Em um galpão de 6 mil metros quadrados na zona leste de Porto Alegre, enquanto uma carreta entrega móveis de escritório para reconstruir pequenas empresas destruídas pela enchente, em um pavilhão próximo voluntários montam cestas básicas e, ao lado, preparam kits de limpeza. Ao redor, outros civis, militares e servidores públicos organizam o recebimento e o envio de galões de água, roupas, colchões e até de fogões e geladeiras.
Esse cenário, que se repete em outros seis grandes centros de distribuição de donativos a vítimas da cheia no Rio Grande do Sul, faz parte do que é considerado por autoridades e especialistas como a maior e mais complexa operação logística já realizada na história do Estado.
Essa rede público-privada, destinada a desembarcar, separar e despachar milhões de itens de subsistência em benefício de 473 municípios afetados pela tragédia e de um universo que chegou a somar mais de 80 mil desabrigados ao longo de mais de um mês, adquiriu dimensão inédita pelo tamanho do desafio de atender tantas pessoas em meio à destruição generalizada da infraestrutura regional.
Para dar conta da tarefa, foi preciso contar com apoio de servidores públicos, voluntários e forças de segurança de várias partes do Brasil, além de carretas, aeronaves e embarcações a exemplo do maior navio de guerra da América Latina - que trouxe equipamentos e 154 toneladas de doações ao Rio Grande do Sul.
— É a maior operação de logística da história do Rio Grande do Sul em escala de produtos, amplitude de área e período de tempo — afirma o coordenador do gabinete de crise do Piratini e vice-governador, Gabriel Souza.
A avaliação é compartilhada pela Câmara Brasileira de Logística e Infraestrutura (CâmaraLog). Para o presidente da CâmaraLog, Paulo Menzel, se contabilizadas as ações de resgate observadas em regiões como os vales do Taquari, do Caí e na Região Metropolitana, a rede de apoio aos gaúchos ganha relevância histórica ainda maior.
— Essa é a maior operação de logística já vista no sul do Brasil pela dimensão da tragédia e pela união de esforços para buscar soluções, seja para trazer mantimentos ou salvar vidas. O resgate de pessoas também envolve logística. Se levarmos isso em consideração, essa foi, é, e continuará sendo a maior operação do tipo em todo o país por um bom tempo — analisa Menzel.
Considerada apenas a estrutura coordenada pelo gabinete de crise do Estado, até 27 de maio haviam sido distribuídos 1,6 milhão de litros de água, mais de 217 toneladas de alimentos e 371 mil peças de roupa por meio dessa estrutura. Não há como mensurar todos os números envolvidos na rede de auxílio emergencial pelo fato de contar com iniciativas espontâneas que, muitas vezes, ocorrem à margem da contabilidade oficial.
Um dos epicentros dessa gigantesca engrenagem humanitária está localizado na zona leste da Capital, onde, nos primeiros dias da tragédia, uma multidão superior à população de 44 municípios gaúchos se apresentou voluntariamente para trabalhar desembarcando e despachando doações.
— A gente já chegou a contar, no nosso centro logístico de Porto Alegre, com entre 1,8 mil a 2 mil voluntários, quando estávamos com muita gente trabalhando — afirma a porta-voz da Defesa Civil, tenente Sabrina Ribas.
Ao todo, hoje o Estado conta com cinco centros de logística em operação plena (Capital, Lajeado, Santa Maria, Passo Fundo e Pelotas) e dois que ainda distribuem os itens em estoque, mas já deixaram de receber novos donativos (Eldorado do Sul e Santa Cruz do Sul). A estratégia do Piratini é, aos poucos, ir concentrando os pontos de recebimento e remessa em menos locais a fim de otimizar os recursos disponíveis, como a mão de obra cada vez mais escassa.
Passo Fundo é outra referência para a estratégia de escoamento emergencial: a cidade foi poupada pela cheia e, segundo o coordenador local Mateus Wesp, conta com uma estrutura de 30 mil metros quadrados de área construída para armazenagem (cerca de quatro campos de futebol), herdada de uma antiga multinacional que encerrou as atividades.
— Em um primeiro momento, precisávamos de oito centros de distribuição, agora já se nota que é possível concentrar em menos centros e, progressivamente, ir diminuindo até a desativação. É preciso otimizar porque, como é muita carga, temos de ter cuidado com estoque, controle de data de vencimento, armazenamento adequado, controle de pragas, é uma operação muito complexa — complementa Gabriel Souza.
Hoje, o governo estadual concentra principalmente os grandes donativos. Doadores de cargas acima de uma tonelada contam inclusive com um número gratuito (0800 205 5151) para organizar melhor o envio dos itens. Somente esse canal direcionou pelo menos 708 toneladas de bens e alimentos até a última terça-feira (28).
Contribuições mais pulverizadas são muitas vezes encaminhadas diretamente às prefeituras ou aos próprios abrigos. Segundo Souza, embora as ofertas fragmentadas dificultem uma gestão mais coordenada, são igualmente bem-vindas.
— Se a pessoa preferir doar ao Estado, temos condições de olhar o todo e entender melhor onde está faltando ou sobrando cada item. Mas, se a pessoa quiser enviar diretamente a um município ou abrigo, não tem problema. A gente só agradece — afirma o coordenador do gabinete de crise.