Esperança para melhorar a qualidade de vida de crianças que nascem com acondroplasia, tipo mais comum de nanismo, o primeiro medicamento aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2021, ainda não integra o Sistema Único de Saúde (SUS). O valor do tratamento, que chega a custar R$ 1,4 milhão por ano, com aplicações dos dois aos 12 anos de idade, impede que as famílias adquiram por conta própria. Os poucos tratamentos que ocorreram até agora foram viabilizados por meio de decisões judiciais liminares.
Até janeiro deste ano, segundo o Instituto Nacional de Nanismo, 36 crianças estavam recebendo o tratamento no Brasil, sendo que a primeira aplicação foi no início de 2022. Agora, o Instituto estima que cerca de 150 já são beneficiadas com o remédio (leia mais sobre o tratamento abaixo).
— Tem crianças fazendo uso há mais de um ano e a evolução tem sido muito grande. Não é só uma questão de ganhar altura, mas também de minimizar todas as comorbidades e más-formações do esqueleto da criança com acondroplasia. Essas más-formações trazem problemas mais graves no futuro — diz a presidente do Instituto, Juliana Yamin.
A nível nacional, o instituto tem o conhecimento de apenas duas ações com mérito resolvido. No Rio Grande do Sul, só existem liminares sobre o assunto e foram divergentes — com algumas crianças beneficiadas e outras, não. É o caso da Júlia Platzer Lopes,sete anos, que em fevereiro deste ano teve o tratamento negado pela 1 ª Vara Federal. A família recorreu ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que começa a analisar o mérito da questão em sessão nesta terça-feira (1º). A decisão, por ser tomada em órgão colegiado, deve virar jurisprudência e balizar outros pedidos semelhantes no TRF4.
— Tomara que saia uma decisão bem bonita, sempre priorizando pela saúde, se não, a gente vai ter que ir para o Superior Tribunal de Justiça e passou o tempo da Júlia. Até chegar lá e ter qualquer decisão, já passou — relata o pai de Júlia, Carlos Eduardo Lopes.
A corrida contra o tempo ocorre porque o medicamento apresentar melhores resultados quanto antes for usado. A indicação de uso ocorre a partir dos dois anos de idade até o fim da puberdade, geralmente aos 12.
— A Júlia já perdeu muito tempo, porque não existia tecnologia quando ela tinha dois anos. E, agora, já perdeu mais um ano com a negativa da liminar — lamentou o pai.
Qualidade de vida
Referência no assunto no Rio Grande do Sul, a médica geneticista Têmis Félix explica que o medicamento, se usado durante o período recomendado, traz resultados positivos para a qualidade de vida.
— Se espera, além do crescimento usual, que elas cresçam mais nove centímetros em cinco anos de tratamento. Um indivíduo que teria começado a tratar com dois anos, vai tratar por mais dez anos no mínimo, então, cresceria 20 centímetros a mais. Uma menina com 1m25cm poderia chegar a 1m45cm — estima a especialista.
Primeira criança no país a ganhar uma liminar para receber o medicamento, Maria Fernanda Paixão, hoje com três anos, recebeu a aplicação aos dois anos, idade mínima permitida. A mãe da menina, Neila Paixão, recorda que iniciou a discussão judicial ainda em agosto de 2021, quando o medicamento não era aprovado pela Anvisa e a menina tinha um ano e dez meses.
— Foram 13 dias até nós conseguirmos nossa liminar definida e o juiz deu um prazo para que ela recebesse a medicação no dia do aniversário de dois anos dela. Não aconteceu, fomos receber dois meses depois do prazo, mas não tem problema, recebemos e foi o mais importante. E hoje não temos uma liminar, temos uma sentença. A Maria Fernanda tem o tratamento garantido ao longo dos anos — comemora a mãe.
A menina cresceu cerca de 10 centímetros em um ano e meio de tratamento, além do aumento da envergadura dos braços.
— Meu maior objetivo quando busquei esse tratamento era que minha filha pudesse ter uma vida autônoma, independente de mim ou do pai, sem precisar de ajuda para tarefas que parecem simples pra nós e não são pra eles. E cada vez mais eu vejo independência na Maria Fernanda. Tudo bem que ela ainda tem três anos, tem muito pela frente, mas eu só vejo um futuro melhor — relata.
Como o remédio funciona
O Voxzogo é administrado por injeção uma vez por dia, a partir dos dois anos de idade até o fim do crescimento. Segundo a geneticista Têmis Félix, a acondroplasia é causada pela mutação de um gene que impede a via de crescimento ósseo. O medicamento possui como princípio ativo vosoritida, que é similar a uma proteína do corpo, que atua diretamente nos pontos de crescimento dos seus ossos para promover um novo crescimento ósseo.
— É como se o crescimento do paciente tivesse freio de mão puxado, e esse medicamento liberasse o crescimento — explica a médica.
Além da altura, o medicamento atua no prolongamento dos membros superiores, já que uma das características da doença são os braços curtos.
— Hoje mesmo recebi a foto de uma criança que está usando há 90 dias. Ela cresceu dois centímetros, mas, de envergadura dos braços são três centímetros, e isso é muito importante. Alguns adultos têm encurtamento tão severo que não conseguem fazer higiene pessoal — conta a presidente do Instituto Nacional do Nanismo.
— Outra coisa é o acesso às coisas do dia a dia. Lavar uma louça, pessoa que tem nanismo não consegue. A dificuldade para subir no ônibus também. São coisas que impactam — completa a geneticista.
Se a decisão do caso da menina Júlia Platzer Lopes for favorável, Carlos Eduardo já estima como será a nova vida da filha:
— Que ela possa brincar, que as dores dela cessem, que ela possa ter uma vida mais próxima do normal, podendo dirigir, andar de bicicleta, sentar direito na cadeira da escola, que ela consiga andar de skate que é o que ela ama fazer, alcançar buffet da escola, fazer sua higiene pessoal.
A decisão está a cargo da 5ª Turma da Justiça Federal, em sessão que inicia às 10h desta terça-feira (1º). Ainda não há previsão para publicação do acórdão e ainda caberá recurso para ambas as partes nas cortes superiores em Brasília.
Procurado para comentar sobre o processo, o Ministério da Saúde só deve se manifestar após a decisão. Questionado sobre quando o medicamento estará disponível por vias não judiciais, a resposta foi a seguinte: “A inclusão de novas terapias e tratamentos no SUS é avaliada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), que leva em conta aspectos como eficácia, acurácia, efetividade e segurança. Até o momento, não há solicitações em aberto na Conitec para avaliação do tratamento citado.”