O deferimento do pedido de recuperação judicial da Fundação Universitária de Cardiologia (FUC) na manhã desta segunda-feira (27) representa mais um passo do processo de negociações de dívidas da entidade. A partir desse momento, a entidade tem 60 dias para elaborar e apresentar um plano de recuperação, que é a proposta de pagamento aos credores.
De acordo com o advogado João Medeiros Fernandes Jr., sócio do escritório MSC Advogados, que está à frente do processo, o deferimento representa “uma espécie de blindagem” para a fundação, pois não permite que haja penhora ou expropriação de patrimônio:
— É uma medida muito importante. Assim, é dado o start da negociação com os credores. Aquelas dívidas existentes até a data do pedido ficam suspensas e o plano de recuperação será apresenta em 60 dias. Será a proposta inicial da fundação para o pagamento dessas dívidas.
Fernandes Jr. explica que ainda não há um desenho do plano de recuperação, mas afirma que os procedimentos de negociação serão iniciados imediatamente. A negociação parte da análise do fluxo de caixa, que verifica quais possibilidades a FUC tem de fazer o pagamento das dívidas. Após a apresentação, o plano será ajustado com os credores até que haja aprovação.
— A proposta parte da empresa, mas o objetivo é fazer também um ajuste com os credores. Vamos fazer uma análise inicial das alternativas, apresentar aos credores e, a partir daí, iniciar uma negociação para chegar a um denominar comum. Usamos a expressão “divisão equilibrada de ônus”, em que a empresa possa pagar e os credores aceitem — esclarece.
Por isso, a proposta é deliberada em uma assembleia com os credores, que decidem pela modificação ou aprovação do plano. Uma vez aprovado, o plano funciona como um novo contrato que vai reger os futuros pagamentos. O advogado ressalta que a lei prevê que esse processo ocorra em torno de 150 dias. Entretanto, na prática, sabe-se que se estende um pouco mais, já que pode haver suspensão da assembleia para mudanças no plano, por exemplo.
A FUC possui uma dívida de aproximadamente R$ 343 milhões, entre impostos em atraso e valores devidos a funcionários, prestadores de serviço, fornecedores e instituições financeiras. A entidade é responsável pelo Instituto de Cardiologia de Porto Alegre, pelo Hospital de Alvorada, pelo Hospital Padre Jeremias, em Cachoeirinha, pelo Instituto de Cardiologia Hospital Viamão, pelo Hospital Regional de Santa Maria e pelo Instituto de Cardiologia e Transplantes do Distrito Federal.
Contudo, a recuperação judicial refere-se a uma dívida de R$ 233.741.655,19, já que alguns créditos não se sujeitam ao processo, como os créditos tributários e de credores que detém garantia fiduciária — que ocorre quando um bem é cedido como penhora para o pagamento do empréstimo.
— O processo de recuperação é um dos mecanismos que se fazem necessários para dar proteção, mas a reestruturação empresarial se faz necessária. Foi feita uma redução no quadro e agora a ideia é que não haja maiores desligamentos. Com esse sobrestamento do endividamento, a ideia é que todas as obrigações a partir de agora sejam rigorosamente cumpridas — destaca Fernandes Jr.
Operações seguem normais, garante superintendente executivo
Oswaldo Luis Balparda, superintendente executivo da FUC, enfatiza que a ideia da recuperação judicial era justamente dar “fôlego para permitir que os serviços prestados não tivessem nenhuma interrupção”. De acordo com ele, a reorganização das dívidas já vem ocorrendo e será intensificada a partir de agora para reestabelecer o fluxo normal às instituições de saúde.
— Como estávamos com uma situação econômica frágil, a aquisição de insumos estava bastante dificultada, tendo que pagar antecipadamente, por exemplo. Agora, começamos a solucionar, esse processo já se encontra em andamento — aponta.
Na sexta-feira (24), pessoas com cirurgias e exames marcados no Instituto de Cardiologia (IC) de Porto Alegre reclamaram que o hospital estaria realizando somente procedimentos de urgência. O Sindisaúde-RS confirmou que, segundo informações levadas ao sindicato que representa técnicos e auxiliares de enfermagem, os médicos anestesistas não estavam atendendo pelo Sistema Único de Saúde (SUS), apenas o que é coberto por planos de saúde.
O superintendente executivo garante que não houve desassistência aos pacientes, nem atendimento apenas por convênio. Conforme Balparda, há inclusive uma intenção de aumentar os atendimentos a partir do ano que vem. O objetivo também é pagar os funcionários da folha em dia:
— O Ministério da Saúde emitiu uma portaria aumentando o teto da cardiologia para Porto Alegre e estamos negociando para que a gente assuma um aumento de volume a partir do próximo mês ou da virada do ano. Isso porque temos confiança na total operação do Instituto. Todo esse movimento que estamos fazendo, que é amargo, está sendo feito para preservar a capacidade de assistência de todos os hospitais e de ensino e formação de profissionais.
Confira a manifestação de sindicatos:
SindiSaúde
Há meses, enquanto instituição, o Sindisaúde-RS manifesta: a crise do Cardiologia é consequência direta não só da péssima gestão do hospital, mas do falido Programa Assistir. É “falido” pela falta de investimentos do governo estadual, com um rombo recentemente estimado em meio bilhão de reais. Eduardo Leite ainda está demorando muito para reconhecer isso, e essa demora já resultou na primeira catástrofe, com o pedido de recuperação judicial que afetou 274 famílias e toda a rede de saúde gaúcha. Até quando Leite vai esperar para destinar mais recursos a saúde? Enquanto não houver real vontade de resolver e ouvir a voz de quem realmente faz a saúde, ou seja, os trabalhadores, mais hospitais vão pedir falência.
O que diz o Estado
Sobre o Programa Assistir mencionado pelo Sindisaúde, é importante salientar que o Estado está em dia com todos os recursos junto ao Instituto de Cardiologia. Existe um grupo de trabalho, formado por Secretaria Estadual da Saúde, Famurs, Granpal, municípos, Fehosul e Federação dos Hospitais, que estudou e elaborou proposta de ajustes no Assistir. Este documento foi entregue semana passada e está em análise pelo governo. Cabe salientar, ainda, que na última segunda-feira, através de um esforço da Secretaria Estadual da Saúde e Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, o Ministério da Saúde anunciou a recomposição do Teto MAC para o Instituto de Cardiologia. Este valor representa R$ 15 milhões por ano para a instituição.
Sergs
Em relação ao aceite do pedido de RJ do Instituto de Cardiologia, o Sindicato dos Enfermeiros (SERGS) manifesta sua preocupação com o quadro da enfermagem, especialmente com os demitidos(as) e o pagamento de suas rescisões. Também teme pela sobrecarga de trabalho das equipes e precarização do atendimento à população.
Juntamente com as demais entidades, lutará pelo dimensionamento das equipes de enfermagem, encaminhando ao Coren-RS pedido de fiscalização.
Simers
Esperamos que a partir de agora haja alívio na pressão sobre o fluxo de caixa do Instituto de Cardiologia. E eles possam, a partir de então, começar a pagar os médicos e abastecer os insumos necessários para a sua atividade. Atualmente, nenhum fornecedor estava querendo negociar com o Instituto de Cardiologia porque não pagavam. Então não tinha válvula, não tinha stend, todos os insumos necessários para a atividade. Os anestesistas não estão recebendo. Então, que eles consigam fazer o termo aditivo adequado e voltem a funcionar para que o hospital, com cirurgias, volte a ter renda. Se não consegue fazer cirurgia, diminui a produção, não recebe. Ou seja, é uma bola de neve. Pode ser que a recuperação judicial abra a possibilidade de uma renegociação, aquisição de insumos e pagamento dos médicos pelo seu trabalho. Pode haver aí a efetiva possibilidade da recuperação.
Marcos Rovinski, presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers)