissos estão conectados um ao outro, sem intervalos. Em sua visão, a gestão do tempo é uma ferramenta fundamental para a saúde mental, sendo essencial que haja períodos adequados para refeição, higiene, trabalho, conversas, leituras, atividades de lazer e descanso.