Homeopatia, acupuntura e psicanálise já foram extintas de sistemas públicos de saúde de outros países e carecem de evidências científicas sobre sua eficácia, mas ainda são populares no Brasil, inclusive com algumas delas sendo ofertadas no Sistema Único de Saúde (SUS) e regulamentadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).
A tolerância de órgãos de classe e do governo brasileiro com essas e outras práticas controversas fez a microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), e o jornalista Carlos Orsi, diretor da entidade, se debruçarem sobre estudos que testaram esses métodos. A conclusão foi que essas terapias não funcionam melhor do que um placebo e ainda causam danos. Os resultados estão em um novo livro, Que bobagem!, lançado nesta semana, sobre 12 práticas classificadas pela maioria da comunidade científica como pseudociências ou crenças sem fundamento.
Por que vocês decidiram escrever um livro sobre esse tema e por que acreditam que tantas pessoas ainda se deixam levar por terapias sem comprovação científica?
Natalia Pasternak – As pseudociências, em geral, têm uma ligação emocional, histórica, familiar com a pessoa, então não é algo que passa toda vez por um crivo de racionalidade e de compreensão do processo científico. Muitas vezes as pessoas gostam daquela pseudociência porque tem uma ligação afetiva com ela, e daí se incomodam quando alguém expõe que aquilo não passou pelo crivo da ciência. O que a gente espera é que as pessoas leiam o livro antes de criticar, o que já não está acontecendo porque o livro nem tinha sido lançado ainda e já tinha nota de repúdio (o livro recebeu notas de repúdio de associações de homeopatia e do Conselho Regional de Medicina de Goiás).
Você acha que isso indica dificuldade de diálogo?
Natalia Pasternak – Acho que realmente mostra uma falta de abertura para aceitar novas evidências, dentro também do que a gente explica na introdução do livro, do que seria uma atitude científica, definida pelo filósofo Lee McIntyre, que é um filósofo da ciência. Ele define uma atitude científica como a capacidade de mudar de ideia diante de novas evidências ou da crítica dos nossos pares. E as pseudociências não apresentam uma atitude científica, elas não estão dispostas a mudar de ideia diante das evidências ou da crítica dos pares ou elas já teriam feito isso porque a gente tem evidências científicas mais do que de sobra de que, por exemplo, os princípios da homeopatia são contrários aos princípios da química e da física. A homeopatia foi testada exaustivamente e falhou miseravelmente em todo teste bem conduzido, sem mostrar um efeito maior do que o placebo.
Sobre a homeopatia e acupuntura, elas são reconhecidas como especialidades médicas pelo CFM e são oferecidas no SUS. O que a gente tem de evidência hoje sobre elas?
Natalia Pasternak – As evidências que a gente tem, no caso da homeopatia, são bastante contundentes dentro de um consenso científico internacional. A gente traz várias referências de revisões sistemáticas, de meta-análises, que mostram que se você juntar os melhores trabalhos feitos com a melhor metodologia sobre homeopatia, você vê que a homeopatia não passa de um placebo. Outra coisa que você vê, e isso vale para homeopatia e acupuntura, é que quanto melhor a metodologia, menor o efeito. Os trabalhos que mostram algum efeito carecem de rigor metodológico. Para a homeopatia, isso está muito bem documentado. E reunimos também as evidências de todos os países que já tomaram providências de políticas públicas em relação à homeopatia justamente por causa desse grande repositório de referências que mostra que a homeopatia não funciona além do placebo. Então a gente traz também no capítulo as declarações de diversos países quando eles tiraram a homeopatia de seus serviços públicos. A gente mostra também, para homeopatia e medicina tradicional chinesa, que nenhuma dessas práticas é inofensiva, essas práticas são perigosas. Elas podem mascarar sintomas, atrasar diagnósticos, afastar pessoas de tratamentos que realmente funcionam, então efetivamente muitas vezes elas matam gente. Essa é uma das razões pelas quais a gente escreveu o livro. Existe no imaginário popular um folclore muito forte de que, 'se não funciona, também não faz mal, então deixa'. E isso não é verdade. Pode fazer muito mal. E muitas pessoas que usam isso nem sabem o que são. A gente mostra uma pesquisa feita nos Estados Unidos que perguntava para as pessoas o que elas acham que era homeopatia, e elas diziam que era remédio natural, remédio de plantas. Muitas pessoas ficaram muito indignadas quando foi explicado o que realmente era. As pessoas têm o direito de saber o que elas estão escolhendo. Em relação à acupuntura, é a mesma coisa que a homeopatia: quanto melhor a metodologia dos trabalhos, mais fica claro que ela não funciona. A plausibilidade biológica também é extremamente questionável porque requer que existam coisas como meridianos e energia, que é algo que nunca foi comprovado e que provavelmente não existe. Você precisaria que essas coisas existissem para que a acupuntura fizesse sentido.
O livro traz capítulos sobre curas naturais, energéticas, dietas da moda. Como você vê o fenômeno crescente de algumas pseudociências se apropriarem das recomendações de adotarmos um estilo de vida mais saudável e utilizarem isso para vender essas terapias e produtos naturais sem eficácia comprovada ou até para negar medicamentos ou vacinas?
Natalia Pasternak – No capítulo de curas naturais, a gente explica bem o conceito que é conhecido como falácia do natural, que seria "tudo que é natural é bom, tudo que é sintético é ruim". Essa falácia do natural tem sido apropriada por muitos grupos de interesse para vender produtos e serviços que seriam ditos naturais. E o mais perigoso é quando ela entra nesse esquema de rejeitar tudo que é sintético - medicamentos, vacinas - e você passa a achar que, se seguir um estilo de vida natural, próximo da natureza, comendo alimentos orgânicos, fazendo exercícios físicos, você não precisa de vacinas e medicamentos. E isso é falso. É claro que ser saudável e se alimentar bem é algo bom para a saúde, mas a pessoa pode ser acometida por uma doença infecciosa grave da mesma maneira que outras pessoas, então esse estilo garante saúde, mas não garante vida eterna.
A respeito da psicanálise, que é uma prática também muito aceita ainda, o que vocês acharam nessa revisão de literatura que fizeram para o livro?
Natalia Pasternak – A psicanálise já foi completamente desbancada em países como Estados Unidos, onde nenhuma escola de psicologia vai ensinar psicanálise, a não ser como uma curiosidade histórica, enquanto que no Brasil, Argentina e França, a psicanálise ainda é levada muito a sério, inclusive por classes intelectualmente muito fortes, que têm uma erudição. Talvez porque a psicanálise tenha, historicamente, uma influência grande nas artes e na literatura. Agora, nada impede que a psicanálise continue presente na literatura, mas seja devidamente explicada, dentro da ciência, como uma prática que não tem respaldo científico para o tratamento psicológico de pessoas. Então é isso que a gente mostra no livro, que, dentro da ciência da psicologia, a psicanálise não é aceita como prática científica com comprovação de que funciona. E demonstra que os pais da psicanálise, principalmente (Sigmund) Freud, têm um histórico muito grave de fraudes e de conduta antiética que muita gente não sabe. Muita gente acha que ele simplesmente era um gênio. Isso é algo bastante comum no livro como um todo. Ele mostra como, infelizmente, as pessoas têm uma tendência muito forte de eleger grandes gênios que jamais poderiam estar errados. Por isso talvez seja difícil demonstrar como se constrói uma evidência científica e por que tal prática não tem evidência, porque as pessoas não querem olhar as evidências científicas, elas simplesmente não querem que falem mal do gênio que elas escolheram. Então acaba sendo uma postura um pouco mais pessoal e quase religiosa em relação a pseudociências que são muito queridas, que a gente fala que são as pseudociências de estimação.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.