A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) decidiu que uma criança de sete anos, moradora de Porto Alegre, deve receber através do Sistema Único de Saúde (SUS) o primeiro medicamento aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para tratamento da acondroplasia, tipo mais comum de nanismo, o Voxzogo. Decisão ocorreu em sessão na manhã desta terça-feira (1º). A informação foi divulgada pela família da paciente e pelo advogado que acompanharam a sessão e confirmada por GZH junto ao TRF4.
— Que vitória para nós, para a Júlia, para todas as pessoas portadoras de acondroplasia, de doenças raras, com remédios de alto custo. A gente vai divulgar bastante, para ajudar bastante — comemorou Carlos Eduardo Lopes, pai da Júlia Platzer Lopes, que agora vai receber o medicamento.
Como o acórdão ainda não foi publicado, não há detalhes do teor da decisão. No entanto, os desembargadores passaram à família que o remédio deve ser fornecido num prazo de 15 dias.
Primeiro medicamento aprovado pela Anvisa, em 2021, o Voxzogo ainda não integra o SUS. O valor do tratamento, que chega a custar R$ 1,4 milhão por ano, com aplicações dos dois aos 12 anos de idade, impede que as famílias adquiram por conta própria. Os poucos tratamentos que ocorreram até agora foram viabilizados por meio de decisões judiciais liminares.
O Instituto Nacional do Nanismo estima que cerca de 150 crianças já são beneficiadas com o remédio. A nível nacional, até então, o instituto tinha conhecimento de apenas duas ações com mérito. O caso de Júlia é o terceiro no país, primeiro com mérito no Rio Grande do Sul.
— Tem crianças fazendo uso há mais de um ano e a evolução tem sido muito grande. Não é só uma questão de ganhar altura, mas também de minimizar todas as comorbidades e más-formações do esqueleto da criança com acondroplasia. Essas malformações trazem problemas mais graves no futuro — diz a presidente do Instituto, Juliana Yamin.
Qualidade de vida
Referência no assunto no Rio Grande do Sul, a médica geneticista Têmis Félix explica que o medicamento, se usado durante o período recomendado, traz resultados positivos para a qualidade de vida.
— Se espera, além do crescimento usual, que elas cresçam mais nove centímetros em cinco anos de tratamento. Um indivíduo que teria começado a tratar com dois anos, vai tratar por mais dez anos no mínimo, então, cresceria 20 centímetros a mais. Uma menina com 1m25cm poderia chegar a 1m45cm — estima a especialista.
Primeira criança no país a ganhar uma liminar para receber o medicamento, Maria Fernanda Paixão, hoje com três anos, recebeu a aplicação aos dois anos, idade mínima permitida. A mãe da menina, Neila Paixão, recorda que iniciou a discussão judicial ainda em agosto de 2021, quando o medicamento não era aprovado pela Anvisa e a menina tinha um ano e dez meses.
— Foram 13 dias até nós conseguirmos nossa liminar definida e o juiz deu um prazo para que ela recebesse a medicação no dia do aniversário de dois anos dela. Não aconteceu, fomos receber dois meses depois do prazo, mas não tem problema, recebemos e foi o mais importante. E hoje não temos uma liminar, temos uma sentença. A Maria Fernanda tem o tratamento garantido ao longo dos anos — comemora a mãe.
A menina cresceu cerca de 10 centímetros em um ano e meio de tratamento, além do aumento da envergadura dos braços.
— Meu maior objetivo quando busquei esse tratamento era que minha filha pudesse ter uma vida autônoma, independente de mim ou do pai, sem precisar de ajuda para tarefas que parecem simples pra nós e não são pra eles. E cada vez mais eu vejo independência na Maria Fernanda. Tudo bem que ela ainda tem três anos, tem muito pela frente, mas eu só vejo um futuro melhor — relata.
Como o remédio funciona
O Voxzogo é administrado por injeção uma vez por dia, a partir dos dois anos de idade até o fim do crescimento. Segundo a geneticista Têmis Félix, a acondroplasia é causada pela mutação de um gene que impede a via de crescimento ósseo. O medicamento possui como princípio ativo vosoritida, similar a uma proteína do corpo, que atua diretamente nos pontos de crescimento dos seus ossos para promover um novo crescimento ósseo.
— É como se o crescimento do paciente tivesse freio de mão puxado, e esse medicamento liberasse o crescimento — explica a médica.
Além da altura, o medicamento atua no prolongamento dos membros superiores, já que uma das características da doença são os braços curtos.
— Hoje mesmo recebi a foto de uma criança que está usando há 90 dias. Ela cresceu dois centímetros, mas, de envergadura dos braços são três centímetros, e isso é muito importante. Alguns adultos têm encurtamento tão severo que não conseguem fazer higiene pessoal — conta a presidente do Instituto Nacional do Nanismo.
— Outra coisa é o acesso às coisas do dia a dia. Lavar uma louça, pessoa que tem nanismo não consegue. A dificuldade para subir no ônibus também. São coisas que impactam — completa a geneticista.
Questionado sobre quando o medicamento estará disponível por vias não judiciais, o Ministério da Saúde respondeu por meio de nota. Confira:
“A inclusão de novas terapias e tratamentos no SUS é avaliada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), que leva em conta aspectos como eficácia, acurácia, efetividade e segurança. Até o momento, não há solicitações em aberto na Conitec para avaliação do tratamento citado.”