Entre impostos em atraso e valores devidos a funcionários, prestadores de serviço, fornecedores e instituições financeiras, a Fundação Universitária de Cardiologia (FUC) possui uma dívida de aproximadamente R$ 343 milhões. A informação é do escritório MSC Advogados, que está à frente do processo de recuperação judicial da entidade, cujo pedido foi encaminhado à Vara Regional Empresarial da Comarca de Porto Alegre na manhã desta segunda-feira (20).
A fundação é responsável pela administração do Instituto de Cardiologia (IC) de Porto Alegre e de outros cinco hospitais, sendo quatro no Rio Grande do Sul (Hospital de Alvorada, Hospital Padre Jeremias, em Cachoeirinha, Instituto de Cardiologia Hospital Viamão e Hospital Regional de Santa Maria) e um no Distrito Federal.
De acordo com Silvio Luciano Santos, advogado, contador e sócio do escritório MSC Advogados, a expectativa é que se tenha o deferimento do pedido de recuperação judicial ainda no decorrer desta semana. Após a decisão, a FUC tem um prazo de 60 dias para apresentar um plano de recuperação, indicando os meios para que isso ocorra e a forma de pagamento das dívidas com o grupo de credores.
— Hoje mesmo, durante a manhã, temos reuniões com os três principais sindicatos que representam as diferentes categorias de funcionários da fundação. Então, as negociações começam desde já. Sabemos que necessariamente precisamos ouvir e respeitar o outro lado para construir um acordo que atenda a ambos, dentro do limite da capacidade financeira da fundação — afirma Santos.
O pedido de recuperação judicial refere-se a uma dívida de R$ 233.741.655,19, acumulada no decorrer dos últimos anos por razões estruturais e fatores externos, como a pandemia de covid-19, desequilíbrio nas tabelas do Sistema Único de Saúde (SUS) e problemas no IPE Saúde. Entretanto, conforme o advogado, o endividamento total da FUC gira em torno de R$ 343 milhões.
Dessa quantia, cerca de R$ 63 milhões são referentes a valores devidos a funcionários e prestadores de serviço. Outros R$ 65 milhões referem-se a impostos em atraso e R$ 215 milhões a fornecedores e instituições financeiras.
Silvio esclarece que o pedido de recuperação é uma medida estruturante, que vem para trazer perenidade à FUC e fazer com que os atendimentos sejam mantidos:
— Por ser uma instituição de saúde, o principal ponto é que os atendimentos não podem parar. Há várias pessoas internadas, as cirurgias continuam acontecendo. A ideia do pedido é manter as atividades e abrir um canal de conversa com todos os envolvidos, como sindicatos, prestadores de serviço e instituições financeiras. A recuperação acaba congelando o endividamento para que a fundação possa se reestruturar, sem essa pressão.
A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da FUC sobre o tema e aguarda retorno.
Sindicato avalia medida como preocupante
Marcelo Matias, vice-presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), destaca que a entidade recebe a notícia com “extrema preocupação”, já que, mais do que um hospital histórico, o Instituto de Cardiologia é responsável por oferecer atendimento de ponta para todo o Estado e formação de qualidade aos médicos.
— Qualquer crise que venha de um hospital desse porte é vista com enorme preocupação por nós, porque isso interfere no atendimento dos pacientes — afirma.
O Simers não informou o número exato de médicos que foram demitidos na semana passada, mas Matias garante que é de dois dígitos e que envolve profissionais de várias áreas, desde a equipe cirúrgica até a de emergência e de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Ele aponta que os especialistas demitidos relaram que, internamente, haveria a ideia de substituir contratos CLT por PJ:
— Do ponto de vista trabalhista, esse movimento é ilegal. Há médicos PJ com pagamentos atrasados desde janeiro, porque a fundação paga os PJ como se fosse insumo e, estando em recuperação, pode usar isso para justificar o atraso. Entraremos na Justiça para todos os médicos que assim desejarem para evitar esse tipo de manobra ilegal.
Matias também ressalta que a fundação não entrou em contato com o Simers e que ainda não há nenhuma reunião marcada, mas garante que o sindicato está à disposição e deve procurar a FUC nesta segunda-feira para uma conversa.
O que diz a SES
Questionada pela reportagem de GZH, a Secretaria Estadual da Saúde (SES) informou, em nota, que “os repasses contratados junto ao Instituto estão em dia e em valores suficientes para manter o atendimento das instituições hospitalares”. De acordo com a pasta, os hospitais de Alvorada e Cachoeirinha estão em processo de transição para mudança de gestão.
GZH também entrou em contato e aguarda retorno da FUC, do Sindisaúde e da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre.