Frente às críticas de que o Sistema Único de Saúde (SUS) financia, com dinheiro público, terapias cuja eficácia não é consenso da ciência, o Ministério da Saúde disse a GZH nesta segunda-feira (24) que segue recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e que se baseia na ciência sem deslegitimar a medicina tradicional.
O SUS oferece 28 terapias complementares chamadas de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde. A lista inclui homeopatia, acupuntura, ozonioterapia, yoga, hipnoterapia, cromoterapia (uso de cores) e geoterapia (uso de argila, barro, lamas medicinais, pedras e cristais para “cuidar de desequilíbrios físicos e emocionais por meio dos diferentes tipos de energia e propriedades químicas”).
Em 2017, 8,2 mil postos de saúde (19% do total) ofertaram alguma dessas práticas, de acordo com o livro Práticas Integrativas e Complementares em Saúde, do Ministério da Saúde. De acordo com o jornal O Estado de S.Paulo, entre 2018 e 2022, foram realizados 128.231 atendimentos homeopáticos no SUS.
Homeopatia, acupuntura e psicanálise foram extintas de sistemas públicos de saúde de diferentes países e não são consenso na ciência, embora sejam populares no Brasil, inclusive sendo regulamentadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).
Em nota enviada a GZH, o Ministério da Saúde afirma que as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde “não substituem tratamentos convencionais, e sim os complementam com mais ofertas de saúde para a população”. A pasta diz também que a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) valoriza a ciência e que as terapias criticadas são apoiadas pela OMS.
“A OMS tem o objetivo de apoiar os Estados-Membro a impulsionar a integração da medicina tradicional aos sistemas nacionais de saúde. A homeopatia e a acupuntura fazem parte das PICS (práticas integrativas) reconhecidas pela organização e ambas são práticas reconhecidas por conselhos profissionais de saúde, incluindo o Conselho Federal de Medicina do Brasil”, diz o governo federal.
O debate sobre a falta de estudos acerca de tais práticas foi reaceso após a publicação do livro Que bobagem!, da microbiologista e divulgadora científica Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), e do jornalista Carlos Orsi, diretor da entidade, que se debruçaram sobre estudos.
A crítica é de que terapias sem evidências sólidas recebem dinheiro público que deveria ser alocado para outras práticas já consolidadas e que parcela da população atrasa o tratamento na medicina tradicional para, antes, tentar a cura com terapias complementares.
— A gente mostra também, para homeopatia e medicina tradicional chinesa, que nenhuma dessas práticas é inofensiva, essas práticas são perigosas. Elas podem mascarar sintomas, atrasar diagnósticos, afastar pessoas de tratamentos que realmente funcionam, então efetivamente muitas vezes elas matam gente. Essa é uma das razões pelas quais a gente escreveu o livro. Existe no imaginário popular um folclore muito forte de que, 'se não funciona, também não faz mal, então deixa'. E isso não é verdade. Pode fazer muito mal. E muitas pessoas que usam isso nem sabem o que são. A gente mostra uma pesquisa feita nos Estados Unidos que perguntava para as pessoas o que elas acham que era homeopatia, e elas diziam que era remédio natural, remédio de plantas — afirmou Pasternak em entrevista.
O Ministério da Saúde também diz que está discutindo a ampliação de oferta de serviços a partir das melhores evidências científicas. “Foram aprovadas 20 propostas que contemplam o fortalecimento da PNPIC na 17ª Conferência Nacional de Saúde, demonstrando o interesse popular em qualificar e ampliar a política”, afirmou em nota.
Leia a nota na íntegra:
"O Ministério da Saúde ressalta que esta gestão valoriza a ciência sem deslegitimar os saberes tradicionais – especialmente dos povos que vivem no Brasil, como indígenas e quilombolas – que também devem ser valorizados. A implementação das PICS no SUS contribui com a integração entre a medicina moderna e as práticas tradicionais. As Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) não substituem tratamentos convencionais, e sim os complementam com mais ofertas de saúde para a população.
As PICS contemplam sistemas médicos complexos e recursos terapêuticos denominados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) de Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas (MTCI), e são parte integrante da Estratégia da OMS sobre medicina tradicional 2014-2023. A OMS tem o objetivo de apoiar os Estados-Membro a impulsionar a integração da medicina tradicional aos sistemas nacionais de saúde. A homeopatia e a acupuntura fazem parte das PICS reconhecidas pela organização e ambas são práticas reconhecidas por conselhos profissionais de saúde, incluindo o Conselho Federal de Medicina (CFM) do Brasil.
No Brasil, alinhado às diretrizes da OMS, as PICS foram instituídas para o Sistema Único de Saúde (SUS) por meio da PNPIC - Portaria GM/MS nº 971/2006, ampliada pelas portarias GM/MS nº 849/2017 e GM/MS nº 702/2018 - como forma de integrar ao SUS práticas já usuais na rede pública de saúde, em diversos municípios do País.
Atualmente, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS (PNPIC) está em processo de discussão e ampliação de oferta de serviços a partir das melhores evidências científicas e do objetivo terapêutico. Foram aprovadas 20 propostas que contemplam o fortalecimento da PNPIC na 17ª Conferência Nacional de Saúde, demonstrando o interesse popular em qualificar e ampliar a política."