Carla Rojas Braga (*)
Todos nós sabemos que o sofrimento faz parte da vida. O que ninguém esperava eram 30 dias de chuva, uma enchente devastadora, e o cenário de pós-guerra no Rio Grande do Sul.
Mas também ninguém esperava que tantas pessoas aparecessem para ajudar, fazer resgates, acolher e doar. A tragédia nos uniu, mais do que qualquer outra coisa, e mostramos nossa capacidade de empatia e solidariedade.
Precisamos agora usar todas as nossas forças para termos resiliência para superar essa grande e trágica surpresa. Isso não significa que as pessoas resilientes achem bom sofrer. Elas não se iludem e não são bobas.
Pessoas resilientes costumam avaliar situações de maneira realista e geralmente conseguem se concentrar nas coisas que podem mudar, e aprendem a aceitar as que não podem. Esta é uma habilidade vital e treinável.
A diferença é que, quando os tempos difíceis chegam, elas parecem saber que o sofrimento pode trazer também janelas de oportunidades para mudanças. Ao invés de se perguntar "Por que comigo?" , pessoas resilientes pensam: "Por que não comigo?".
Coisas terríveis aconteceram com a gente, mesmo. E esta é a nossa vida agora: é hora de afundar ou nadar. Literalmente.
Avaliação realista
Outra verdadeira tragédia seria se poucos de nós soubessem resistir. Mas muitos sabemos, apesar de não sabermos antes o quanto éramos fortes.
Escolha com cuidado para onde direcionar sua atenção. Tente ter um foco de algo factível e bom para você e fique rodeado de pessoas que querem o seu bem.
Pessoas resilientes costumam avaliar situações de maneira realista e geralmente conseguem se concentrar nas coisas que podem mudar, e aprendem a aceitar as que não podem. Esta é uma habilidade vital e treinável, e, como seres humanos, somos bons em perceber ameaças e fraquezas.
Como se fosse um tigre
Estar conectado na realidade, sob uma perspectiva evolutiva, salvou a humanidade. Quando vivíamos nas cavernas, nossa capacidade de ignorar um arco-íris e de nos concentrar em um tigre que se aproximava garantiu nossa sobrevivência.
O problema é que, agora, fomos bombardeados por ameaças até então inimagináveis: enchente, medo, destruição, familiares separados em diferentes abrigos, distanciamento de amigos, medo de ficar sem casa, sem trabalho e sem dinheiro até para comer. O dia todo pensando nisso, e nosso cérebro tratando cada uma dessas ameaças como se fosse um tigre. É um estresse gigantesco, e nossa resposta ao estresse fica permanentemente ativada.
Caçando as coisas boas
Para aliviar, pessoas resilientes criam uma maneira de se sintonizar no bem ao seu redor. Quando as dúvidas ameaçarem dominar, tente pensar: "Você não pode ser engolido por isso, você tem muito pelo que viver". Não perca o que você tem junto com o que você já perdeu.
Em psicologia, chamamos isso de "busca de benefícios". No nosso novo mundo, tente encontrar coisas pelas quais lutar.
Pelo menos, você está vivo. Pelo menos, você tem o amor e apoio de sua família, amigos e voluntários, que são a nova família e os novos amigos, para ajudar. Em seu trabalho com o Exército dos EUA, os psicólogos americanos chamam esse processo de "caçando as coisas boas".
Treinamento mental
Encontre a fórmula que melhor funciona para você. Faça o que fizer, faça um esforço intencional, deliberado e contínuo para sintonizar o que é bom no seu novo mundo. Pergunte a si mesmo: "O que estou fazendo está me ajudando ou me prejudicando?". Essa pergunta imensamente poderosa é muito usada em terapia e funciona como um remédio. Funciona para você ter mais força.
Tenho atendido gratuitamente muitas pessoas que perderam quase tudo nessa catástrofe, e elas me dão um feedback muito positivo sobre terem aprendido esse tipo de pensamento para se fortalecerem. Recebo inúmeras mensagens dizendo que impacto enorme esse pequeno treinamento mental teve em suas vidas. Conseguiram ter mais controle sobre sua tomada de decisões.
A resiliência não é uma característica fixa ou ilusória que algumas pessoas têm e outras não. Na realidade, requer vontade de experimentar estratégias básicas e diferentes como essas. Todos nós temos momentos na vida quando o caminho que pensávamos seguir virou para uma direção terrível que nunca tínhamos antecipado e que certamente não queríamos. Se você se encontrar em uma situação em que pensa "Não há saída. Estou perdido", peço que você tente essas estratégias. Saiba que a luta faz parte da nossa vida, e não deixe sua atenção se fixar exclusivamente no negativo. Tente refletir sobre se a maneira como você está pensando e agindo está ajudando ou prejudicando você. Isso é muito importante para poder mudar para uma atitude positiva com você mesmo.
Não vou fingir que pensar assim é sempre fácil e sei que não remove toda a dor. No entanto, durante minha vida aprendi que pensar dessa maneira realmente ajuda. Mais do que tudo, me mostrou que é possível viver, receber e dar amor, trabalhar, ajudar e sofrer, tudo ao mesmo tempo. Tudo junto incluído, como dizemos no nosso amado Rio Grande.
Resistiremos. Fique certo disso.
(*) Psicóloga