Após o debate público acerca da falta de consenso científico sobre a eficácia de práticas como acupuntura e homeopatia, Conselho Federal de Medicina (CFM) e Associação Médica Brasileira (AMB) reagiram para defender a validade das especialidades praticadas por seus profissionais.
Hoje, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece 28 terapias chamadas de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde. A lista inclui homeopatia, acupuntura – que são especialidades médicas –, ozonioterapia, hipnoterapia, cromoterapia (uso de cores) e geoterapia (uso de argila, barro, lamas medicinais, pedras e cristais). Universidades renomadas oferecem formação em algumas das áreas.
Em 2017, 8,2 mil postos de saúde (19% do total) ofertaram alguma dessas modalidades, de acordo com o livro Práticas Integrativas e Complementares em Saúde, do Ministério da Saúde.
Dados do DataSUS consultados por GZH mostram que, nos últimos cinco anos, postos de saúde no Brasil ofereceram quase 19 mil consultas em homeopatia – das quais 1.105 foram no Rio Grande do Sul (veja no gráfico).
A discussão sobre a falta de evidências sólidas de tais práticas foi reacesa após a publicação do livro Que bobagem!, escrito pela presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC) e professora da Universidade de Columbia, em Nova York, Natalia Pasternak, e pelo jornalista Carlos Orsi, diretor da entidade. O livro recebeu notas de repúdio de associações de homeopatia e do Conselho Regional de Medicina de Goiás.
Os autores do livro sustentam que homeopatia e acupuntura são placebo e que as práticas complementares do SUS foram incluídas pelo governo porque “ao promover bem-estar, ainda que não funcionassem como cura de coisa nenhuma, poderiam evitar doenças graves como câncer e cardiopatias, desonerando assim o sistema de saúde. No entanto, até hoje não há registro de um único estudo de acompanhamento para verificar essa alegação”.
Pasternak e Orsi dizem que “não há evidências de que tais práticas economizem dinheiro para os sistemas de saúde, mas há certamente evidências de que consomem dinheiro público, que poderia ser mais bem investido”.
Os autores acrescentam que a existência dessas terapias pode motivar pacientes a abandonar tratamentos convencionais para usar somente a homeopatia ou outra forma de medicina alternativa.
“Pode fazer com que o paciente tenha menos aderência ao tratamento convencional, falte às consultas de acompanhamento, não cumpra todas as recomendações do médico e tenha menos confiança nos profissionais de saúde. O uso da homeopatia, por funcionar como qualquer outro placebo, pode mascarar sintomas e dar falsa impressão de melhora, atrasando diagnósticos de doenças”, diz um trecho do livro.
A psicanálise também é criticada, sob o argumento de que faltam estudos para embasá-la e de que é uma teoria que produz a solução a partir de uma "criação" de problema. A Sociedade Brasileira de Psicanálise no Rio Grande do Sul não quis comentar.
Especialidade médicas brasileiras
Homeopatia e acupuntura são duas das 55 especialidades médicas brasileiras e recebem o mesmo tratamento de oncologia, ginecologia ou qualquer outra área de atuação reconhecida pela classe.
Para que uma área seja reconhecida como especialidade médica, é preciso receber aval da Comissão Mista de Especialistas, um grupo formado por dois integrantes do Conselho Federal de Medicina, dois da Associação Médica Brasileira e dois do comitê de residências médicas do Ministério da Educação (MEC).
O Conselho Federal de Medicina salientou a GZH que não tem nenhum processo de análise para excluir homeopatia e acupuntura da lista de especialidades médicas. Acrescentou, ainda, que é norteado pela ciência e suas novidades, portanto está aberto a reavaliar entendimentos.
"Ressalte-se que o papel da Comissão Mista de Especialistas é avaliar de modo permanente evidências reconhecidas cientificamente, matriz de competências e outros, analisando seu impacto no escopo de atuação de especialidades médicas em vigor. Para tanto, esse trabalho respeita as contribuições dos diferentes colegiados, tramites e prazos legais", diz o CFM em nota.
Integrante da diretoria científica da Associação Médica Brasileira (AMB), Fernando Sabia Tallo diz que a entidade reconhece a validade da homeopatia e da acupuntura e que não há contestações da classe médica para retirá-las da lista de atuação de profissionais.
— Neste momento, o entendimento da AMB e dos médicos de maneira geral é de que esses colegas exercem uma especialidade que cumpre todos os requisitos formais de uma especialidade, com trabalhos científicos publicados no mundo inteiro. O que pode acontecer é pessoas falarem em nome da ciência sem nenhuma autoridade para isso. Se, em determinado momento, o entendimento dos pares for de que essas práticas não devam ser especialidade, aí a Comissão Mista de Especialistas mista irá se reunir, baseada em fatos e revisões sistemáticas de ciência pura e bem feita, para concluir se algo não pode ser especialidade — diz.
Tallo reconhece que homeopatia e acupuntura não são especialidades médicas em muitos países, mas afirma que isso não é demérito e que o Brasil tem autoridade interna.
— Temos 55 especialidades médicas, os americanos têm 24. A endoscopia não é especialidade em muitos países, e é no Brasil. Se a diretoria da AMB tiver elementos científicos incontestáveis de que determinada atuação não cumpre sua obrigação, ela pode levar a demande de exclusão para a Comissão Mista. Para isso, uma sociedade de uma das especialidades, ou uma universidade, precisa entrar com requerimento junto à Comissão Mista para excluir uma especialidade — acrescenta Tallo.
Em nota divulgada na última quinta-feira (20), a Associação Médica Homeopática Brasileira afirmou que as críticas à prática são “fruto da desinformação ou negação dos estudos científicos que fundamentam o modelo homeopático em vários campos da pesquisa científica moderna”.
— A homeopatia é uma prática consagrada. Dizem que é placebo. Como é que ela funciona em crianças e em animais? O paradigma da homeopatia é diferente do paradigma da alopatia — afirmou o médico Érico Dorneles, presidente da Sociedade Gaúcha de Homeopatia.
O Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) diz que, dada a regulação do Conselho Federal de Medicina, a acupuntura e a homeopatia são especialidades médicas, portanto só podem ser praticadas por médicos que cumprirem a formação de dois anos em residência médica na especialidade ou fizerem a prova do Colégio Médico de Acupuntura e da Associação Médica Homeopática Brasileira, respectivamente. “Assim, são atividades fiscalizadas pelos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) sob a ótica do Código de Ética Médica”.
Contatado por GZH, o Ministério da Saúde afirmou que as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde “não substituem tratamentos convencionais, e sim os complementam com mais ofertas de saúde para a população”. A pasta diz também que a gestão de Luís Inácio Lula da Silva (PT) valoriza a ciência e que as terapias criticadas são apoiadas pela OMS.
“A OMS tem o objetivo de apoiar os Estados-Membro a impulsionar a integração da medicina tradicional aos sistemas nacionais de saúde. A homeopatia e a acupuntura fazem parte das PICS (práticas integrativas) reconhecidas pela organização e ambas são práticas reconhecidas por conselhos profissionais de saúde, incluindo o Conselho Federal de Medicina do Brasil”, diz o governo federal.
Como funciona a homeopatia?
Na homeopatia, baseada na ingestão de um líquido com uma substância diluída, há dois princípios básicos: semelhante cura semelhante – ou seja, é benéfico ingerir uma substância que provoque os sintomas do que o doente sente; e, quanto mais diluído o princípio ativo, maior a sua potência.
Como funciona a acupuntura?
Por meio da inserção de agulhas, estimula pontos espalhados por todo o corpo, ao longo dos meridianos, para promover e recuperar a saúde, além de prevenir doenças.