Pacientes com cirurgias e exames marcados no Instituto de Cardiologia (IC) de Porto Alegre, nesta semana reclamam que o hospital estaria realizando somente procedimentos de urgência. No local, são disponibilizados serviços pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e por convênios. O Sindisaúde-RS confirma que, segundo informações levadas ao sindicato que representa técnicos e auxiliares de enfermagem, os médicos anestesistas não estão atendendo pelo SUS, apenas o que é coberto por plano de saúde. O Instituto de Cardiologia nega a informação.
Ainda, de acordo com relatos de profissionais do Instituto de Cardiologia colhidos pelo sindicato, exames de hemodinâmica, que diagnosticam o estado da circulação das artérias coronarianas, também não ocorrem por falta de anestesista. Conforme o presidente do Sindisaúde, Julio Jesien,
— É uma situação que se arrasta desde o ano passado, com falta de pagamento de FGTS e salários, que está refletindo em tudo isso. Em uma negociação recente com o Cardiologia, foi acordado que nenhum funcionário poderia ser demitido. É inaceitável — comentou o líder do sindicato, que realizou, nesta sexta-feira (24) uma manifestação em frente à Justiça do Trabalho, em Porto Alegre, contra as demissões de 246 funcionários do IC na semana passada.
Morador de Nova Prata, na serra gaúcha, o aposentado Luiz Carlos Zilli, 67 anos, marcou em sua perícia, há dois meses, uma cirurgia para a substituição do gerador de um cardiodesfibrilador implantável (CDI). O dispositivo ajuda o coração a manter os batimentos regulares, bombeando o sangue por todo o corpo. No entanto, ao chegar no hospital, nesta quinta-feira (23), recebeu a informação que o assustou.
— Me disseram que só estavam atendendo casos de emergência e que não seria o meu caso. E, que eu deveria voltar em 22 de janeiro. O gerador do meu CDI deveria durar 10 anos, mas está dando problema agora — conta o senhor, que utiliza o equipamento, uma espécie de bateria com tempo determinado de uso, há sete anos.
Zilli se sentiu desprestigiado pelo IC, afirmando que a consulta não durou mais de cinco minutos.
— É complicado, a gente tem pouco recurso. Nem me avisaram antes. E não foi só comigo, vi gente saindo de lá chorando — lamenta o idoso, que está temporariamente abrigado na casa da filha, em Gravataí, até retornar a Nova Prata.
Consultada, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) da Capital informou que, quanto aos procedimentos realizados pelo SUS no IC, não verificou nenhuma anormalidade ou registro que aponte a restrição.
Hospital diz que não há restrição
Procurado por pela reportagem, o Instituto de Cardiologia afirma que não há restrições no serviço e se tratam situações pontuais. Ainda, de acordo com a instituição, casos isolados de adiamento ou cancelamento de procedimentos são comuns em hospitais. Segundo a assessoria de imprensa da instituição, foram realizadas, desde a segunda-feira, 99 procedimentos na hemodinâmica e 13 cirurgias no bloco cirúrgico do SUS, negando que apenas serviços por convênio acontecem no IC no momento.
Em entrevista a GZH nesta semana, Oswaldo Luis Balparda, superintendente executivo da Fundação Universitária de Cardiologia (FUC), que gere o IC, garantiu que o atendimento a pacientes no hospital não seria afetado pelo processo de recuperação judicial solicitado na segunda-feira (20).
Em julho deste ano, quando funcionários entraram em greve por atraso de salários, a FUC informou uma dívida na casa dos R$ 45 milhões. De acordo com a fundação, o pedido de recuperação judicial se refere a uma dívida de R$ 233.741.655,19, acumulada no decorrer dos últimos anos por razões estruturais e fatores externos, como a pandemia de covid-19, desequilíbrio nas tabelas do SUS e problemas no IPE Saúde.
Simers cita "apreensão"
A reclamação ocorre enquanto há uma negociação entre os anestesistas e os gestores, para garantir segurança dos pagamentos e melhorias nos contratos. O presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Marcos Rovinski, diz que a entidade vê com “apreensão todo este cenário”.
— Queremos que tudo seja resolvido o mais breve possível, para que os médicos recebam pelo trabalho realizado e, principalmente, que a população possa contar com o atendimento de excelência prestado pelo hospital — diz Rovinski.
O Simers vai encaminhar um ofício ao Instituto de Cardiologia para saber informações sobre a situação dos médicos residentes da cirurgia cardíaca que atuam no hospital. O documento, que também será enviado à Comissão de Residência Médica (Coreme) da instituição, vai reforçar a necessidade de manutenção de, no mínimo, quatro cirurgias por dia, para manter a qualidade da prática dos 14 pós-graduandos.
Além disso, o Simers quer saber sobre a defasagem de materiais, insumos e de recursos humanos para compor as equipes que realizam as cirurgias.