Com o avanço da cobertura vacinal, cresce a pressão para que governos deixem de obrigar o uso de máscara ao ar livre, apesar de parcela dos especialistas afirmar que ainda é cedo. No Rio Grande do Sul, não há data prevista para mudanças: a Procuradoria-Geral do Estado (PGE), que defende os interesses jurídicos do Palácio Piratini, aponta que é preciso aguardar mudanças na lei federal que obriga o uso do acessório em espaços públicos.
Em julho do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou a Lei nº 14.019/2020, que obriga o uso de máscaras tapando nariz e boca em espaços públicos e privados acessados pela população. A despeito da lei, Rio de Janeiro e Distrito Federal decidiram desobrigar o uso de máscaras ao ar livre.
A visão da PGE-RS é de que a lei sancionada por Bolsonaro é um obstáculo incontornável – no Judiciário, leis estaduais não podem ser contrárias a leis federais. Hoje, é preciso aguardar a suspensão da lei federal para desobrigar o uso de máscaras ao ar livre em solo gaúcho, afirmou a GZH o procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa.
— A lei federal é taxativa, impõe o uso e foi validada pelo Supremo Tribunal Federal. Não há, em princípio, espaço de alteração ou liberação do uso de máscara. Desconheço o fundamento jurídico usado por Rio de Janeiro e Distrito Federal, mas não vemos viabilidade de contrariar a lei federal, salvo se cometermos ilegalidade. Como se trata de lei de caráter nacional, um gestor público que a descumpra pode ter implicações jurídicas graves. Por essa razão, não orientaríamos postura nesse sentido — afirma o procurador-geral do Estado.
Costa diz que há interesse político em desobrigar o uso de máscaras ao ar livre e que o governador Eduardo Leite (PSDB) solicitou, durante viagem a Espanha e França, que a PGE estudasse a possibilidade de alterar as regras – mas a resposta do procurador-geral foi de que não há embasamento jurídico para mudanças.
— Não descartamos estudar as decisões do Rio de Janeiro e do Distrito Federal para compreender seus fundamentos, mas não vamos orientar aventuras jurídicas contra uma lei federal. Interesse político há, o governador, sim, me pediu se tem como (desobrigar o uso de máscara ao ar livre), e o que eu disse é que não tem como. Podemos ver se é viável, mas, em uma primeira leitura, acho que (RJ e DF) estão descumprindo a lei federal. A brecha jurídica que encontraram é o descumprimento da lei, o que não é brecha — acrescenta.
A lei federal é taxativa, impõe o uso e foi validada pelo Supremo Tribunal Federal. Não há, em princípio, espaço de alteração ou liberação do uso de máscara
EDUARDO CUNHA DA COSTA
Procurador-geral do RS
O procurador-geral do Estado lembra que, para a lei federal ser alterada, o Congresso precisa apresentar novo projeto de lei, a ser sancionado por Bolsonaro, ou o próprio presidente, que é contra o uso de máscaras, precisa assinar Medida Provisória (MP) sobre o tema – caso isso ocorra, a mudança valeria imediatamente, mas precisaria ser analisada pelo Parlamento em até 90 dias.
Na Câmara dos Deputados, projeto de lei apresentado na quarta-feira (27) pelo deputado federal gaúcho Bibo Nunes (PSL-RS) propõe tornar opcional o uso de máscaras em local aberto.
Na proposta, o parlamentar afirma que “a obstrução das vias respiratórias por meio da máscara não é algo natural e saudável” e que “o menor fluxo de oxigenação produz efeitos indesejáveis ao corpo, que sentiremos no médio prazo”. A afirmação é falsa.
— Essa é uma fake news relativamente antiga e que já foi refutada. O uso da máscara não causa nem hipóxia (ausência de oxigênio) nem intoxicação pelo dióxido de carbono. Não há obstrução das vias respiratórias. Situações de obstrução ocorrem quando o fluxo em um canal ou vaso é interrompido. Um exemplo pode ser visto por meio da aspiração de um corpo estranho. Uma pessoa que usa máscara não tem esse fluxo de ar obstruído pelas vias respiratórias — explica a biomédica Mellanie Fontes-Dutra, coordenadora da Rede Análise Covid-19.
No Brasil, o Estado do Rio de Janeiro liberou municípios a deixarem de obrigar o uso de máscaras desde que tenham concluído a vacinação em 75% da população com 12 anos ou mais e/ou 65% da população total.
No Distrito Federal, o governo decidiu que o acessório deixará de ser exigido a partir da próxima quarta-feira (3) – pouco mais de 53% da população completou o esquema vacinal.
Santa Catarina planeja desobrigar o uso de máscara a partir de novembro, a depender dos números da vacinação e do cenário epidemiológico. Por lá, isoladamente, alguns municípios já se mobilizam para afrouxar as restrições da pandemia. Florianópolis anunciou que liberaria o uso do acessório quando atingisse 80% da população com esquema vacinal completo.
A Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul (SES) não informou se tem metas de indicadores de cobertura vacinal ou nível de transmissão de coronavírus a serem atingidos para suspender o uso de máscaras ao ar livre.
Porta-voz da SES e coordenador do grupo de trabalho do governo do Estado responsável pelos protocolos na pandemia, Bruno Naundorf afirmou que não há discussão formal enquanto o obstáculo jurídico não for resolvido.
— A posição que temos é essa, da lei federal. Não discutimos descumprimento de lei, portanto, não há discussão para avanço. Não há discussão formal internamente porque não se superou essa questão — cita Naundorf.
Para especialistas, ainda é cedo para flexibilizar
A colunista Kelly Matos informou que o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), é favorável ao uso de máscaras apenas em ambientes fechados, mas que a decisão não será tomada de forma isolada da prefeitura da Capital gaúcha, e sim pelo governador Eduardo Leite.
— A minha opinião pessoal é de que deveríamos manter o uso das máscaras em locais fechados e deveríamos liberar em espaços abertos, por meio de um decreto que regulamentasse o tema. Aliás, eu conversei sobre isso com o governador (Eduardo Leite) em um encontro que tive com ele — explicou Melo.
Especialistas da área da saúde afirmam que ainda é cedo para flexibilizar o uso de máscaras ao ar livre, sob pena de uma nova onda de casos surgir. Hoje, o Rio Grande do Sul atingiu 60,7% da população com esquema completo, segundo dados do governo do Estado.
— Há um equilíbrio entre avanço de vacinação e de flexibilizações. Nessa subtração, tem um número zero: não vou nem para frente nem para trás. Ainda temos uma taxa de transmissão considerada alta — diz o infectologista Alexandre Zavascki, médico no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), complementando que a redução no número de casos, em vez da cobertura vacinal, seria um balizador mais confiável para se iniciar as conversas sobre esse tipo de flexibilização.